(*) Hélio Consolaro
Um feminicídio começa com uma frase linda: “eu te amo” e outras juras de amor. E termina em “vai ser minha ou de mais ninguém”. O amor aí é um sentimento de posse.
Diante de uma notícia de feminicídio é inimaginável descobrir que os dois se amaram tanto e que esse amor foi azedando, um foi desistindo do outro ou apenas um sofreu esse processo, e o amor se transformou numa tragédia, passando pela separação judicial. Ou simplesmente o amor acabar.
Eu não me assusto com as tragédias, porque ela são humanas por excelência. Basta um homem bom ter uma falha de comportamento para que aconteçam. A tragédia grega punha nos palcos heróis, reis, deuses para que o cidadão comum fizesse uma catarse: “olha, nem só você tem tais sentimentos”. Hoje ela está nas novelas, nos filmes, faz qualquer um chorar. Shakespeare explorou bem as fraquezas humanas em suas obras.
É a coisa mais fácil numa tragédia ficcional torcer para o bandido. Sentir dó do estuprador, do pedófilo, quando se entende que ele foi o ponto onde o raio da desgraça humana caiu. Alguém ia fazer esse papel, ser a fatalidade humana.
Precisamos aprender a se livrar das arapucas, não ser a árvore escolhida pelo raio. As orações tem o papel de nos livrar desse mal, dizem os crédulos. Ou uma vida interior intensa.
O bem e o mal moram em cada um. Não existe gente só do bem ou gente só do mal. Há gente. O segredo é controlar o tamanho de espaço que cada um habita dentro de nós. Há o bem no presídio e o mal no monastério.
Se a gente não tiver uma vida interior, chegar a praticar a desgraça humana é uma questão de tempo. Não me causam compaixão e terror. Saber que Cristiane dos Santos Maruyama foi assassinada pelo marido a tiros em Araçatuba me causou espanto, pois por bobagem se estraga a vida. O feminicídio acontece todos os dias.
Como a relação amorosa atualmente é fluída, não se casa para sempre e nem o amor é eterno, as mulheres estão mais livres para começar novos relacionamentos, e os homens não estão preparados para isso, predomina o machismo, querem resolver o problema a bala.
As campanhas contra o feminicídio crescem, tomam o país, mas cada vez mais aparecem as denúncias, as matanças. Certamente, o aumento do sentimento de protagonismo da mulher faz com que ela não aguente os desaforos e a violências dos homens, enfrente-os. Haja Lei da Penha!
Quem compra o leite da casa no supermercado é a mulher, então os lacticínios já colocam na caixinha a campanha chamada JUSTICEIRA, com endereço digital para denúncia. O amor acaricia, o amor promove a vida.
Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP