Hélio Consolaro*
“Eu sou do povo, eu sou um Zé Ninguém
Aqui embaixo as leis são diferentes
Eu sou do povo, eu sou um Zé Ninguém
Aqui embaixo as leis são diferentes”
(Bruno Gouveia – Biquíni Cavadão)
Nos meus textos, o Zé, seja qual for, é escrito com letra maiúscula. Esse tipo de gente é tão desprezado que pelo menos o croniqueiro pé-de-chinelo tem que lhe dar importância. A vida é que importa!
Quando alguém quer desqualificar um sujeito, dizer que não vale o que o gato enterra, passa-lhe um apelido bem ralé. Em turma de peão, gente que trabalha no pesado, chamar um colega disso ou daquilo é a coisa mais comum. Bullying.
Quando a vida apronta alguma armadilha, a pessoa pensa em mudar-se de cidade, começar tudo de novo. Eu mesmo pensei nisso nesses meus dias difíceis. Ir começar tudo de novo numa outra cidade, mas fazer isso aos 75 anos? Em Araçatuba, sou um Zé Mané conhecido, noutra cidade, seria mais um Oreia Seca no anonimato em terras estranhas.
O sentimento de pertença, ser de um determinado grupo ou lugar, faz parte da autoestima. Eu falo de boca cheia que sou de Araçatuba, nascido e criado, capiau legítimo. Todos sabem que sou doido, conhecem meus defeitos e me aceitam assim.
Alguns chamam esse sentimento patriótico de “terrinha” ou “santa terrinha”, como chamam Portugal os portugueses em diáspora pelo mundo.
A invisibilidade social é um sentimento de rejeição doído. Numa universidade brasileira, essa experiência foi realizada. Apenas são cumprimentados no câmpus mestrados e doutorados. Um professor muito querido se atreveu a se fantasiar de gari, trabalhar entre eles, o doutor sumiu, nem olhavam para ele no tempo de fantasia.
Ao contrário de Zé Mané é seu doutor. Não suja a roupa para trabalhar, sempre na estica. Não precisa ter título não, apenas carro bom, bem vestido e boa aparência (branco, por exemplo). É um esperto na vida. As aparências ainda enganam. O próprio Zé Ninguém cai fácil.
Entre nós, sujar a roupa para trabalhar é um sujeito desvalorizado. Isso começou na escravidão.
Jesus Cristo encontrou dificuldades na sua pregação no bojo da sociedade judaica. O seu despojamento material, sua pobreza, depunha contra suas palavras. Esse não é o filho do José, o carpinteiro, ou seja, um Zé Mané?
*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro das academias de letras de Araçatuba-SP, Andradina-SP, Penápolis-SP e Itaperuna-RJ