Foi na casa onde realizou seus maiores trabalhos como artista que o músico araçatubense Guilherme Held lançou, na última semana, o disco “Corpo Nós”, seu primeiro trabalho solo, que foi apresentado em um grande show na choperia do Sesc Pompeia, em São Paulo, na última semana.
O álbum é fruto de sua vivência e composições acumuladas ao longo de seus mais de 20 anos como músico profissional e reuniu mais de 60 artistas para gravar seu primeiro trabalho autoral. Na verdade, foi durante a pandemia que “Corpo Nós” ficou pronto, mas não pôde ser lançado presencialmente.
“Sempre quando tinha tempo, ia compondo umas coisas e registrando no celular ou em alguma mídia que tivesse por perto. Quando achei que já tinha um material legal, e também com o apoio de algumas pessoas, que falavam que eu tinha de fazer o meu disco, apareceu uma brecha na agenda e eu me organizei”, conta o artista.
Ao perceber que era a hora de produzir o seu próprio disco, falou com o cantor, compositor e produtor Rômulo Froes, que tem em seu currículo músicas como “A Mulher do Fim do Mundo”, eternizada pela falecida Elza Soares. Froes topou dirigir o trabalho, que contou com mais de 60 pessoas para ficar do jeito que o exigente o músico araçatubense queria.
Held, que já trabalhou como músico e produtor musical de artistas como Criolo, Mariana Aydar, Rubel, Milton Nascimento, Jards Macalé, Rômulo Fróes e Ná Ozzetti, contou com a parceria de vários companheiros de estrada para compor as 17 faixas que integram o disco.
Para o show no Sesc Pompeia, Gui Held tocou sua guitarra ao lado de Sérgio Machado na bateria; Fábio Sá no baixo; Dustan Gallas nos teclados; Allan Abaddia no trombone; Cuca Ferreira no Sax; e Rômulo Nardes nas percussões. Teve ainda, participações especiais de Ná Ozzetti, Romulo Fróes, Iara Renó, Marcelo Pretto, Tulipa Ruiz, Curumim, entre outros que participaram do disco.
Título aborda a amamentação e a energia da mulher e mãe
O título de seu primeiro disco solo vem de uma parceria dele com Alice Coutinho, grande letrista e esposa de Froes. Ela, inclusive, divide com o marido a autoria de “A Mulher do Fim do Mundo”. Em “Corpo Nós”, Alice descreve o ato da amamentação, trazendo a energia da mulher e da mãe. “É muito forte, tem a ver com essa união, do encontro do disco e toda essa química musical que a gente tem”, pontua Held.
Álbum traz versatilidade, com gêneros que vão do samba ao rock
A produção durou mais ou menos um ano, para o músico conseguir conciliar todas as agendas, e o álbum pode ser considerado grandioso por vários aspectos. Primeiro, pelo grande número de profissionais que trabalharam nele; segundo, pela qualidade musical, conseguida pelos talentosos e minuciosos artistas; e terceiro, pelas 17 faixas que passeiam por diversos gêneros da música, como rock, samba, jazz e MPB.
O trabalho de Held foi inspirado em diferentes vertentes da música, por isso traz tanta versatilidade e ecletismo. O disco tem, por exemplo, a psicodelia de Lanny Gordin, seu “padrinho” e “guru” da guitarra. Na faixa “Pingo D´Água, parceria com Gordin, os dois tiveram uma experiência muito especial.
“O Lanny pediu pra eu desafinar a guitarra inteira, ele também desafinou, para quebrar todo o vínculo com esse plano material, todos os vícios e qualquer ligação com o instrumento, para o som ficar o mais puro possível. E é engraçado, porque tinha tudo para dar errado e eu sinto que ali é o ápice do nosso entrosamento”, descreve Held.
Milton e Clube da Esquina
O trabalho também apresenta elementos do Clube da Esquina e de Milton Nascimento, na faixa “Tempo de Ouvir o Chão”. A composição foi feita no momento em que Held estava gravando o documentário “Milton e o Clube da Esquina”, cuja produção musical foi de Held e Bid. Portanto, o artista araçatubense estava mergulhado na música mineira.
“É uma faixa que é muito especial, pois é a única que eu canto um trecho considerável. Depois do primeiro ensaio geral que fizemos para gravar, me deu uma inspiração e veio ‘Tempo de Ouvir o Chão’ inteira. Quando eu mostrei para o Rômulo Froes, pensamos juntos que o Clima seria a pessoa ideal para escrever a letra e a gente adorou”, contou.
Na sequência, os dois tiveram a ideia de chamar Juliana Perdigão para interpretá-la, com Held e Rômulo cantando no refrão. “Aí eu me empolguei e fui do primeiro refrão até o final”, detalhou Gui Held.
Criolo, parceiro de caminhada
Já a música “Laço de Fita” foi uma parceria com Criolo, a quem Held considera o maior intérprete de sua caminhada como guitarrista. “Fiquei seis anos com ele e me acrescentou muito na minha bagagem musical, pelos álbuns que gravamos e por toda caminhada de ter feito shows no Brasil e lá fora. É um artista a quem eu devo muito”, disse.
Orquestra de jovens músicos baianos
Outra faixa considerada especial é “Sorongo”, que ganhou um arranjo do maestro baiano Letieres Leite, falecido em 2021, e não pôde ver a obra ser lançada oficialmente. Letieres tinha a orquestra Rumpilezz e a Rumpilezinho, formada por músicos carentes de Salvador, capital baiana, com muito talento.
E a Rumpilezinho participa de “Sorongo” com maestria. “É um arranjo super técnico, é difícil um músico ler tudo aquilo que Letieres escreveu e são meninos de 16 anos que estão tocando. Eu fiquei feliz e grato por ter a Rumpilezinho no disco”, afirma o músico.
Ele conta, ainda, que fez um videoclipe, uma espécie de making off do álbum, com imagens do Rumpilezinho tocando a faixa com a banda em São Paulo, entrando também partes do making off do disco em geral.
“Pra Bem Perto de Mim”
“Corpo Nós” tem também “Pra Bem Perto de Mim”, parceria com Rubel, com quem Held estava em uma convivência muito intensa, na turnê do disco Casas. “Eu falei que tinha essa música que era a cara dele e ele topou participar. Foi um encontro muito especial”, diz.
Mais tarde, a música ganhou um videoclipe (disponível no YouTube), da artista multimídia Lola Ramos. Segundo Held, o trabalho retrata bem o período da pandemia, em que as pessoas tiveram que se manter isoladas para não ser infectadas pelo novo coronavírus.
Streaming e Vinil Duplo
O álbum está disponível em todas as redes de streaming digital. O artista já lançou um compacto das faixas “Pólvora” e “Direito Humano”, mas afirma que sairá o vinil duplo, no segundo semestre deste ano.
Por pouco, a arte perde um músico talentoso para a odontologia
Held teve o seu primeiro contato com um violão aos oito anos de idade, quando ganhou um instrumento de aniversário, no ano de 1985. Seu primeiro professor foi o músico Donizeth, já falecido, e o hoje artista passou a tocar com amigos do bairro Nova York, onde morava.
Ainda na infância, mudou-se para Birigui, onde teve outros professores.Com a guitarra, o primeiro toque foi aos 12 anos de idade, quando ganhou uma de presente e ficou fanático pelo instrumento.
Na década de 1990, voltou para Araçatuba, onde montou a banda Artigo 13. Também teve banda com o cantor e compositor Ney Zigma e o músico José Aurélio, ambos de Araçatuba, naquela época.
Held diz que, quando ganhou a guitarra de presente, passou a estudar muito, e teve um professor muito marcante no início de sua caminhada, o músico Marco Zambon, que hoje reside em Bauru.
“Conforme fui estudando, fui quebrando barreiras e evoluindo muito rápido. Até hoje eu estou nesta evolução, mas eu me lembro que, naquela época, em pouco tempo, eu já estava conseguindo ter uma técnica que dava pra tocar todo o repertório que a gente era a fim ali na banda”, contou ele, que aos 16 anos já dava aula em dois conservatórios de Araçatuba.
O músico araçatubense conta que com Ney Zigma começou a desbravar os caminhos da criação, com composições autorais, além de releituras do cancioneiro da MPB. Paralelamente, tinha a banda Artigo 13, que tocava os clássicos do rock and roll, da cena pop da época e reggae, além do grupo Chuckwalla, que misturava rap com rock e também tinha um lado autoral. “Foram ramificações distintas que somaram muito na minha musicalidade”, ponderou.
Na ocasião, Held chegou a participar de festivais de música, conseguindo uma boa classificação no Skol Rock, um importante evento musical que revelava novos grupos.
Na sequência, por imposição dos pais, fez um curso superior e o escolhido foi o de Odontologia. Depois de formado, mudou-se para São Paulo, onde trabalhou por pouco tempo como dentista.
A música só não perdeu o artista talentoso para a profissão de dentista porque Held encontrou o guru da guitarra, Lanny Gordin, que trouxe o psicodelismo para o Brasil e foi fundamental para uma fase muito importante da música, a Tropicália.
“Como eu tive essa bênção de encontrar ele no meu caminho, a Odonto acabou que foi ficando um pouco pra trás, porque as coisas começaram a dar certo, não só no sentido profissional, mas também de aprendizado, de evolução. Pra mim, ele é um dos maiores do mundo”, afirma Held.
A convivência com ele foi muito além da música, pois os dois moraram juntos por quatro anos. “Foi uma escola gigante, com muito bate-papo”. Hoje, Lanny está acamado, acometido por uma doença autoimune.
Gui Held segue sua trajetória, com trabalhos na música e no audiovisual. E promete que vem mais disco autoral por aí.