Portugal faz turismo também com sua literatura, por isso seguir roteiro de agências é conhecer superfluamente a literatura portuguesa.
A minha frustração é que a agência mudou o roteiro, me comunicou e não percebi, Coimbra foi retirada do passeio, cidade que fora capital do país e palco de evento importante de escritores portugueses.
Se eu quiser fazer uma visita mais literária, preciso voltar lá. Não sei quando, pois me faltam dinheiro e tempo, meu calendário de vida está curto, o mundo é muito grande.
Meu interesse pela literatura portuguesa começou com a Questão Coimbrã: a nova geração de escritores (realistas), sediada em Coimbra, brigando com a anterior: os românticos. Depois, conforme fui me aprofundado nos estudos, veio crescendo em mim o monstro chamado Camões.
A monstruosa estátua de Luís Vaz de Camões no centro da praça representa o quanto significa a literatura na história de Portugal. Com ele, o português se firmou como língua.
Quando soube que Camões era um porra-louca, passei a admirá-lo. Encrenqueiro. Escreveu Os Lusíadas no degredo, Macau (possessão portuguesa na Índia) cumprindo uma condenação emitida pelo rei, e na volta, numa viagem de navio, acompanhado dos pergaminhos de sua mais famosa obra, foi vítima de um naufrágio.
Os Lusíadas (manuscrito) tinha 8 816 versos decassílabos simetricamente heroicos (com tônica na sexta e na décima sílaba de cada verso), algo muito difícil de fazer, trabalho que lhe consumiu anos e mais anos de reclusão.
Diz a lenda que, com ele, no navio, vinha também sua paixão, a chinesinha, Dinamene. Vinha morar com Camões em Portugal, já livre da pena.
Eis a questão durante o naufrágio: salvar os manuscritos ou a chinesinha? Para a grandeza lusitana e a revolta feminista, Camões resolveu salvar Os Lusíadas. Eis o seu raciocínio: nunca mais reescreveria o livro, era impossível, enquanto mulher havia aos montes no mundo. Assim prevaleceu a lusitanidade.
Ainda em Lisboa, depois do monumento a Camões, encontrei (acompanhado por uma brasileirinha, a Fátima), a tenda “À brasileira do Chiado”, nome de um restaurante, em que estava lá sentado, fixado no chão, miúdo, acanhado, Fernando Pessoa, que me permitiu tirar uma foto ao leu lado. Poeta português do século 20 que não se contentava em ser um só, mas vários: seus heterônimos.
Hoje, Portugal não chega a ser uma colônia do Brasil, os papéis não se inverteram, mas não tropecei com nenhuma apresentação do fado. Meus olhos viam novelas brasileira na TV e meus ouvidos se deliciavam com a MPB nos barzinhos de Lisboa.
(*)Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro das academias de letras de Araçatuba-SP, Andradina-SP, Penápolis-SP, Itaperuna-RJ