A Universidade Federal Fluminense (UFF) divulgou resultados de um estudo inovador na revista Cities, revelando a existência de uma segregação econômica interna nas favelas brasileiras. A pesquisa, conduzida por Camila Carvalho e Vinícius Netto, desvendou um cenário de disparidades raciais, de renda e de acesso a serviços em 16 assentamentos informais espalhados por nove cidades nas cinco regiões do Brasil, incluindo Rio de Janeiro, Campinas, Belo Horizonte, Brasília, Fortaleza, São Luís, Porto Alegre, Manaus e Belém.
A pesquisa buscou entender se o padrão de segregação observado em escala urbana se repetia dentro das comunidades das favelas. A ideia do estudo era verificar se os padrões de segregação que existem nas cidades, em termos de desigualdade entre bairros, também existiria dentro das favelas, em termos de disparidades entre setores censitários localizados no interior dessas comunidades.
Utilizando dados do Censo de 2010, os pesquisadores identificaram setores nas favelas onde famílias com renda mais alta se concentram, em contraste com áreas habitadas por pessoas com renda significativamente mais baixa. Exemplificando essa realidade, Camila menciona os complexos do Alemão e da Maré, no Rio de Janeiro, onde foi observado que nas áreas de renda mais alta da favela, há um maior percentual de pessoas brancas (36%) em comparação com as áreas mais pobres (27%).
Além das disparidades raciais e de renda, o estudo também apontou diferenças significativas na oferta de serviços públicos. Nas áreas mais abastadas das favelas, os índices de coleta de lixo e esgotamento sanitário chegam a 83% e 62%, respectivamente, enquanto nas regiões mais carentes, esses números caem para 68% e 48%.
“A gente conseguiu detectar essa reprodução do padrão que a gente vê na escala da cidade, então a gente viu que tinha menos pessoas brancas morando nas áreas de mais baixa renda mesmo dentro das favelas e a gente também viu que a infraestrutura, o acesso aos serviços era mais baixo nas áreas de mais baixa renda das favelas”, afirma Camila Carvalho, destacando a relevância destas observações.
A pesquisa não se aprofundou nas causas da segregação interna das favelas, mas sugere que fatores como valorização imobiliária em áreas mais urbanizadas e a topografia desempenham um papel importante. “Em outro artigo, a gente viu a relação entre a topografia, ou seja, as áreas mais altas e mais baixas, com a renda. Então a gente conseguiu detectar que as áreas mais altas nas favelas de topografia mais acidentada, de difícil acesso e tudo mais, são áreas de mais baixa renda. Onde as pessoas mais altas renda vão ficar? Nas áreas de melhor acesso, onde se consegue entrar e sair mais fácil”, explica Camila.
Este estudo ressalta a necessidade de um olhar mais atento e diferenciado por parte da sociedade e dos formuladores de políticas públicas. “Só investir na favela, não significa nada, se você vai concentrar investimento numa área que já tem uma boa infraestrutura. Tem partes das favelas que a gente não consegue diferenciar da área formal da cidade, porque é muito similar. Qual o sentido de concentrar investimento nessas aí, se existem áreas muito mais precárias [nessas mesmas comunidades]?”, conclui a pesquisadora, enfatizando a importância de um planejamento mais inclusivo e eficaz para todas as áreas das favelas.