Por Fábio Jabá | O plenário do Senado acaba de aprovar, em regime de urgência e sem passar pela Comissão de Constituição e Justiça, o fim das saídas temporárias dos presos do regime semiaberto, direito concedido pela Lei de Execuções Penais desde 1984. Mais uma vez o Congresso Nacional se move na esteira de um caso de grande repercussão, a morte do sargento Roger Dias da Cunha, em Minas Gerais, para tentar resolver um problema de segurança pública sem que haja estudos que comprovem a eficácia da medida.
Para variar, os policiais penais foram deixados de fora da discussão. Se tivessem sido ouvidos teriam dito o óbvio: há medidas mais urgentes e necessárias para garantir a ressocialização de presos, algo que trará benefícios para a sociedade brasileira. A principal delas, a reestruturação do sistema prisional, hoje convertido numa fábrica de criminosos, exercendo o contrário de seu papel constitucional.
Útil seria discutir formas mais eficientes de monitoramento por tornozeleira eletrônica, análises criminológicas e repasses de recursos para a reestruturação de um sistema que desmancha diante dos olhos da sociedade. Não à toa, o STF declarou, no final do ano passado, o estado de coisas inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro, algo que define uma situação generalizada de violação de direitos.
Em diversas partes do Brasil presídios do regime semiaberto não possuem muralhas, nem policiais armados. Falta o básico para conter a indisciplina e as fugas. Não há o mínimo necessário para proteger a vida dos policiais penais.
Também foram ignoradas as consequências da nova lei sobre a segurança e disciplina nas unidades prisionais. Hoje, com um sistema prisional sucateado e superlotado, um dos únicos instrumentos de controle sobre a população carcerária são as anotações disciplinares na ficha do preso. Se ele acata a disciplina, consegue progredir de regime, caso contrário tem o benefício negado.
Sem este instrumento de controle, os riscos de agressões, motins e indisciplina se agravam. O legislador que votou não considerou o reflexo da medida num país cujo sistema penitenciário é dominado por facções criminosas e que essas facções reagem à perda de direitos da pior forma possível: vingando-se da própria sociedade e dos representantes do Estado nos presídios, os policiais penais.
O problema da baixa ressocialização não é a saidinha, mas sim o que acontece dentro da unidade prisional, uma máquina de moer pessoas, indistintamente, que destrói presos, policiais penais, servidores em geral e toda a comunidade envolvida.
Quando um preso despreparado recebe autorização para sair, quem falhou foi o Estado, que na prática não cumpre a lei, não se estruturou para verificar o estágio de ressocialização em que ele se encontrava. Não há, em nenhum lugar do Brasil, funcionários suficientes para cuidar, avaliar e agir durante o cumprimento da pena. Não há a mínima estrutura física para dar conta da demanda. Falta de tudo: médicos, psicólogos, policiais penais, servidores administrativos, materiais de higiene, remédios, alimentação, sem falar da já batida falta de vagas para suprir a crescente superlotação num país que prende cada vez mais.
É preciso melhorar a estrutura e reforçar a segurança dos presídios destinados ao regime semiaberto. É urgente preparar o sistema penitenciário para a reação que certamente virá caso se efetive o fim das saidinhas. É imperativo proteger os policiais penais, vítimas constantes da vingança de criminosos descontentes com o tratamento que recebem do Estado.
A proposta aprovada pelo Senado não passa nem perto da solução para o problema. É mais uma medida populista, que deve render votos aos seus autores, mas sem garantir melhoria alguma na segurança pública para a sociedade. É mais uma jogada ilusionista que pode, ao contrário, custar caro a cidadão brasileiro, caso haja reação das facções criminosas. Analisar a saidinha é válido, aperfeiçoar o modelo é necessário, apertar o cerco aos criminosos é essencial, mas é preciso haver discussão com quem realmente conhece e vive a realidade do sistema penitenciário. E isso, mais uma vez, não foi feito.
Fábio Jabá, policial penal há 23 anos, é presidente do Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional de São Paulo (SIFUSPESP)