Os antigos cronistas surgiram com as viagens marítimas, acompanhando as naus portuguesas pelos mares bravios. Pero Vaz de Caminha, por exemplo, escreveu a certidão de nascimento do Brasil por meio de uma carta, pois ele era o assessor de imprensa do rei de Portugal, Dom Manuel. Uma nau voltou com a carta, não havia internet.
Hoje, o que sobrou do antigo cronista é que ele é uma espécie de escritor de confiança de alguns leitores, escreve sobre tudo. Para ter assunto, viaja. Eu, por exemplo, gosto de participar de excursões organizadas em ônibus por maluco (ou maluca) qualquer, como o Joaquim Nunes. Mando meus textos por internet.
Adentrei ônibus leito para o Pantanal, região que ainda não conhecia, saindo de Araçatuba-SP. Cumprimentei meus futuros companheiros de viagem, passaríamos dez dias naquela nave terrestre.
Mal começava a viagem, quando ouvi uma senhora, bem ao banco lado, depois do corredor me dizer:
– O senhor se parece com o Hélio Consolaro.
– Não pareço, sou o próprio – respondi-lhe.
Ela se apresentou como Gersina Pereira do Nascimento, 69 anos, e que este cronista fazia parte da vida dela. Olhei, não era nenhuma ex-namorada.
-Como? – perguntei surpreso.
– O senhor atropelou com sua moto minha filha há muito tempo. Hoje, ela tem 40 anos.
Realmente, tive motos. Consultei meus arquivos de memória, não achei tal desastre.
E continuou:
– Eu ia saindo com ela da Creche Santa Clara de Assis, segurando-a pela mão, quando escapou com sua vivacidade e avançou na frente de sua moto, dirigida por você. Não houve tempo de brecar o veículo, mas o senhor fez tudo, quase caiu, assim mesmo encostou nela. Com a queda, a Aline afundou um dente de leite.
E continuou:
– Mas o dentista consultado disse que aquele dente seria expelido oportunamente e um outro viria. E assim aconteceu. Hoje, a Aline, uma mulher “guerreira”, está com todos os dentes.
Rimos. Recuperei a narrativa perdida. Uma história de final feliz, como aquela iniciada por Pero Vaz de Caminha, apesar dos erros de português.
NÃO PRECISA VIAJAR MUITO
Para conhecer uma loja especializada na venda da maconha, é só sair de Ponta Porã atravessar a Linha Internacional e pôr o pé em Juan Pedro Caballero. A dona da loja é uma senhora bem apessoada. Todos os produtos derivados da cannabis estão expostos em vitrines. A própria erva também.
É possível não ser incomodado pela polícia. A avenida fronteira derruba todas as cercas. É proibido proibir. Por outros motivos (a erva-mate), Ponta Porã é chamada de Princesinha dos Ervais.
Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor – Araçatuba-SP