Desde a recente vitória eleitoral de Donald Trump, rumores e especulações têm circulado sobre o fato de que o projeto do foguete gigante que a Nasa está desenvolvendo para chegar à Lua, o Space Launch System (“Sistema de Lançamento Espacial”, ou SLS, na sigla em inglês), estaria ameaçado. O foguete é um dos vários elementos-chave necessários para o Programa Artemis da agência espacial americana, que tem como objetivo levar os seres humanos de volta à Lua pela primeira vez desde 1972.
Para a primeira missão de pouso lunar, batizada Artemis III, o SLS carregará para o espaço quatro astronautas na cápsula tripulada Órion. Em seguida, a Órion viajará para a Lua. Uma vez na órbita lunar, a Órion vai se acoplar ao foguete Starship, de Elon Musk, lançado separadamente. Dois astronautas irão para a Starship, que então se desacopla da Órion e desce até a superfície lunar.
Depois de caminhar na Lua, os dois astronautas retornam à órbita lunar na Starship, que se acoplará novamente à Órion. Os dois astronautas que foram para Lua se juntarão novamente aos seus companheiros de tripulação e voltarão para casa na Órion, deixando a Starship em órbita ao redor da Lua.
O jornalista espacial americano Eric Berger postou recentemente no X: “Para ser claro, estamos longe de qualquer coisa que esteja definida, mas com base no que estou ouvindo, parece que há pelo menos 50% de chances de que o foguete Space Launch System da Nasa seja cancelado”.
Nenhum anúncio oficial foi feito. No entanto, essa medida poderia estar em linha com especulação anterior de que o governo Trump poderia esvaziar a Nasa, forçando-a a subcontratar grande parte de seu trabalho com empresas privadas.
Mas será que outro foguete poderia facilmente tomar o lugar do SLS? Essa pergunta vai ao cerne do que os Estados Unidos querem alcançar em meio a uma corrida espacial emergente no século XXI. A China se comprometeu a enviar seus astronautas à superfície lunar até 2030. Diferentemente dos Estados Unidos, a China costuma ser conservadora em suas previsões, portanto, podemos presumir que é improvável que este prazo seja ultrapassado. Enquanto isso, vários elementos do Artemis estão atrasando o cronograma do programa.
Um desses elementos atrasados é o próprio foguete Starship de Musk, que atuará como o módulo de aterrissagem da missão Artemis III. O foguete ainda precisa superar marcos importantes, incluindo reabastecimento no espaço e a realização de um pouso na Lua sem tripulação. Alguns membros da comunidade espacial acreditam que, se a China chegar à Lua primeiro neste século, isso seria um golpe significativo nas ambições dos EUA na exploração espacial.
Musk foi incluído no novo governo dos EUA como um dos dois principais cortadores de gastos, com o objetivo de fazer reduções de até US$ 2 trilhões (cerca de R$ 12 trilhões no câmbio atual) no orçamento federal americano. Alguns observadores ficaram alarmados com a proximidade de Elon Musk com Trump, e com os comentários do presidente eleito sobre mudar o foco para uma missão tripulada a Marte.
Esses comentários parecem refletir as opiniões de Musk, que concentrou grande parte de sua energia na ambição de colonizar o planeta vermelho, e não em viajar para a Lua. O bilionário disse que deseja enviar humanos em uma viagem a Marte usando seu foguete Starship até 2028 – um cronograma que alguns consideram irreal.
Na verdade, foi o primeiro governo Trump que criou o programa Artemis em 2017. Após as missões iniciais à superfície lunar, o programa visa estabelecer uma base permanente onde astronautas possam aprender a viver e trabalhar na Lua, realizando pesquisas de ponta.
O cronograma, no entanto, está atrasado. Os astronautas dos EUA deveriam ter aterrissado na Lua este ano. Mas a Nasa agora diz que o primeiro pouso, durante a missão Artemis III, não ocorrerá antes do segundo semestre de 2026.
Os atrasos foram provocados por redesenhos dos trajes espaciais, problemas com o escudo térmico e os sistemas de suporte à vida da Órion e, como mencionado, com o Starship. Uma torre de lançamento móvel atualizada para o SLS também foi afetada por custos excessivos e atrasos no cronograma.
Notavelmente, um elemento que não está contribuindo para os atrasos é o SLS, que teve um desempenho muito bom durante a missão Artemis I em 2022. Muitos bilhões de dólares já foram investidos no projeto e construção do SLS e da infraestrutura associada no Centro Espacial Kennedy da Nasa, na Flórida.
Segundo a Nasa, o SLS é “o único foguete que pode enviar a Órion, astronautas e carga diretamente para a Lua em um único lançamento”. Mas seu custo foi criticado: estima-se que cada lançamento do SLS custe mais de US$ 2 bilhões (R$ 12 bilhões).
As notícias sobre atrasos e problemas técnicos do programa Artemis coincidiram com manobras de relações públicas extremamente positivas para a SpaceX de Musk, especialmente em relação aos voos de teste do Starship. Isso incluiu a façanha do mês passado, em que o enorme estágio de reforço do foguete foi capturado por um par de braços robóticos enquanto retornava do espaço para a plataforma de lançamento da empresa no Texas, impressionando entusiastas da exploração espacial em todo o mundo. Diferentemente de muitos veículos de lançamento, o Starship foi projetado para ser totalmente reutilizável. Sua eficiência em termos de custo pode beneficiar muito seu uso em futuras missões tripuladas.
Se o SLS for cancelado, o Starship de Musk poderia substituí-lo? Nesse cenário, o foguete da SpaceX poderia, presumivelmente, servir tanto como lançador para enviar astronautas à órbita lunar quanto como módulo de pouso para levá-los à superfície. Isso é tecnicamente viável, mas estaria longe de ser uma substituição direta e igualitária. O SLS já é um foguete operacional, enquanto o Starship ainda está em fase de testes e ainda tem etapas importantes a cumprir antes que os astronautas possam embarcar nele.
Outro foguete da SpaceX que já foi apontado como concorrente para lançar a Órion é o Falcon Heavy. Entretanto, para isso os engenheiros precisariam modificar o foguete e os procedimentos de montagem e lançamento. Isso traria muitas incertezas e, com isso, o risco de mais atrasos significativos no cronograma do Artemis. Tudo isso sugere que não há muito tempo para fazer grandes mudanças no programa lunar da Nasa se os EUA quiserem sair na frente na corrida espacial do século XXI.
Os lançamentos de foguetes exigem projetos específicos para atender aos requisitos da missão, bem como um planejamento extenso para transportar astronautas, espaçonaves e cargas úteis. Os objetivos do Artemis não são apenas levar astronautas à Lua, mas também chegar a várias regiões da superfície lunar, inclusive o polo sul relativamente inexplorado.
O planejamento e o desenvolvimento necessários para tanto são extremamente complexos e ambiciosos. Ainda não se sabe se a SpaceX, ou qualquer outra empresa de lançamentos espaciais comerciais, está pronta para empreendimento e compromisso tão grandes.
Com dezenas de bilhões de dólares já investidos no SLS, não parece economicamente vantajoso descartar completamente o foguete. Conforme indicado pela disposição da Nasa de buscar uma abordagem inovadora e trabalhar com empresas privadas em futuras missões Artemis, pode haver outras maneiras de os participantes do setor espacial comercial se envolverem.
É compreensível que o novo governo Trump questione os modelos de custo dos programas da Nasa. Mas seria aconselhável que considerassem cuidadosamente as potenciais vantagens e compensações antes de tomar decisões com consequências tão amplas.
Pode ser que a prioridade seja vencer a nova corrida espacial. Quaisquer que sejam os objetivos que o novo governo decida priorizar ou visar, talvez ele tenha que justificar cuidadosamente essa decisão para os legisladores e o público americano.
Yang Gao, Professor of Robotics, Head of Centre for Robotics Research, King’s College London
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