O secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Guilherme Derrite, confirmou a existência de um inquérito policial na Divisão de Crimes Funcionais da Corregedoria Geral de Policia Civil de São Paulo para apurar um possível conluio entre um hacker e um delegado de Araçatuba e sua equipe. A confirmação foi feita durante entrevista coletiva concedida à imprensa na tarde dessa quinta-feira (14), após um encontro com policiais militares no auditório da Igreja Amor e Cuidado, em Araçatuba (SP).
Os fatos que apontam a possível ligação entre o hacker Patrick Brito e o delegado Carlos Henrique Cotait, da Deic (Divisão Especializada de Investigações Criminais), foram relatados em reportagem publicada em fevereiro deste ano, na revista piauí, do Grupo UOL. Conforme a reportagem, o agente de polícia teria contado com a ajuda do criminoso para levantar provas contra investigados da Operação Raio X, que apurou desvios de recursos públicos da saúde por meio de contratos entre Prefeituras e Organizações Sociais de Saúde (OSSs).
O secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo afirmou ter conhecimento do caso, disse que o procedimento para apurar a conduta do delegado já foi instaurado e, se houver a confirmação de qualquer desvio de conduta, o agente policial será punido.
“Tem inquérito, sim. Esse inquérito tem segredo de Justiça, até por razão da Lei orgânica da Polícia Civil, a gente não pode passar detalhes, também por questão judicial. Mas existe o inquérito e, se comprovado o desvio de conduta, não só deste delegado, mas de qualquer policial do Estado de São Paulo, qualquer desvio de conduta será apurado. É natural, isso já é feito, não é uma política minha, as instituições possuem órgãos correcionais e têm essa função e fazem essa função de maneira eficaz há muitos e muitos anos. E se houver a comprovação de qualquer desvio de conduta, sem dúvida alguma será punido”, afirmou o secretário.
Como tudo teria começado
A possível ligação entre o delegado Cotait e sua equipe teria começado no início de 2021, quatro meses após a Operação Raio X, que foi deflagrada em setembro de 2020, para investigar desvio de recursos da saúde por meio de contratos firmados por OSSs (Organizações Sociais de Saúde) com prefeituras.
Conforme o hacker, que conversou por videoconferência com o repórter Alan de Abreu, da revista piauí, o delegado o teria convidado para ajudar nas investigações por meio da invasão de dispositivos dos investigados.
O convite teria sido feito após Patrick Brito ser detido por invadir o celular do prefeito Dilador Borges (PSDB) e da primeira-dama Deomerce Damasceno (União Brasil). Na ocasião, ele teve R$ 10 mil apreendidos, assim como um notebook, passaportes e celular. O hacker foi liberado e, no dia seguinte, recebeu uma ligação do delegado, segundo ele, para uma conversa pessoalmente.
Ao receber o convite para “ajudar a prender pessoas”, concordou em colaborar com a polícia e atuar no Seccold (Setor de Combate à Corrupção, Crime Organizado e Lavagem de Dinheiro), um dos mais avançandos em tecnologia do País. Na sequência, teve os passaportes e os R$ 10 mil liberados pelo delegado.
Mudança para a Sérvia
Brito, no entanto, estava com receio de ser preso, por ter invadido o celular e o Facebook do então vice-presidente Hamilton Mourão, sendo localizado por servidores da Abin (Agência Brasileira de Inteligência). Com medo, passou a planejar sua mudança para a Europa, o que ocorreu meses depois de seu primeiro contato com o delegado Cotait.
Mesmo estando no Leste Europeu, o hacker alega que recebeu várias informações, documentos e provas do setor de inteligência da PC de Araçatuba, o Seccold, e que sempre foi colaborador da autoridade policial. Ele afirma, inclusive, que chegou a receber transferências via PIX diretamente de agente policial.
O rompimento
A animosidade entre o hacker e o delegado teve início quando Brito teve acesso às senhas das redes sociais e contas bancárias do médico Franklin Cangussu Sampaio, um dos investigados da Raio X, e passou a extorqui-lo.
Desconfiado de que seus dados pessoais haviam sido passados por policiais para um hacker, o médico registrou um boletim de ocorrência na Divisão de Crimes Cibernéticos da Polícia Civil de São Paulo. Esta, por sua vez, encaminhou o caso à Corregedoria por haver “elementos mínimos de participação de policiais civis na prática dos crimes aqui apurados”.
Cotait teria ficado furioso e fez um relatório para sua equipe no qual acusa Brito de ter acesso a informações sigilosas da Operação Raio X para extorquir o médico. Também determinou abertura de inquérito para apurar como o hacker teria invadido os arquivos da polícia e desengavetou o inquérito da invasão dos dispositivos do prefeito e da primeira-dama de Araçatuba.
Com isso, o hacker acabou entrando na lista de procurados da Interpol e foi preso em dezembro do ano passado, na Sérvia, onde permanece até hoje. O hacker reagiu às ações de Cotait e montou um dossiê com a sua versão da história.