Há 30 anos, milhares de pessoas foram às ruas e avenidas de São Paulo se despedir de Ayrton Senna, tricampeão mundial de Fórmula 1, que morreu após bater o carro em um muro durante uma corrida em Ímola, na Itália.
O cortejo que levava o corpo do piloto foi organizado pela Polícia Militar de São Paulo, que começou no aeroporto de Guarulhos, passou pelo velório aberto ao público na Assembleia Legislativa e encerrou no dia seguinte na chegada ao cemitério do Morumbi, na zona sul da capital.
Pelo Corpo de Bombeiros, responsável por levar o caixão de Senna, todo o planejamento e transporte foi comandado pelo capitão Paulo de Freitas, que se aposentou como coronel da corporação em 2006. Ao relembrar o episódio, Freitas não conteve as lágrimas.
“Nunca vai ter nada igual àquele dia. Eu chorei várias vezes. Depois fiquei sabendo que todos no carro também choraram. O motorista chorava do meu lado, as pessoas ao redor, foi uma despedida digna de um herói”, relembrou.
O militar recebeu com surpresa a notícia de que iria comandar a operação. Ele teve “carta branca” do comandante da época para ter todo o efetivo que precisasse à disposição. No total, foram sete viaturas e cerca de 35 bombeiros e bombeiras que participaram dos dois dias de cortejo.
Velocidade, pomba branca e bilhetes
Algumas curiosidades marcaram a despedida dos fãs com o ídolo das pistas. A primeira delas foi a velocidade que a viatura andava, que teve que diminuir pelo mar de gente que tinha nos dois lados já na saída do aeroporto.
“Eu tinha recebido uma ordem de que era para a viatura seguir a 20 quilômetros por hora. Mas não tinha como. Era o último momento deles com aquele herói, eu queria que o público pudesse se despedir com calma. Então eu fui a cinco”, contou.
Outro fato curioso é que durante o trajeto uma pomba branca pousou na viatura e os acompanhou durante boa parte do percurso. “Ela seguiu conosco até a esquina da avenida Brasil com a Rebouças. Não achei apenas uma coincidência”, opinou.
Isso sem contar a multidão que aguardava ansiosamente para dar o último adeus ao piloto. “Tinha muita gente chorando, segurando cartazes, em cima das pontes, penduradas em postes, alguns jogavam flores e bilhetes na viatura”, detalhou o bombeiro aposentado. “Guardei todas essas recordações para mim. Eu tenho quase um museu do Ayrton Senna em casa”, brincou.
Para o coronel, Senna era um exemplo de determinação, que ajudou a projetar o Brasil para o mundo, fazendo com que muitas pessoas passassem a olhar para o país. O próprio militar era um dos que acompanhava os feitos do piloto nas manhãs de domingo.
A corrida mais marcante para Freitas foi a do Grande Prêmio do Brasil de 1991. “Ele nunca tinha ganhado correndo no seu país. E fez isso usando apenas uma marcha no carro, que teve problemas no final. Quando acabou a corrida ele não conseguia nem mexer o braço. Ele era um gênio”, disse.
Por tudo que representou ao esporte e ao país, o militar não queria que nada desse errado nos dias do cortejo de Senna. “A gente estava sendo visto pelo mundo inteiro, não tinha margem para erro. Disse para o meu efetivo que se nos considerávamos bons, naqueles dias teríamos que ser melhores ainda”, contou o bombeiro.
No final, o cortejo foi realizado sem nenhuma intercorrência. “Apesar de ser a ocorrência mais triste da minha carreira, foi tudo perfeito. Nós mostramos ao mundo o que era a Polícia Militar do Estado de São Paulo”, recordou com orgulho o bombeiro.
Viatura eternizada
A viatura que carregou o caixão com o corpo de Senna está eternizada no acervo do Corpo de Bombeiros de São Paulo. O local fica dentro do Centro de Suprimento e Manutenção de Material Operacional de Bombeiros, na avenida Morvan Dias de Figueiredo nº 4.221, na zona norte da capital paulista.
O museu foi inaugurado em 2004 e é aberto ao público para visitação. Lá, há 40 viaturas históricas que participaram de eventos marcantes ou que foram importantes na construção da história da corporação. O carro mais antigo do acervo é de 1936.
Quem conhece tudo sobre o museu é o coronel da reserva João Antônio Brás, que trabalhou por 24 anos na unidade. Ele se lembra até hoje de como surgiu a ideia de colecionar viaturas.
“Lá em Limeira, no interior de São Paulo, meu comandante uma vez viu uma viatura abandonada e me pediu para fazer uma reforma nela. A partir disso, quando vimos ela reformada, começamos a pensar em reunir essas viaturas e guardá-las em um museu”, explicou.
Influenciado pelos tios a ir para o setor de manutenção, Brás se emociona ao revisitar o local por onde serviu por duas décadas. “Traz muitas recordações, a gente viveu por muito tempo ao lado desses carros”, acrescentou.
E entre todas as viaturas que fazem parte do museu, o coronel considera a do Senna como a mais marcante de sua vida. “Não tinha quem não amasse ele. Essa se tornou muito especial”, explicou o militar.