(*) Hélio Consolaro
No meu tempo de professor, eu ficava com a antena ligada para conhecer livros que influenciassem na formação do leitor-aluno. Se eu gostasse de um determinado livro, montava um estudo, uma bateria de perguntas e adotava-o. Assim foi com “…E a porteira bateu”, do autor de Botucatu (falecido em 2016 com 93 anos).
Esse livro (e outros do autor) é leitura propícia para as pessoas do interior paulista, fundão do Estado de São Paulo. Numa forma romanceada, parecendo ficção, mas sendo também isso, mostra ao leitor como o interior foi colonizado. Passou por um processo semelhante a que passa a Amazônia hoje.
O livro mostra como foi construída a estrada de ferro Noroeste do Brasil – NOB. Como um lugarejo chamado Bauru, em 1904, era a ponta de lança na construção da ferrovia. Era, e ainda é, um entroncamento de trilhos.
A leitura mostra a crueldade dos bugreiros, que viviam da matança de índios, expulsando o povo originário para que o branco invadisse, tomasse suas terras. Na época, um homem não armado era um afeminado, um boiola.
Como Francisco Marins, apesar de ser um literato militante, pertencente à Academia Paulista de Letras, com livros traduzidos e várias línguas, escritor também da literatura infantojuvenil (Coleção Vagalume – Editor Ática – publicou alguns deles), nunca foi objeto de estudo nas universidades, por isso não se encontra estudo sobre suas obras. Foi esquecido pela intelectualidade.
Trata-se de um romance histórico. O livro é narrado em terceira pessoa, dividido em 17 partes, publicado em 1968. A edição da antiga Ática, 1986, havia ilustração de Antônio do Amaral Rocha, 270 páginas. Preço a partir de R$10,00. Atualmente, há edições de outras editoras.
Há personagens baseados na realidade do sertão, outras são reais, como também as ficcionais. Pelo nome excêntrico, Indaiá Coivara, arrisco a dizer que ele é ficcional e funciona como alterego do autor, pois apresenta visão mais moderadas do sertão paulista.
A tribo Caingangue é dizimada para que desocupassem as terras para que ela fosse grilada, tomada pelos bugreiros que estavam a serviço da especulação fundiária. A abertura da floresta para que a estrada avance também é uma forma de expulsar o povo originário. Nesse contexto hostil, ainda havia gente, fazendeiros ou não, que considerava o índio como o verdadeiro dono das terras. Marechal Cândido Rondon é um personagem histórico que percorre o sertão de Avanhandava e do Rio Feio (Aguapeí). Era pacificador, seu lema principal era “Morrer se preciso for, matar nunca!
Pelo livro, percebe-se porque os ferroviários contratados eram quase todos negros. Tratavam-se de ex-escravos libertados em 1888, que após o término das obras, os sobreviventes foram contratados como funcionários da companhia.
Também li “Gambé”, do escritor penapolense Fred Di Giacomo Rocha, Companhia das Letras, que faz um recorte da colonização do Oeste Paulista, focalizando a captura (ou volante) comandada por Tenente Galinha. Era um pária da Força Pública do Estado de São Paulo que foi expulso da corporação por várias vezes, mas era recontratado para fazer a limpeza, combatendo ladrões de cavalos e outros meliantes. Uma espécie de milícia atual. Não interessava ao governo processos judiciais, a ordem era matar.
Tenente Galinha aparece também no livro “…E a porteira bateu!”, mas Gambé traz numa linguagem mais moderna a captura por dentro, o drama de seus componentes, narrando o seu caráter violento. Preço a partir de R$25,00.
Nossos escritores trazem a história da região em detalhes, transformando a vida na colonização num drama que foi vivido por uma época que matar era fácil, atirava-se no outro apenas para ver de que lado ia cair. Duas leituras recomendáveis.