Profissionais ligados à saúde que fazem visitas a residências e já viram todo tipo de sujeira em imóveis ficaram assustados e impressionados ao se deparar com a situação de imóvel no bairro Verde Parque, em Araçatuba (SP), nesta semana. O local reunia montanhas de roupas e objetos que tomavam os cômodos e impediam até mesmo a locomoção dentro do espaço. Fora a quantidade animais peçonhentos – mais de 60 escorpiões foram encontrados, além de ratos e baratos, em meio a alimentos apodrecidos e demais itens igualmente inservíveis.
As condições de vida naquela residência são inimagináveis para quem vê de fora. Mas quem tem o chamado Transtorno de Acumulação Compulsiva não enxerga a desordem e o caos em que se transforma o ambiente em que vive com o acúmulo de tanta coisa ao longo dos anos.
A ciência entende esse tipo de acumulação como um problema de saúde mental – o transtorno foi reconhecido recentemente pela OMS (Organização Mundial de Saúde) como doença, ano de 2018.
A psicóloga clínica Bárbara Cristina Romeiro de Moraes, especialista na abordagem cognitiva comportamental, explica que, para as pessoas com este transtorno, a ideia de descarte provoca ansiedade e angústia, por isso há uma grande dificuldade em se desfazer dos objetos, ainda que não estejam apodrecidos ou danificados.
QUASE 75 TONELADAS
O casal do Verde Parque catava recicláveis, que chegavam a comercializar. Mas, junto com estes materiais, eles recolhiam outros que acabavam acumulando.
Em sua residência, foram encontrados toneladas de roupas (a maior parte já apodrecida), sapatos, eletrodomésticos danificados, sem utilidade, quilos e quilos de alimentos vencidos, vasos de plantas, dentre outros itens. Tudo foi recolhido, quase 75 toneladas de lixo, e levado ao aterro sanitário.
A psicóloga explica que, na cabeça de um acumulador, os objetos terão algum uso ou poderão ser reaproveitados em alguma situação, por isso a dificuldade em se desfazer. Só que isso nunca acontece e, cada vez mais, vão acumulando os itens até transformar os cômodos da casa em grandes depósitos, deixando de ter a sua funcionalidade.
Há outra questão que envolve o transtorno. Os portadores têm, muitas vezes, uma forte ligação emocional com os objetos, como se fossem entes queridos e descartá-los representaria romper os laços com alguém por quem têm grande apreço.
O QUE LEVA AO TRANSTORNO
A psicóloga Bárbara Cristina Romeiro de Moraes explica que o transtorno pode começar a se manifestar na adolescência. Ela explica que fatores genéticos influenciam, mas também algumas situações de perda, seja de pessoas ou mesmo de bens. Neste caso, a pessoa fantasia que precisa se apegar a objetos ou coisas para não sofrer novas perdas.
Alguns traços de personalidade, como dificuldade em tomar decisões, perfeccionismo (no sentido de querer tudo minuciosamente de um jeito tão idealizado que não vai alcançar aquilo e, em vez de fazer, vai adiando) e a procrastinação podem contribuir para o desenvolvimento do acúmulo compulsivo.
CONSEQUÊNCIAS
Uma das consequências de quem tem o transtorno é o isolamento social, até porque os portadores acabam estigmatizados como preguiçosos e sujos, pois muitos não entendem a situação como um problema de saúde mental. Esta situação pode agravar ainda mais a ansiedade e levar a um quadro de depressão.
Há, ainda, riscos de incêndio pelo acúmulo desordenado de objetos, riscos de quedas e até mesmo de desenvolver problemas respiratórios ou outras doenças transmitidas por ratos, sem contar o risco de picadas de escorpião.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico da Síndrome de Acumulação Compulsiva pode ser feito quando a situação causa prejuízo ou sofrimento para o indivíduo e aqueles ao seu redor. E também quando a desordem e o caos provocados pelo acumúlo tornam a atividade diária dentro de casa impossível.
Para se ter uma ideia, o casal de Araçatuba tinha de caminhar pelas montanhas de roupas e objetos e, para dormir, colocavam colchões sobre os grandes montes, pois não havia mais espaço nos quartos.
TRATAMENTO
Na cabeça de quem é um acumulador, é natural manter grandes quantidades de objetos em casa, ainda que eles obstruam os cômodos da casa e levem à infestação de insetos, ratos, baratas e escorpiões.
“Eles têm uma dissonância cognitiva, para que não entrem em contato com o sofrimento e vejam aquilo como sujeira, bagunça e caos. Para eles, está tudo certo manter a casa assim. Por mais que os outros estão enxergando, a pessoa que tem a síndrome vai olhar e achar que está tudo bem”, explica Bárbara.
Ela ressalta que estas pessoas não devem ser julgadas, pois são doentes e precisam de ajuda. “É preciso ter empatia, pois elas têm dificuldade de reconhecer e compreender que existe um problema”, ressalta.
O tratamento, segundo Bárbara, necessita de aceitação, e consiste em psicoterapia e também medicamentos. “É preciso fazer estas pessoas ressignificarem esse modo de olhar para seus pertences e treinar novos comportamentos, trabalhando a ansiedade, por isso os medicamentos também são importantes”, disse.
Ela explica que o trabalho é de formiguinha, até que a pessoa se convença de que aquilo é prejudicial à sua saúde e à dos outros. Segundo ela, não existe cura, por isso o tratamento deve ser feito a vida inteira.
Há, no entanto, o processo de remissão, quando os sintomas se estabilizam e a pessoa consegue ter uma qualidade de vida.
APOIO
Os moradores da residência no Verde Parque foram orientados a deixar o local durante a limpeza, que foi feita com ordem judicial. Eles foram para casa de parentes, mas quando retornarem, segundo a Prefeitura, o poder público irá acompanhá-los com apoio material e de saúde física e mental.