Aristóteles (De Anima, Oxford, 1961) definiu desejo (orexis) como um gênero que engloba três espécies: o querer (boulêsis), o impulso (thumus) e o apetite (epithumia). Arthur Shopenhauer, alemão que influenciou Freud, Jung, Nietzsche, Einstein, Kafka, Tolstói, Richard Wagner, Machado de Assis, dentre outros, é considerado um dos maiores filósofos do ocidente de todos os tempos.
Para Shopenhauer, em Sobre o Sofrimento do Mundo & Outros Ensaios, o que nos move é exatamente a nossa vontade (desejo). A metáfora desse gênio sobre o tema, é bem interessante: “A vontade é um cego robusto que carrega um aleijado que enxerga”. Poder-se-ia dizer que somos, assim, “o cego”, guiados pela vontade (ou desejo).
Sigmund Freud, considerado o “Pai da Psicanálise”, definiu o desejo como “o impulso de recuperar a perda da primeira experiência de satisfação”, como o atender à primeira necessidade de fome de um bebê. Para Freud, o desejo nos conduz, colocando nossa psique em movimento, com sensações de prazer e desprazer.
No livro, “A interpretação dos sonhos”, Freud afirma que o sonho é uma forma de realização do desejo. Quem leu, Confissões, de Santo Agostinho, compreendeu a sua luta interior com o desejo, notadamente a luxúria. O desejo, assim, é inato ao homem comum ou não.
Elliot Aronson e outro, na genial obra, “O animal social”, sob enfoque da psicologia, ensina sobre a influência social sobre o indivíduo. A obra explica, a exemplo, a razão de uma pessoa normal, de família estável, aliar-se a um grupo terrorista para se tornar (desejando) uma bomba humana suicida.
São três motivos, segundo os autores: desejo de pertencer – fazer parte de um grupo de maior identidade e propósito; necessidade (desejo) de certeza e de sair de uma vida trivial e sem sentido (dogmas de grupos fundamentalistas); dar importância à pessoa ou significância (desejo de sentir-se importante).
O desejo, pois, é o cerne da questão. Daisaku Ikeda, líder budista e filósofo, em coautoria com Arnold Toynbee, famoso historiador britânico, ensina muito sobre o desejo na obra “Escolha a vida”. Utilizando a maiêutica (método socrático de a pergunta levar o interlocutor à resposta), Ikeda aborda sobre o desejo no diálogo com Toynbee, explicando: “… O pensamento budista fez uma detalhada análise das manifestações de desejos que se tornaram subordinados à natureza diabólica e de seus efeitos sobre a vida. Com base nessa análise, o budismo procurou descobrir um método prático para subjugar o desejo diabólico.
Esse método não tenta refutar ou diminuir os desejos em si. Em vez disso, esforça-se para controlar a operação de sua natureza diabólica e libertá-la da servidão àquela natureza. É essencial controlar o desejo para que ele possa desempenhar um papel na direção da humanidade, da sociedade e de todo o universo no caminho da vida criativa. O controle, e não tentativas vãs de extinção, é a maneira certa de lidar com desejos. Como sabem os psicólogos, a supressão dos desejos provoca uma contracorrente de energia que desce para o mundo do subconsciente e torna-se causa de distúrbios físicos e mentais”.
Ikeda, nesse ensinamento budista, explica que o desejo não deve ser extinto, mas controlado e direcionado à vida
criativa (que eu chamaria de “bem comum” ou bem da humanidade), afastando sua natureza diabólica (maléfica). Eliminar o desejo não é o caminho correto, como apontou Ikeda, porque importa em causar distúrbios ao ser humano (físicos ou mentais).
Enfim, o desejo, fenômeno volitivo aparentemente simples do ser humano, merece sério estudo e reflexão. Para a evolução da humanidade, o exercício da vontade deve ser direcionado para o bem comum, para a ética, para a empatia, compaixão e amor, afastando-se, portanto, de condutas egóicas e desumanizadoras (preconceito, racismo etc.). Negar à vontade ao exercício do bem ou deixar de exercê-la, pode resultar em espaço para ideologias e dogmas, opressores do pensamento livre.
Adelmo Pinho é promotor de justiça em Araçatuba e articulista do RP10