*Hélio Consolaro
Antigamente, bem antigamente, não havia pátria nem nação, havia reinos e impérios, todos organizados em torno do suserano, por bem ou por mal. Não havia leis, obedeciam-se apenas a vontade do rei.
As poucas cidades existentes eram cercadas, verdadeiras fortalezas. E o rei lá dentro, protegido. Expandir território era a ambição dos poderosos.
O Brasil era uma colônia de Portugal, não tinha governo próprio. Com a ameaça de Napoleão Bonaparte, Dom João VI correu para o Rio de Janeiro, transferindo a sede do reinado.
A ameaça na Europa havia sido aliviada, os portugueses pediam a volta de Dom João VI, assim ocorreu, em 1821, deixando aqui o filho Dom Pedro, que não queria ficar, mas houve o Dia do Fico, 9 de janeiro de 1822. “Fica no Brasil, Dom Pedro!” E ele ficou. Daí Araçatuba ter a Rua do Fico, no bairro Santana.
A elite brasileira, acostumada a ser sede de governo, não gostou de ser rebaixada novamente a colônia. Então começou o movimento de independência, querendo que Dom Pedro fosse o primeiro rei (imperador). Ele era português, não ia trair o pai, então Dom João VI teve uma conversa de pé de orelha com o filho: “Tome a coroa, antes que algum aventureiro lance mão dela”. A pátria brasileira surgiu de um conchavo.
Não havia fotógrafo na época, muito menos celular, apenas carruagem. O quadro “Independência ou Morte”, de Pedro Américo, foi encomendado mais de 60 anos depois, em 1888, para decorar o Museu do Ipiranga. Quando o grito foi proclamado, o artista não era nem nascido.
Pedro Américo vivia em Florença, na Itália, quando pintou o quadro, fez uma pesquisa para resgatar informações da época.
Na realidade, fora da tela, a cena foi assim: o príncipe regente abatido em cima de uma mula, vestindo roupas simples, acompanhado de poucas pessoas. Dom Pedro estava com disenteria. Não havia cavalos de raça porque a região exigia a força de animais mais fortes.
A comitiva tinha 14 pessoas. Os guardas não estariam usando uma farda tão pomposa. Os Dragões da Independência (batalhão existente em Brasília) só adotaram o uniforme representado na pintura 100 anos depois, em 1926.
O próprio Pedro Américo deu uma explicação sobre a produção em que revela a intenção de mostrar a independência como algo heroico. Nas palavras de Pedro Américo: “A realidade inspira, não escraviza o pintor”. O artista esforçou para ser sincero na reprodução do fato sem esquecer a beleza da arte.
Numa edição do jornal Pasquim, crítico à ditadura militar, em 1970, o cartunista Jaguar (ele insiste que o desenho foi do Henfil, apenas levou a culpa), diante do sucesso da música “Eu quero mocotó”, fez a sátira sobre o fato, usando o quadro de Pedro Américo. Jaguar ficou preso por dois anos por causa do balão.
Nessa semana, diante do feriadão, nem nos lembramos muito bem o motivo da tamanha folga. Este cronista vem lembrar que todo feriado foi precedido de coragem e luta.
*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro das academias de letras de Araçatuba – SP, Andradina – SP, Penápolis – SP e Itaperuna – RJ.