Quando os serviços de meteorologia preveem frio mais rigoroso, meu emocional é de preocupação e saudosismo. Preocupação com os sem-teto e os sem-cobertor, além dos sem-sopa e dos sem-café quentes, impossibilitados de se protegerem do frio e de aquecerem a barriga. O saudosismo fica por conta da geada de 1975, a mais impiedosa de que me recordo.
Lembro-me de um domingo em que eu, mãe, pai e as três irmãs passamos o dia todo reunidos na cozinha ao redor do fogão a lenha. Chá e café para esquentar os corpos. Histórias do pai e da mãe relembrando outras geadas que comparavam à daquele julho. As recordações dos velhos e as possibilidades para os dias seguintes fluíam com dois ou três gatos enrodilhados aos nossos pés.
Aquele frio em demasia ficou conhecido como geada negra, pois queimou plantações de quase tudo. À época, pés de mamão eram “obrigatórios” nos quintais da periferia. O frio matou-os e a fruta desapareceu por bom tempo das mesas mais pobres. Os algodoais também sofreram danos, fazendo com que o óleo comestível derivado da planta fosse substituído pelo de soja, uma promessa da agricultura nacional.
Os cafezais, a cultura mais afetada, foram dizimados. O norte do Paraná, mais precisamente Londrina, então capital mundial do café, teve a economia arruinada pela geada negra. No dia 18 de julho, os cafezais amanheceram cobertos de branco e horas depois foram tomados por um manto negro, como em sinal de luto. O cafezinho nosso de cada dia, abundante mesmo nas casas mais modestas, desapareceu do cotidiano da maioria das famílias. E quando o minguado aparecia em algum supermercado, custava os olhos da cara.
Pai e mãe fumantes, acostumados com bom café para boca-de-pito, sofreram muito. A abstinência da cafeína provocava crises de mau humor em ambos. As lembranças do distante 1975 são muitas. Desde então, o mundo girou feito cata-vento louco. Os velhos já se foram. Nós, os filhos, estamos cada um no seu canto. Aquele frio, felizmente, não se repetiu. Igual a 1975, só mesmo o preço do café.
Antônio Reis é jornalista em Araçatuba, fotógrafo diletante e ativista cultural