A Ação Civil Pública recentemente proposta pelo Ministério Público constitui desdobramento do Inquérito Civil instaurado em 7 de junho de 2024, motivado, sobretudo, por apelos da própria Santa Casa de Araçatuba. Isso é evidenciado pela própria portaria de instauração do inquérito, da qual se extrai:
[…] aportou nesta Promotoria de Justiça representação do senhor Luiz Otávio Barbosa Viana, Administrador Hospitalar da Santa Casa, indicando superlotação na UTI Neonatal e Pediátrica, além da enfermaria de Pediatria (NF 2443.0000166/2024);
[…] no dia 24.05.24, às 15h, compareceram na Promotoria de Justiça os representantes da Santa Casa, que apresentaram relatório geral de atividades de 2023, indicando passivo financeiro que impedirá a manutenção dos serviços.
Portanto, é importante destacar que foi a própria Santa Casa de Araçatuba que buscou o Ministério Público para relatar as dificuldades enfrentadas no cumprimento de sua missão institucional de prestar serviços médico-hospitalares e ambulatoriais a pacientes do SUS provenientes de mais de 40 municípios da região.
A partir desse contexto, o Ministério Público promoveu reuniões virtuais com todos os entes envolvidos, com o objetivo de esclarecer as diversas questões levantadas. Como resultado, foi ajuizada a presente Ação Civil Pública, na qual a Santa Casa figura como uma das partes implicadas, tendo o direito de apresentar defesa e esclarecer os pontos que lhe são atribuídos.
Contextualização da Ação Civil Pública
A ação proposta trata de temas sensíveis e relevantes, mas deve ser compreendida dentro de um contexto mais amplo, que inclui a superlotação hospitalar, a escassez de leitos e a insuficiência de recursos — problemas estruturais que transcendem a realidade da Santa Casa de Araçatuba e refletem uma crise sistêmica no sistema público de saúde.
A superlotação das UTIs, por exemplo, não decorre de má gestão, mas da enorme demanda por atendimentos, provenientes de uma população extensa e carente de assistência, oriunda de dezenas de municípios.
Compromisso com a saúde pública e com a transparência
A Santa Casa reconhece o papel fiscalizador dos órgãos de controle, mas refuta de forma veemente qualquer alegação de má gestão. Pelo contrário, reafirma seu compromisso com a saúde pública, a eficiência na prestação de serviços e a transparência de suas ações, conforme demonstrado pelos dados a seguir:
Entre janeiro e dezembro de 2024, a Santa Casa realizou 382.705 procedimentos médico-hospitalares, dos quais 361.525 (94%) foram destinados a pacientes do SUS, conforme informações do Tabnet da Secretaria Estadual de Saúde.
Só em internações SUS, no período apontado, de dezembro/23 a janeiro/25, a Santa Casa realizou 14.831 internações, das quais 8.571 eram munícipes de Araçatuba, ou seja, 58% de todas as internações.
Cabe ainda ressaltar que, de todas as 14.831 internações, 13.430 (91%), foram realizadas em caráter de urgência. Destas urgências, 7.814 eram munícipes de Araçatuba.
Esse volume representa um aumento de 41,7% em relação ao ano de 2021, no período pós-pandemia, sem que houvesse qualquer ampliação da estrutura física do hospital. Desde 2006, não há investimento na ampliação de leitos de enfermaria, e desde 2013 não há acréscimos no número de leitos de UTI Neonatal.
Para suportar esse acréscimo, os custos operacionais em 2024 somaram R$ 248.112.072,12, enquanto a receita foi de R$ 217.688.917,07, resultando em um déficit anual de R$ 30.423.155,05 — equivalente a uma média mensal de R$ 2.535.262,92.
Destaca-se que 90% das receitas são oriundas de pagamentos efetuados pelo Ministério da Saúde e pela Tabela SUS Paulista. O custo médio por atendimento foi de R$ 568,81, enquanto a receita média diária do hospital foi de R$ 530 mil, frente a um custo diário de R$ 600 mil.
Esses dados respondem à alegação de que os valores recebidos seriam “exorbitantes em comparação ao serviço prestado”, demonstrando, na realidade, o inverso: a prestação de um serviço essencial subfinanciado.
Esclarecimentos sobre os repasses municipais
A Ação Civil Pública aponta que, entre dezembro de 2023 e fevereiro de 2025, o Município de Araçatuba repassou à Santa Casa o valor total de R$ 25.018.171,50, classificando-o como “exorbitante”. No entanto, cabe esclarecer a composição desses valores:
Desse total, perto de 50% são recursos que saíram dos cofres municipais para pagamentos por atendimentos específicos de Ginecologia e Obstetrícia, ambos praticados no hospital exclusivamente à pacientes de Araçatuba, Santo Antônio do Arancaguá e Nova Luzitânia e repassede R$ 5.666.762,98 correspondente ao duodécimo devolvido pela 18ª Legislatura (2021 a 2024) da Câmara Municipal de Araçatuba à Prefeitura Municipal e repassado em janeiro deste ano pelo prefeito Lucas Zanatta na forma do seguinte convênio:
76,20% foram aplicados na aquisição de medicamentos, materiais cirúrgicos e hospitalares;
23,80% foram destinados à renovação de enxovais hospitalares (lençóis das alas de internação).
O abastecimento do hospital com medicamentos e materiais cirúrgicos custa, em média, R$ 3 milhões por mês, o que significa que tais recursos garantiram apenas um mês de suprimentos. Em 2024, a Santa Casa dispensou 7.334.675 unidades de medicamentos, com média diária de 20.095 dispensações.
A parcela restante dos repasses classificados pelo MP como, municipais, corresponde a transferências fundo a fundo, ou seja, recursos dos governos Estadual, Federal e de emendas parlamentares que, embora repassados via Prefeitura, não se originaram no orçamento do município.Essa modalidade. aliás, foi utilizada, inclusive, para atender pedidos emergenciais da Santa Casa, que necessitava desses valores para manter o funcionamento mínimo do hospital, cobrindo despesas como aquisição de insumos, pagamento de profissionais e até a alimentação dos pacientes internados.
Cumprimento das obrigações contratuais
A Santa Casa mantém convênio ativo com o Estado de São Paulo por meio da Secretaria de Estado da Saúde (Convênio nº 207/2022, firmado em 29 de novembro de 2022) e cumpre os termos do Plano Operativo Anual vigente, atendendo toda a demanda que lhe é direcionada, quase sempre em caráter de urgência. Com isso, cumpre seus compromissos e segue se esforçando para atender à crescente demanda de pacientes.
Considerações finais
A Santa Casa de Araçatuba reafirma seu compromisso em enfrentar, com responsabilidade e transparência, os desafios estruturais e operacionais que permeiam sua atuação. Entende-se que a Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público, pode representar uma oportunidade para o debate público, técnico e construtivo sobre o financiamento da saúde e a melhor alocação de recursos.
No entanto, é imprescindível que tais discussões considerem a complexidade do sistema e envolvam todos os entes públicos corresponsáveis, a fim de promover soluções conjuntas e sustentáveis, que garantam um sistema de saúde público mais eficiente, acessível e digno para toda a população atendida.