Hélio Consolaro*
Vim ao mundo pelas mãos de um médico, mas o parto não foi num hospital, aconteceu numa tulha improvisada de casa, quando o Dr. Godói chegou com um forceps à mão, já que a parteira não dera conta.
Hospital mesmo conheci aos 15 anos, quando me internaram na Santa Casa de Araçatuba a pedido do saudoso Dr. Cotrim, que foi prefeito de Araçatuba, para que extirpasse meu apêndice, estava com ele quase supurado. Nessa época, 1963, não havia sistema de saúde, nem INSS.
Quem não tivesse dinheiro, se internava no “salão”, onde a misericórdia era exercida: Santa Casa de Misericórdia. Como o patrão de meu pai, Sr. Waldemar Alves, que foi vice-prefeito e tem nome de avenida, pagou tudo, e descontou moderadamente o débito na empreitada (curral e cerca), não tive a experiência de ficar entre os indigentes.
Hospital para mim era um negócio perigoso. Entrar era fácil, sair, difícil. Hospital e cemitério eram lugares horríveis. Hoje já não sou temeroso.
Eu não frequentava hospital porque minha mãe só ficou hospitalizada depois dos 90 anos de idade. Meu pai tinha saúde de ferro, ou resolvia suas dores com o farmacêutico. Nada disso de dizer que os antigos viviam mais, meus pais foram os poucos que escaparam de sua geração.
Depois de formado, casado, com o parto dos filhos, visitando parentes no hospital, fui perdendo o medo de nosocômio. Passou de inimigo a amigo, uma oficina de consertar gente, um lugar de esperança.
Estamos agora, eu a Helena, enfrentando os problemas da velhice. A Unimed tem prejuízo com ela, mas lucra comigo. Ela vive hospedada no hospital. Meu plano é de quarto privativo, mas ela não quis gastar mais um pouco. O quarto dela é semiprivativo: dois pacientes por aposento. Há momentos em que calcinhas e cuecas de cada leito se misturam.
Um certo dia, a companheira de quarto da Helena era uma senhorinha com quase 90 anos, a mulher tinha até tataraneto. Não havia regulamento que contivesse o fluxo das visitas. Esparramaram pela prole a fake news de que a velhinha ia morrer, então havia fila de gente para dar o último abraço. Em síntese: o quarto virou um boteco.
Era horário de higiene corporal da Helena, aquele banho na própria cama. E um marmanjo, devia ser neto da senhorinha, não desconfiava do incômodo de sua presença. Uma das enfermeiras perdeu a paciência:
– Dá para o senhor sair do quarto!
– Pois não! – e desapareceu com a cara no chão.
Silêncio geral. Hospital é um lugar onde os corpos perdem a sua sensualidade, são apenas carcaças a serem consertadas. Quarto de hospital não é quarto de motel. O expulso da sala não era um tarado, com certeza, apenas um sujeito desligado, emocionado com a vozinha adoentada. Mas…
Regra é regra, disciplina a convivência, principalmente em lugares apertados. Hospital é um lugar de esperança, rezo para que a Helena saia viva de lá.
*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro das academias de letras de Araçatuba-SP, Andradina-SP, Penápolis-SP, Itaperuna-RJ.