*Por Felipe Anderson, especialista em direito público no escritório Aparecido Inácio e Pereira Advogados Associados
Ao contrário do jargão popular do mundo futebolístico, a regra não é clara. Comumente no mundo jurídico nos deparamos com situações em que a “regra” a ser aplicada no caso em concreto não é óbvia. Não bastasse a atividade hermenêutica de ter que se retirar do texto legal a norma que o legislador buscou aplicar, ou o próprio constituinte, quando estamos nesse nível de análise legal existe a necessidade de conformação das normas diante do caso em concreto, mesmo quando se aparenta haver um conflito entre elas.
Quando tais conflitos se encontram na esfera constitucional, na estrutura judiciária brasileira compete ao Supremo Tribunal Federal (STF) dar a última palavra. Recentemente, o próprio STF se viu diante da análise do seguinte aparente conflito de normas: a transitoriedade (ou até mesmo precariedade) dos contratos temporários de agentes públicos e o direito à licença-maternidade e estabilidade da gestante.
O artigo 37 da Constituição Federal estabelece em seus incisos:
Art. 37
(…)
II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
(…)
IX – a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;
As hipóteses apresentadas nos incisos II e IX do artigo 37 da Constituição são as exceções ao princípio do concurso público. Na primeira hipótese, o cargo em comissão é dotado da chamada precariedade, que é possibilidade da livre nomeação e da livre exoneração do agente público, sem necessidade de motivação vinculada.
Já a segunda hipótese, no caso de contratação por tempo determinado por necessidade excepcional de interesse público, conforme o nome já anuncia, possui natureza transitória com temporalidade pré-definida.
Pelas próprias características dos vínculos há que se conceber que não se aplica a essas espécies de agentes públicos todas as garantias previstas aos servidores públicos (em sentido estrito) e aos empregados públicos, a mais marcante delas, a estabilidade do artigo 41 da Constituição Federal.
Neste cenário erigiu-se ao Supremo Tribunal Federal o debate acerca do direito à licença maternidade e a estabilidade provisória de servidora contratada nessas hipóteses (cargo em comissão ou contrato temporário).
O aparente conflito aqui posto cingia-se na situação em que, se o servidor com cargo em comissão pode ser exonerado a qualquer momento, não há que se falar em manutenção do vínculo em caso de gravidez, haja vista que não há necessidade de motivação para exoneração deste servidor. De igual modo, o trabalhador temporário, ao iniciar seu vínculo com o poder público já possui ciência de quando iria se desligar, de modo que mantê-lo após findo o vínculo pré-definido do contrato poderia ferir a legalidade prevista no caput do art. 37 da Constituição Federal.
Diante deste imbróglio o Supremo Tribunal Federal em decisão histórica, através do Tema 542, definiu a seguinte tese:
“A trabalhadora gestante tem direito ao gozo de licença maternidade e à estabilidade provisória, independentemente do regime jurídico aplicado, se contratual ou administrativo, ainda que ocupe cargo em comissão ou seja contratada por tempo determinado”.
No caso concreto, corretamente ao nosso ver, a Suprema Corte decidiu pela prevalência do direito à proteção à maternidade e à primeira infância previsto nos artigos 6º, 226 e 227, à temporalidade do vínculo de trabalhadores. Entendeu Ministro Luiz Fux, relator do caso acompanhando por unanimidade por seus pares, que a garantia ao pleno trabalho da mulher é protegido pela Constituição Federal, independentemente do vínculo que ela o tenha com a Administração Pública, pois, neste caso, é fundamental para o desenvolvimento infantil que a criança esteja acompanhada pela mãe, que, por sua vez, para ter uma plena recuperação física e mental no pós-parto, é fundamental que lhe seja garantido seus direitos sociais constitucionalmente consagrados.
Neste cenário, fundamental decisão do Supremo para garantia da figura feminina no mercado de trabalho, mesmo àquelas com vinculação temporária com o próprio Estado que deve ser, de fato, o primeiro a se preocupar com a garantia dos direitos sociais dos trabalhadores.