Como tempero, o alho é uma unanimidade quase universal, presente na cozinha de todos os continentes, em centenas de países. Como remédio, já era usado pelos sumérios nos primórdios da civilização humana, e continua assim até hoje, tanto no Oriente quanto no Ocidente. Na religião de várias culturas, é tido como um elemento de proteção.
Mas o que fez do alho uma planta tão popular na geografia, na história, na gastronomia, na medicina e no imaginário da humanidade há tanto tempo e de forma tão abrangente? Possivelmente por conta de suas qualidades indiscutíveis, que fizeram ele ser cobiçado e comercializado entre a Ásia e a Europa desde há milhares de anos.
O alho é uma planta oriunda da Ásia, que se espalhou para diversas regiões do mundo através do comércio e das migrações humanas que remontam mais de 20 mil anos atrás. A Rota da Seda, que foi uma rede de comércio bastante ativa entre cerca de 500 AC e meados do século 15, facilitou muito a disseminação da planta para a Europa, o Oriente Médio e, depois do século 16, a África e as Américas.
Atualmente, o alho é utilizado em praticamente todos os países e sua popularidade tão longeva se deve justamente pelos seus benefícios culinários e as suas propriedades medicinais.
Cientificamente falando, o alho é uma planta do gênero Allium que possui um bulbo aromático muito apreciado em diferentes civilizações e culturas, que serve como tempero para inúmeras preparações, dado o seu sabor agradável ao paladar humano. Ele é considerado um ingrediente muito versátil, podendo ser consumido cru, cozido, assado, frito ou em conserva, com alterações no sabor de acordo com o modo de preparo.
Além da contribuição na alimentação, o alho também é tradicionalmente usado como remédio contra diversas enfermidades, em diferentes culturas, há milhares de anos. Há regitros de seu uso entre os egípcios, os sumérios, os chineses, os gregos e os romanos. Um costume que percorreu gerações e permanece até o presente, no Ocidente e no Oriente.
O uso popular no tratamento e na prevenção de doenças é feito através do consumo direto das diferentes estruturas da planta ou da preparação de chás e/ou misturas com outros vegetais.
Uma curiosidade é que no Antigo Egito, os construtores de pirâmides acreditavam que consumir o alho diariamente ajudava no aumento da sua força e da sua resistência, utilizando-o, dessa forma, como um suplemento diário.
O alho já foi utilizado também como moeda de troca na economia de algumas sociedades ancestrais. Uma delas foi justamente a Egípcia, que o considerava um recurso valioso no comércio.
Devido à suas propriedades aromáticas marcantes, também existem registros históricos antigos do uso do alho como protetor contra o ataque de animais ferozes, como cobras e crocodilos. Essa característica contribuiu para que ele fosse também relacionado ao combate contra “maus espíritos” em práticas religiosas. Veio daí, também, a lenda popularizada pela literatura ocidental – e mais tarde pelo cinema norte-americano – de que o alho é capaz de afastar vampiros…
Com toda essa relevância histórica e cultural, conhecer o alho e seus benefícios de modo mais aprofundado é muito importante para a biologia e a pesquisa farmacêutica.
Composição e princípios ativos
O alho é chamado cientificamente de Allium sativum. Ele possui uma composição complexa com mais de 2000 substâncias químicas, com destaque para os organossulfurados, os flavonoides e os ácidos fenólicos. Tais compostos estão presentes em concentrações diferentes de acordo com a parte da planta analisada.
Por exemplo, os flavonoides e ácidos fenólicos são encontrados majoritariamente nas folhas. Por outro lado, o composto organossulfurado bioativa alicina é identificado em boa quantidade nas raízes.
Monografias do Allium sativum estão presentes em farmacopeias de diferentes países. Na Farmacopeia Brasileira, a droga vegetal está descrita como um bulbo (ou bulbilhos de Allium sativum L.), desprovidos de raízes, caule e folhas.
Poderes medicinais
Os componentes químicos de alimentos com ação na saúde podem ser chamados de agentes nutracêuticos, pois são nutritivos e terapêuticos ao mesmo tempo. No caso do alho, esses componentes nutracêuticos atuam por meio de diferentes mecanismos de ação no organismo humano, assumindo propriedades antimicrobianas e anti-inflamatórias, entre outras.
Nesse sentido, estudos realizados já demonstraram significativas propriedades terapêuticas em amostras de alho com destaque para a substância alicina, que atua contra infecções e hipertensão arterial sistêmica.
No Memento Fitoterápico da Farmacopeia Brasileira, o alho está indicado para auxiliar no controle dos níveis elevados de lipídios no sangue (hiperlipidemia) e como auxiliar na prevenção da aterosclerose. Além disso, é utilizado como coadjuvante no tratamento da hipertensão arterial leve a moderada.
Por outro lado, são necessárias mais informações sobre as doses terapêuticas e tóxicas desses compostos, em busca de, futuramente, ampliar o uso da planta nas diversas áreas de cuidado à saúde e de promoção do bem-estar. Apesar de bem descrita, a composição fitoquímica do alho apresenta variações na concentração dos componentes que podem ocorrer de acordo com a parte da planta utilizada, o modo de extração dos compostos e até mesmo de acordo com a característica do cultivo, o tipo de solo e a intensidade de chuvas e luz solar recebidas pela planta.
Vale ressaltar que em medicina veterinária e nutrição animal o alho é amplamente utilizado em cavalos, bois, aves e porcos para melhorar o paladar e controlar parasitas. Tal controle de parasitas se dá devido o odor da planta, que desempenha ação repelente ao ser liberado junto ao suor do animal, após o consumo. Ao ser eliminado nas fezes, o alho também inibe a reprodução de insetos parasitas, sendo que a adição de 1% de pó de alho na alimentação de bovinos pode diminuir em até 90% os índices de infestação pela mosca-dos-chifres.
Função anti-infecciosa
As substâncias anti-infecciosas – têm a função de matar ou inibir o crescimento de patógenos, incluindo bactérias, vírus, fungos e parasitas – também podem ser encontradas no alho, que tem excelente capacidade de inibição do crescimento de microrganismos.
Para chegar a essa conclusão, diversos estudos já demonstraram a existência de patógenos humanos que são mais sensíveis ao extrato de alho, com destaque para as bactérias Staphyloccocus aureus, responsável por grande parte das infecções de pele; a Escherichia coli, principal causadora de infecção urinária; a Klebsiela pneumoniae, importante geradora de quadros infecciosos do trato respiratório; e o fungo Candida albicans, agente etiológico da candidíase. Além disso, o alho também possui capacidade de inibir protozoários e vírus – mas em menor escala do que bactérias e fungos.
Também vale destacar que o alho possui também efeitos anti-inflamatórios, antioxidantes e antitumorais, o que amplia as possibilidades de sua utilização, futuramente, para o tratamento de distintas doenças.
Resistência bacteriana
A resistência antimicrobiana é conceituada, de acordo com o DeCS (Descritores em Ciências da Saúde), como a “capacidade de microrganismos (especialmente bactérias) em resistir ou tornar-se tolerante a agentes quimioterápicos, antimicrobianos ou a antibióticos”. Tal situação ocorre quando os agentes patogênicos sofrem alterações genéticas, que os tornam menos susceptíveis aos tratamentos que anteriormente os controlariam ou eliminariam.
Nesse sentido, observa-se atualmente que o crescimento da resistência aos medicamentos anti-infecciosos é uma preocupação global, visto que a terapêutica das infecções se torna mais difícil, aumentando a ocorrência de quadros graves e de difícil tratamento. Os riscos de complicações e morte crescem, assim como os custos dos tratamentos. O uso de anti-infecciosos de forma excessiva e de maneira inadequada tem contribuído para esse cenário.
Diante disso – e levando em consideração o panorama atual e a necessidade da busca por novos medicamentos anti-infecciosos – a possibilidade de associação do alho com antibióticos tradicionais surge como uma alternativa viável.
Entretanto, é válido ressaltar que boa parte das pesquisas desenvolvidas até agora foram realizadas em laboratório, muitas das quais com a utilização de células (estudos in vitro), de modo que investigações em seres vivos (estudos in vivo) precisarão ser feitas de maneira mais sistemática para que o alho possa ser empregado de maneira segura em seres humanos, com doses e intervalos de utilização bem estabelecidos.
Este trabalho contou com a preciosa participação das estudantes Rafaella Neves Fortini Duarte e Samara Angélica Cardoso Nascimento, que contribuíram para a preparação do texto.
Marli do Carmo Cupertino, Professora do Departamento de Biologia Geral, Universidade Federal de Viçosa (UFV); Adriano Simões Barbosa Castro, Farmacêutico-Bioquímico do Departamento de Medicina e Enfermagem, Universidade Federal de Viçosa (UFV); João Paulo Viana Leite, Professor titular, Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Rodrigo Siqueira-Batista, Professor Titular, Universidade Federal de Viçosa (UFV)
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