Mariana Costa | Há algo de podre no reino do agronegócio. A essa altura, já está óbvio que a transformação do Brasil em uma grande fazenda exportadora de commodities vem afundando o país em fome, miséria e degradação ambiental. Mas há um mau cheiro que tem se instalado de forma concreta e sorrateira na mesa dos brasileiros. E ele vem da carne.
Um levantamento realizado pelo Reclame Aqui a pedido de O Joio e O Trigo e do Intercept revelou que o número de queixas sobre a compra de carnes estragadas e de má qualidade registradas em 2020 disparou em relação ao ano anterior, tendência que se repetiu em 2021.
Nos últimos dois anos, a combinação do aumento das exportações de carne brasileira, da disparada do preço em um ritmo bem acima que o da inflação geral, do agravamento da crise econômica e da pandemia de covid-19 criou uma tempestade perfeita. Maior exportador de carne bovina do mundo, o Brasil dedica o melhor tipo de carne de sua produção ao mercado externo. Já o consumidor brasileiro vem se deparando, nesse período, com a comercialização de alimentos impróprios para o consumo e o surgimento de açougues clandestinos.
O comerciante Luiz Cesar Lewis, de 41 anos, percebeu isso da pior forma: no prato. À frente de uma família “totalmente carnívora”, ele calcula ter comprado carne podre sem perceber pelo menos seis vezes desde o ano passado. Os alimentos foram comprados em grandes redes e mercados de médio porte da zona oeste do Rio de Janeiro.
“Fiz um churrasco uma vez, a gente começou a assar a carne e, quando vai servir o primeiro pedaço para experimentar, vem o gosto de podre. No ano passado também me estressei muito. Já estava com a carne toda assada, era confraternização com meus funcionários e, de novo, estava estragada”, lamentou o comerciante.
Lewis chama a atenção para outro problema: quando a carne é comprada em boas condições, mas se deteriora rapidamente, mesmo com refrigeração adequada e dentro do prazo de validade. Aconteceu com quatro quilos de contra filé e uma peça de 1,5 kg de acém. “Quando minha esposa fez e abriu a panela, o cheiro era insuportável”, lembrou.
Nem mesmo os anos de experiência na cozinha livraram a dona de casa e microempresária Luciana Candido, de 57 anos, de comprar carne estragada sem perceber. Foram quatro vezes nos últimos meses. “Costumo dizer que não compro só com dinheiro, compro com olhos. A carne estava muito bonita e era de qualidade. Quando cheguei em casa, estava estragada. Há 15 dias aconteceu a mesma coisa, com peito de frango que eu comprei no supermercado”, relembrou.
Relatos semelhantes têm sido cada vez mais frequentes e pipocam pelas redes sociais. Carnes aparentemente em boas condições e dentro do prazo de validade, em geral cortes embalados a vácuo. Em menor escala, também com pacotes congelados de suínos e frangos.
Queixas dispararam em dois anos
A responsabilidade pelo controle sanitário de alimentos de origem animal no Brasil é compartilhada entre o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, conhecido como MAPA, e o Ministério da Saúde. Enquanto a inspeção e a fiscalização nos frigoríficos é concentrada no Departamento de Produtos de Origem Animal, vinculado à Secretaria de Defesa Agropecuária do MAPA, o controle sobre a comercialização desses alimentos é capilarizado nas vigilâncias municipais, por sua vez vinculadas ao Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, da Anvisa.
Por atuar na maioria das vezes a partir de denúncias e sem uma estrutura que dê conta de fiscalizar os pontos de venda, não há dados unificados e abrangentes das vigilâncias sanitárias dos municípios sobre problemas na comercialização desses alimentos. Mas a pedido da nossa reportagem, o Instituto Reclame Aqui fez um levantamento especial que aponta uma disparada no número de reclamações de consumidores de todo o Brasil que compraram carne estragada nos anos de 2020 e 2021.
O portal tem 30 milhões de consumidores cadastrados e recebe o mesmo número de visitas por mês. Além de ser uma ferramenta para resolução de conflitos e de avaliação da reputação de empresas e serviços, o site detém um grande volume de dados e informações.
Segundo o levantamento, em 2020 o número de queixas registradas em relação à carne estragada cresceu 52%, enquanto as reclamações sobre a qualidade desses alimentos aumentou 58% na comparação com o ano anterior. Resultado semelhante foi observado nos primeiros dez meses de 2021, com altas de 48% e 56%, respectivamente, nos mesmos indicadores.
Na análise, foram contempladas 483 empresas, entre açougues, frigoríficos, supermercados e casas de carne de todo o Brasil. “O recorte é nacional e envolve reclamações sobre a qualidade da carne (excesso de gordura, carne com muitos nervos, carne dura, entre outras queixas) e sobre carne estragada (aparência, cheiro forte, pedaços de plástico, corpos estranhos) nos textos das reclamações”, nos explicou em nota o instituto.
Desde que reabriu seu restaurante em Itajaí, município de Santa Catarina, após as restrições do período de isolamento social, a chef de cozinha Kássia Belle, de 34 anos, passou a ter medo da carne. “Nossa cozinheira está comigo há dez anos. Se a gente teve dois ou três problemas com carnes nesse tempo foi muito. Entre junho e dezembro, aconteceu quatro vezes”, contou.
Nas duas primeiras, as carnes foram compradas no mercado, já que, naquele momento, o restaurante ainda estava com movimento abaixo do normal. Depois, os problemas foram com a distribuidora: nas caixas fechadas havia peças impróprias para consumo. “Mesmo na geladeira, em 24 horas a carne ficou totalmente verde.” Há cerca de três meses, de novo o susto. “Pegamos uma caixa inteira estragada”, lembrou. “Quando a cozinheira abriu, veio o cheiro.”
Preço da carne subiu 148%
Com a alta no preço, faz sentido concluir que a carne passe mais tempo nos freezers e congeladores de supermercados e açougues – sem falar nos casos de consumidores que desistem da compra e largam as peças fora da refrigeração.
Nos últimos dez anos, mesmo período em que o Brasil acumulou recordes de exportação de proteína animal, o preço das carnes em geral subiu 148%, segundo cálculos do professor Valter Palmieri Jr., da Strong Business School/Fundação Getúlio Vargas. Um percentual muito acima da inflação geral e, inclusive, da inflação de alimentos e bebidas, que registrou alta de 107,8% no período, também de acordo com o professor.
“Quando a exportação sobe, os preços dos alimentos acompanham. Mas quando elas caem por dois ou três meses, não há uma diminuição no preço. Essa correlação acontece apenas quando sobe, não quando cai”, explicou Palmieri Jr.
Um dos saltos no preço da carne aconteceu no final de 2019, quando houve um surto de peste suína que obrigou a China a abater uma grande quantidade do seu rebanho, aumentando a demanda do país por proteína animal. Com a desvalorização da moeda brasileira em relação ao dólar, tornou-se mais vantajoso exportar do que atender ao mercado interno.
Em setembro deste ano, um embargo à carne brasileira marcou a maior crise comercial da história de quase 50 anos de relações comerciais entre Brasil e China. A razão oficial foram dois casos suspeitos da doença da vaca louca, descobertos em Minas Gerais e no Mato Grosso. Nos bastidores, analistas especulam (1, 2) que tenha sido uma tentativa da China de forçar uma queda nos preços da carne bovina e aumentar o consumo interno de suínos.
Em dois meses, o preço do boi gordo caiu, mas tornou a subir no fim de novembro. Produtores postergaram o abate dos animais à espera do preço voltar ao patamar “normal”. O comércio de carne bovina entre Brasil e China foi retomado oficialmente em 15 de dezembro. Por aqui, houve quem tivesse esperança de que o embargo provocasse uma redução nos preços pagos pelo consumidor brasileiro, o que não aconteceu.
“O animal chegou a acumular queda de 15,50% em um intervalo de 30 dias”, explicam os analistas da Agrifatto, empresa que faz análises sobre investimento em ativos agropecuários. “Cerca de um mês depois, o mesmo boi gordo no mercado físico paulista chegou a subir 26,64%.”
Cortes mais baratos também ficaram mais caros
Nos 11 primeiros meses de 2021, as exportações brasileiras de carne bovina do tipo angus (corte considerado premium) subiram 26,8%. “O Brasil é conhecido pela exportação em volume, mas está se consolidando em um mercado extremamente competitivo, o da carne premium”, comemora, em nota de 13 de dezembro, a Associação Brasileira de Angus.
Nesse mesmo período, os cortes considerados de segunda ficaram mais caros. Músculo e acém foram os que mais subiram. “Em dez anos, o preço do músculo triplicou. São cortes que tiveram uma procura maior em relação àqueles tidos como mais nobres, devido à situação econômica do país. É o que explica esse aumento de preço tão expressivo”, explicou o professor Palmieri Jr.
“Hoje em dia, para comprar uma carne macia, tem que ir nessas maturadas, porque, se não for, dificilmente a carne presta. A alcatra, por exemplo, há uns anos era uma carne maravilhosa. Hoje, não tem um bife que você frite que, se não deixar bem mal passado, não fique duro e sem gosto”, observou Luiz Cesar Lewis.
“Até março deste ano, vinham uns cortes muito mal cortados”, contou a chef de cozinha Kássia Belle. “A carne vinha retalhada, a costela parecia desossada. São coisas que chamaram nossa atenção, porque a gente nunca teve esse problema no restaurante. Agora tem que passar por um crivo maior, aumentar o controle.”
Ignácio*, açougueiro da rede de supermercados Unidos, na cidade do Rio, contou que é relativamente comum que, em uma caixa com peças de carnes, algumas não sejam do corte indicado na embalagem. “Vem uma caixa com 25 carnes embaladas. Cinco aparecem como patinho, mas na verdade são acém”, relatou. “A maioria dos clientes não percebe, mas já tivemos troca por parte de quem conhece bem carne.” Nesses casos, o prejuízo fica com o supermercado.
Operador do setor de carnes, Eusébio Pinto trabalha há dez anos na rede de hipermercados Mundial. Ele conta que a empresa adota critérios mais rigorosos no recebimento de carnes das distribuidoras. Algumas peças embaladas são abertas no açougue do mercado para conferir a qualidade de lotes grandes com 50, 60 peças. “Mas já tivemos que devolver por conta de temperatura inadequada, assim como casos de carrê [bisteca] congelado impróprio para consumo, mesmo dentro do prazo de validade.”
Fiscalização rala
Devido aos riscos de impacto direto na saúde do consumidor, os produtos de origem animal são fiscalizados e também inspecionados. A inspeção permanente ocorre nos estabelecimentos em que há abate de animais, devido ao constante risco de doenças que acometem tanto animais como o ser humano, além daquelas transmitidas por alimentos. Essa inspeção ocorre desde a recepção e o exame dos animais até a conclusão do abate. As ações de desossa, embalagem e expedição são fiscalizadas pelo Serviço de Inspeção Federal, o SIF, do MAPA.
“O serviço de inspeção e fiscalização do Brasil é reconhecido como um dos mais robustos do mundo”, avalia o médico veterinário André Medeiros, mestre e doutor pelo programa de pós-graduação Higiene Alimentar e Processamento Tecnológico em Produtos de Origem Animal, da Medicina Veterinária da Universidade Federal Fluminense, a UFF, e especialista em Segurança Alimentar e Qualidade Nutricional pelo Instituto Federal Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, o IFRJ. “Na indústria, a inspeção é feita exclusivamente por um médico veterinário, que é quem estuda doenças no animal e como isso pode chegar no ser humano”, explica André.
Os auditores fiscais federais agropecuários, conhecidos como Affas, são servidores públicos de carreira do MAPA. Segundo o Sindicato Nacional dos Fiscais Federais Agropecuários, o Brasil tem pouco mais de 2,5 mil auditores fiscais federais na ativa. Houve uma redução de 37,3% no quadro desses servidores em 20 anos. “Isso ocorreu, em grande parte, devido à aposentadoria de affas, sem a reposição do quadro. Em função do crescimento das demandas do agronegócio, há uma carência de 1.620 affas”, calcula um estudo da FGV encomendado pelo sindicato.
“Nesse período, a produção agropecuária e as exportações do agronegócio cresceram, respectivamente, 162,9% e 389,4%.” Entre janeiro e novembro de 2020, a demanda por certificados sanitários internacionais para fins de exportação de produtos de origem animal do Brasil teve um crescimento de 17,3% em relação ao mesmo período de 2019. Foram abertos 24 novos mercados para o Brasil, inclusive dos Estados Unidos, onde as vendas de carne bovina brasileira in natura estavam suspensas desde julho de 2017. Os dados constam dessa mesma publicação, lançada em julho de 2021.
Uma contradição dentro da própria lógica político-econômica vigente no Brasil: enquanto todo o sistema de políticas públicas e ações governamentais voltou-se para o agronegócio e as exportações, a limitação de gastos públicos por 20 anos, aprovada ainda no governo de Michel Temer, impede a reposição de servidores públicos. Inclusive daqueles que dão suporte para as atividades do próprio agronegócio, como é o caso dos Affas.
Um relatório anual divulgado pelo MAPA admite que o ano de 2020 trouxe limitações para a fiscalização e inspeção dos produtos de origem animal. Parte das ações foram feitas de forma remota, por meio da análise documental. “As restrições de viagens/deslocamentos ocasionados pela pandemia do COVID-19 prejudicou [sic] o número total de auditorias presenciais realizadas tanto nos estabelecimentos sob regime de inspeção periódica como nos estabelecimentos sob regime de inspeção permanente”, informa o anuário de gestão de 2020 do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal da Secretaria de Defesa Agropecuária.
Outro documento divulgado pelo MAPA em julho de 2021 menciona ainda “interrupções de coletas, dificuldades logísticas para envio de amostras aos laboratórios em função de suspensão de rotas de transporte rodoviários ou aéreos, paralisação temporárias de laboratórios e outras”.
É possível observar que o número de multas pagas vem diminuindo ao longo dos últimos anos. Entre 2016 e 2017, quando a divulgação dessas informações passou a ser obrigatória, foram 4.470 sanções pagas pelos infratores. Esse número caiu nos anos seguintes: foram 4.310 entre os anos de 2018 e 2019 e 3.629 no período de 2020 e 2021.
Esses relatórios mostram números totais de inspeção e fiscalização de produtos de origem animal, a grande maioria, mas também de produtos veterinários, fertilizantes, bebidas e a classificação de alimentos vegetais. Como as multas têm um tempo de tramitação, boa parte dos registros dizem respeito a infrações cometidas em anos anteriores e que já foram pagas pelas empresas.
JBS é empresa com mais infrações
O fato de o Brasil ter um sistema considerado exemplar de fiscalização dos produtos de origem animal tornou possível que o país assumisse a liderança nas exportações de carne bovina, aves e suínos. Mas isso não impede que grandes frigoríficos cometam fraudes e burlem os processos de controle, como mostram os relatórios de fiscalização e inspeção do MAPA.
Na versão mais recente da publicação, referente às multas pagas nos anos de 2020 e parte de 2021, a JBS aparece em destaque entre as empresas deste segmento que sofreram penalidades. Foram 434 infrações nesse período, somando os processos referentes às unidades da JBS, Seara e JBS Aves. A quantidade de infrações aplicadas em 2020 e 2021 pode ser maior, já que são divulgados apenas os casos em que a empresa não pode mais recorrer.
Considerando os quatro maiores grupos do setor de carnes e aves, a JBS, dona das marcas Friboi e Seara, se destaca pelo seu gigantismo, com produção e faturamento bem superiores aos concorrentes. Isso também explica o número significativamente maior de infrações. Na sequência, aparece a BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão, com 171 infrações pagas nos últimos dois anos. Em seguida, mas em um patamar bastante abaixo, estão Minerva, com 36 infrações, e Marfrig, com 28, esta última dona das marcas Montana e Bassi, e maior acionista da BRF.
Entre os problemas mais comuns, estão a identificação de contaminação gastrointestinal e fecal em animais e carcaças, a temperatura inadequada e descongelamentos, fraudes em mecanismos sanitários de autocontrole, a presença de abscessos e cartilagens em cortes já embalados, o reprocessamento de produtos deteriorados, a presença da bactéria salmonella em frango, a alteração da data de validade para até um ano à frente e o percentual de umidade acima do permitido em aves e linguiças.
Também chama atenção a quantidade de infrações relacionadas ao bem-estar animal, desrespeitando a legislação e os sistemas de controles e melhorias criados pelos próprios frigoríficos.
No último dia 15 de dezembro, a JBS sofreu um revés: cinco redes europeias de supermercados e uma fabricante de alimentos comunicaram que não vão mais vender carne bovina com origem brasileira ou produtos de carne ligados à empresa, por causa de recentes denúncias de destruição da Floresta Amazônica. Os boicotes foram anunciados depois de uma investigação das ONGs Repórter Brasil e Mighty Earth acusar a JBS de adquirir animais criados em áreas desmatadas, dentro de um esquema conhecido como “lavagem de gado”.
Carne de cavalo e açougues clandestinos
Com a carne mais cara, aumentou também o número de ocorrências envolvendo açougues clandestinos, com venda de carne imprópria para consumo e até mesmo comercialização de carne de cavalo. Em setembro de 2021, uma ação fechou um frigorífico de carne de cavalo em Aparecida de Goiânia, em Goiás. Os animais estavam em situação precária, desnutridos e com sinais de maus-tratos. O proprietário é investigado por ser dono de outro estabelecimento semelhante, interditado meses antes na mesma cidade e pelo mesmo motivo.
Em Caxias do Sul, cidade do Rio Grande do Sul, uma operação do Ministério Público do Rio Grande do Sul descobriu um abatedouro que fornecia hambúrgueres com carne de cavalo misturada a carne suína e de peru para lanchonetes da cidade. Os animais eram comprados de carroceiros e estavam em péssimas condições de saúde. Cerca de 800 kg de carne eram comercializados por semana, segundo os promotores. Escutas apontam também a utilização de carne estragada, lavada para tirar o odor e misturada no preparo dos hambúrgueres.
Nos últimos meses, houve apreensões de carne imprópria para consumo em Quaraí, também no Rio Grande do Sul, e em Itajaí, em Santa Catarina. Em uma das operações, o cheiro podre chamou a atenção de quem passava por perto do açougue clandestino e motivou a denúncia. Em Santa Catarina, o esquema envolvia funcionários de uma empresa responsável por recolher as carnes vencidas e restos (ossos, peles e carcaças) de supermercados da região. Foram encontrados 800 kg de carne podre, revendida para churrascarias da região.
Ações semelhantes ocorreram nos últimos meses em cidades como Maceió, em Alagoas, Itabirito e Belo Horizonte, em Minas Gerais.
Entramos em contato com o Sindicato Nacional dos Fiscais Federais Agropecuários para entender melhor o que houve durante esse período e como a pandemia impactou o trabalho desses servidores. Recebemos diversas informações sobre o sistema de inspeção e fiscalização e o estudo completo em que apontam defasagem no número de fiscais, mas não houve interesse em dar entrevista.
Consultado, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento limitou os questionamentos a quatro perguntas, uma prática incomum no relacionamento entre jornalistas e assessores de um órgão público. Os questionamentos foram encaminhados, por e-mail, para a assessoria de imprensa, mas não houve resposta até o fechamento desta reportagem.
Em nota, a JBS defende que a qualidade dos seus produtos é reconhecida mundialmente e afirma que nenhum dos autos de infração emitidos pelo MAPA “tem relação com segurança ou qualidade final dos alimentos”, embora os relatórios mostrem diversas infrações que apontam para riscos à saúde pública.
Segundo a empresa, “as unidades têm processos de controle rigorosos e, além de submetidas a inspeções públicas, são auditadas por clientes bastante exigentes dos mercados interno e externo, que averiguam critérios de sanidade, qualidade, bem-estar animal, rastreabilidade, nutrição, entre outros. Todas as unidades da Companhia no Brasil possuem, por exemplo, a certificação BRC (British Retail Consortium), principal referência global em garantia de segurança do alimento”.
Sobre o embargo dos supermercados europeus, a JBS afirma que “não tolera desmatamento, trabalho forçado, uso indevido de terras indígenas, unidades de conservação ou violações de embargos ambientais”. E rebate os dados que motivaram o cancelamento. “A Repórter Brasil menciona 5 dos 77.000 fornecedores diretos da JBS. Em relação a esses 5 casos, após uma auditoria criteriosa, nossa equipe de sustentabilidade apurou que, no momento da compra, eles estavam de acordo com a Política de Compra Responsável da JBS e com o Protocolo de Monitoramento de Fornecedores de Gado do Ministério Público Federal.” O texto afirma, ainda, que a JBS “bloqueou de forma proativa mais de 14.000 fazendas fornecedoras por não cumprimento de nossas políticas e padrões”.
Entramos em contato com a BRF, mas a empresa não quis se manifestar.
Enquanto isso, os brasileiros seguem sofrendo com a inflação galopante da carne, produtos de qualidade inferior e impróprios para consumo. “Parece que deixam para a gente o ‘quisô’: o que sobrou”, resume a dona de casa Luciana Candido.
*Nome fictício. O açougueiro pediu anonimato por receio de ter problemas no trabalho.