Por: Guto Ferrarezzi – Valparaíso
A arte circense é milenar. O primeiro circo surgiu no ano de 1768, quando um militar inglês chamado Philip Astlye criou em Londres um espaço fechado para apresentações de cavalos e para entreter o público, incluindo números com palhaços, acrobatas e equilibristas. Ele obteve grande sucesso e a receita se espalhou pela Europa.
Já no Brasil, essa arte surgiu no final do século XIX. A população da época tinha o seu entretenimento garantido com grupos de saltimbancos que se apresentavam em determinadas cidades com shows de ilusionismo, palhaços, teatros e bonecos.
A câmara dos deputados, em uma reportagem publicada no ano de 2008, informou que existem mais de 2 mil circos, sendo aproximadamente 80 de médio e grande porte, com trapézio de voos, animais e grande elenco.
Sandra Rombi, moradora de Valparaíso, nasceu no circo, por causa de seu pai, Dionísio. As irmãs dele se casaram com artistas de circo e quando foi visitá-las se apaixonou pela arte circense, com apenas 14 anos. “Aí começou a história do circo Dioni, que é o circo do meu pai”, conta Sandra.
Circo ou teatro?
Na época de Dionísio existiam os circos-teatros, onde ocorria a interpretação de histórias, e o circo de números, onde os artistas apresentavam suas performances. Conforme Sandra, ele gostava muito do palhaço nos circos de teatro e do trapézio nos de números.
No entanto, também existia a junção entre os dois tipos e, devido à sua paixão por todas as formas, ele optou por esse estilo, inaugurando o próprio circo em meados dos anos de 1960.
Em suas apresentações, o pai de Sandra faz números como trapézio, equilíbrio de escada no ombro. e ela conta que, o nome do circo, surgiu devido ao Tião Carreiro, da dupla Tião Carreiro e Pardinho, que se apresentavam no local.
Na apresentação, o cantor perguntou para Dionísio o motivo do nome do circo na época ser Rombini 2 (era 2 porque já existia um com esse nome). “Ele respondeu que ainda não havia decidido um nome em definitivo, mas ficou com este questionamento na cabeça por algum tempo. Depois escolheu Dioni para o nome do circo, já que este era o seu apelido entre os amigos”, relata Sandra, sobre o circo de seu pai, que já completou 60 anos de existência.
Durante um de seus roteiros, o circo parou na cidade de Araçatuba e foi ali que Dionísio encontrou o amor. Ele namorou a mãe de Sandra, Matilde, com quem está casado e vive uma vida na arte circense.
Para Sandra, o pai deu uma vida privilegiada para ela e os irmãos. Ela disse que sempre esteve envolvida na arte circense, onde estudou, e que isso ajudou em seu próprio desenvolvimento como professora de Letras e diretora em uma escola de Valparaíso (SP).
A criança circense
A criança de circo, segundo Sandra, desde o início de sua jornada já mostra qual é sua aptidão na área, principalmente em circos familiares.
A arte circense abrange inúmeras formas de expressão, como o teatro e a música, por exemplo. No caso de Sandra, ela desenvolveu habilidades para o canto e o trapézio, número que ela herdou da mãe no circo de variedades. “Atualmente, uma sobrinha está fazendo esse número e, assim, os mais velhos vão passando o conhecimento para os mais jovens”, conta.
Ela também conta que antigamente, na segunda parte dos shows, havia apresentações de músicas populares. Hoje não existe mais essas apresentações, pois os espetáculos foram se voltando mais para o público infantil.
Já a terceira parte era a teatral, onde Sandra atuava em teatros dramáticos ou comédias. Ela se apresentava na segunda e na terceira parte. “O pessoal adorava”, relembra.
Os estudos e a rotina
A Lei de 24 de maio de 1978 (Lei do Aluno Circense), n.º 6.533, garantia que filhos de profissionais de atividade itinerante tinham asseguradas a transferência da matrícula e a vaga nas escolas públicas locais de 1º e 2º graus, mediante apresentação de certificado da escola de origem.
Com a promulgação da lei, Sandra diz que começou a frequentar a escola e até o momento de sua formatura, no ensino médio, ela passou por aproximadamente 27 escolas por ano.
Sandra revelou que sempre foi muito bem acolhida pelas escolas. Contudo, em sua época de estudante, o estado de São Paulo não possuía o Currículo Unificado, o que às vezes gerava problemas, pois os conteúdos variavam de escola para escola.
“Um exemplo: Eu poderia estar vendo equação do primeiro grau em Valparaíso, já em Adamantina, a do segundo. Então os docentes sempre me ajudavam e como eu gostava de estudar, sempre fazia um gerenciamento e meu caderno era impecável, o que me ajudava bastante, pois estudava com ele”, exemplifica Sandra.
A rotina circense funciona da seguinte maneira no circo familiar: quando termina a apresentação durante a noite, todos arrumam, limpam, guardam produtos e dormem à meia-noite.
Se estudam de manhã, acordam mais cedo, porém às 8h todos já estão de pé. Os que estudam à tarde treinam os números durante a manhã, buscando sempre novidades. Em seguida todos vão para as atividades normais, já às 17h todos começam a se preparar para as apresentações da noite.
Valorização
Para Sandra, o circo não é valorizado como deveria, apesar de ser uma arte completa, que leva entretenimento às cidades pequenas, onde muitas vezes faltam opções de lazer.
A cidade vizinha de Valparaíso, Bento de Abreu, por exemplo, possui grande adesão ao circo e, em contrapartida, há cidades na região que não tem muito público.
“Independentemente do tamanho do público, o circo trabalha da mesma maneira, se tiver somente uma pessoa na plateia ou mil pessoas, pois o pensamento é sempre de agradar quem está assistindo”, comenta Sandra.
Segundo ela, os municípios de Valparaíso, Lavínia, Mirandópolis, Araçatuba e Presidente Prudente apresentam bom público.
Animais
No Brasil, não existe ainda uma legislação que regulamente esta prática. Todavia, 12 estados já proíbem a utilização dos animais em circos: Alagoas, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo, além do Distrito Federal. Mas existem ainda 14 estados que não proibiram a prática.
O projeto de Lei N°7291/2006, que dispõe sobre o registro de circos no Poder Público Federal e sobre o emprego de animais da fauna silvestre brasileira e exótica na arte circense, ainda não foi avaliado pelo Congresso.
O Circo Dioni nunca incluiu animais em seus espetáculos. Além de o custo ser muito alto, ele sempre prezou pela liberdade dos filhos, pois os circos com animais poderiam pôr em risco a vida das crianças. “Imagina manter um leão!”,brinca Sandra.
Quase tragédia
Uma cena digna de filme aconteceu na cidade Porto Euclides da Cunha (SP), na década de 1980. O momento foi triste para Sandra, mas marcado pela liderança e resiliência de seu pai.
Numa tarde com ventos e forte chuva, a parte de cima da lona rasgou, só ficando a bancada e o mastro. Naquele momento, Sandra e seus irmãos acharam que era o fim, visto que o circo era o sustento da família. “Hoje a lona do circo é feita de um plástico mais resistente, mas na época era de algodão e usava-se parafina para deixar o pano impermeável”, explica.
A cena ficou marcada na cabeça de Sandra. Dionisio agiu como líder, deixou todos chorarem e depois disse: “Vamos juntar tudo, ver o que sobrou e vamos recomeçar”.
Mesmo com a chuva, sem a parte de cima da tenda, os artistas se apresentaram à noite e, para a surpresa de todos, o circo lotou com os espectadores segurando guarda-chuvas. “Infelizmente não houve registro fotográfico do momento, mas acredito que os moradores da cidade lembram do fato”, diz ela.
O fato serviu de motivação para Dionisio e sua família que, após 20 dias na cidade, conseguiram comprar uma lona nova.
O palhaço e as crianças
O circo serve como um grande desenvolvimento para a criança e também como uma experiência única com a família, aproximando pais, irmãos e filhos. O pai de Sandra foi palhaço, seu irmão e seu sobrinho também. “O palhaço é um ser ingênuo que traz a infância e a alegria no olhar para tirar as risadas dos espectadores”, afirma.
Apesar de tudo isso, Sandra sempre teve o desejo de ser independente e fazer faculdade. Quase cursou Artes Cênicas, mas optou por fazer Letras e Pedagogia e hoje é diretora da Escola Estadual David Golia, em Valparaíso. Ela conta que se apaixonou pelo magistério e hoje utiliza suas vivências no circo para ensinar e fixar a atenção dos estudantes.
Ela construiu uma facilidade para falar em público e cativar pessoas e, pelo fato de estudar uma semana em cada cidade, aprendeu a se reinventar e lidar com as dificuldades de enfrentar conteúdos diferentes aonde ia. Hoje, consegue se colocar no lugar dos alunos que possuem dificuldades em assuntos específicos. “Hoje, o professor também faz papel de psicólogo, pai, mãe, amigo e precisa estar pronto para entender cada aluno”, finaliza.