Imagine você, em pleno século 21, viver na escuridão, sem ter um ventilador ou ar-condicionado para se refrescar no verão ou chuveiro quente para tomar banho no inverno. Também não há meios de se ter uma geladeira para acondicionar e preservar a qualidade dos alimentos, que se deterioram rapidamente. Televisor ou computador? Nem pensar! O que parece inimaginável em nosso cotidiano faz parte do dia a dia de 15 pessoas que residem em uma via do bairro Manoel Pires, em Araçatuba. O motivo? Os moradores não têm acesso à energia elétrica.
O caso parece estranho, mas tem uma explicação. As casas da rua Professora Janaína foram construídas em uma área de preservação permanente, onde passa o Córrego dos Espanhóis, entre os bairros Manoel Pires e Vila Alba, por isso estão em situação irregular. A Prefeitura corre contra o tempo na tentativa de providenciar a regularização fundiária e dar mais dignidade àquelas dez famílias, mas o processo é burocrático, longo e demorado. Leia texto abaixo.
Enquanto isso, 15 pessoas, entre crianças, jovens, adultos e idosos, vivem à espera da luz. A situação dos moradores da via era ainda mais precária há cerca de seis meses, porque não havia sequer distribuição de água e tratamento de esgoto na localidade. Com o início do processo de regularização, a GS Inima Samar, concessionária de água e esgoto da cidade, providenciou a ligação da rede e passou a disponibilizar os serviços.
SEM GELADEIRA E VENTILADOR
A manicure Taís Oliveira Silva, 31 anos, que mora em uma residência na rua Professora Janaína há cerca de cinco anos, conta que não suporta mais a situação de ter que conviver com o calor escaldante sem ao menos poder ligar um ventilador para aliviar o desconforto dos dias quentes.
A comida, segundo ela, é feita só para o consumo do dia, para não estragar, pois não há energia para ligar a geladeira. Por isso, é impossível tomar água ou refrigerante gelados, e manter alimentos refrigerados, como carne e latícinios.
A doméstica Conceição da Silva Neves, 67 anos, vive o mesmo drama. Para não ficar na completa escuridão, ela acende velas, o que é perigoso, pois em um eventual descuido, há o risco de incêndio. “Dá uma sensação de insegurança, de medo, porque a casa fica toda no escuro”, diz.
Já os alimentos que ela compra ou cozinha, costuma pedir para colocar na geladeira dos vizinhos que moram em uma rua acima da dela, para não correr o risco de estragar.
“ENERGIA EMPRESTADA”
Em alguns casos, há moradores que “tomam emprestada” a energia de vizinhos – a rua Professora Janaína é a única do bairro que não possui eletricidade. Estas ligações são consideradas clandestinas e, portanto, ilegais, mas acabam ocorrendo, devido ao desespero de quem mora no escuro e sem o conforto que a energia elétrica proporciona. Leia texto abaixo.
Apesar de ser irregular, uma moradora que pediu para não ser identificada contou que comprou fios e contratou um eletricista para “puxar” a energia de uma vizinha até a casa dela. “Foi o único jeito de não ficar no escuro e poder ligar uma geladeira”, contou, dizendo que faz o pagamento mensal pelo uso da eletricidade.
PREFEITURA ESTÁ PROVIDENCIANDO A REGULARIZAÇÃO
A Prefeitura de Araçatuba, por meio da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação, informou que a área está em processo de regularização fundiária e que o trecho é o único que não contém rede de energia para que a CPFL Paulista possa executar o serviço de ligação.
“A Prefeitura está fazendo levantamentos técnicos e projetos para a aprovação e junto à CPFL”, informou a Secretaria, por meio de nota. Segundo a assessoria de imprensa da Prefeitura, o município está trabalhando para resolver o problema o mais rápido possível, mas por tratar-se de algo complexo e que não depende apenas da Prefeitura, não é possível estabelecer um prazo.
PROCESSO DEPENDE DE ESTUDO AMBIENTAL
O processo de regularização fundiária passa por identificação da área, mediante estudo e apontamento do município, e posterior encaminhamento ao Programa de Regularização Fundiária Cidade Legal do Governo do Estado.
A Secretaria Estadual de Habitação, então, contrata uma empresa terceirizada (Consórcio CMT) para a realização de todo o serviço técnico burocrático, sendo ele: estudo técnico ambiental, topografia e cadastro social do ocupante do lote.
Na sequência, é criado a CRF (Certidão de Regularização Fundiária) da área inclusa e dado um nome ao núcleo. Após análise social e jurídica pelo Estado e pelo município, é encaminhada a listagem com seus ocupantes (moradores) ao cartório de imóveis da comarca, transmitindo a matrícula em nome do ocupante e tornando o lote regular.
CPFL SÓ FAZ LIGAÇÕES EM LOCAIS REGULARIZADOS
A CPFL Paulista informou que realiza obras para expansão de rede e ligações de energia elétrica apenas em locais que já possuem regularização fundiária, promovida pelas prefeituras. Em locais não regularizados pelo poder público, a CPFL precisa aguardar essa liberação.
Sobre ligações clandestinas, a distribuidora esclarece que sobrecarregam a rede, deixando o sistema de distribuição mais suscetível às interrupções no fornecimento.
Além disso, colocam em perigo a população, os imóveis, e as próprias pessoas não habilitadas, que arriscam suas vidas ao utilizar cabos e materiais inadequados e manipular indevidamente a rede.
“A prática ilegal também causa o encarecimento da energia para todos os clientes, pois a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) distribui parte dos prejuízos causados para a tarifa da distribuidora detentora da concessão, no momento das revisões tarifárias. Vale lembrar que os atos de fraudar ou furtar energia são crimes previstos no Código Penal”, afirmou a empresa, por meio de nota enviada por sua assessoria de imprensa.