O dia de Isabel Cristina começa às 5h. É que para estar às 8h no trabalho ela precisa percorrer um longo caminho. Trabalhadora doméstica há mais de cinco anos, sua rotina de trabalho se estende também aos afazeres de casa. “O horário de chegar em casa é 8h30 pra 8h40 da noite. Ainda vou fazer a rotina de casa, cuidar de dois netos que eu crio – um tem 5 anos e a outra tem 7. Vou varrer casa, passar pano, fazer janta, lavar roupa. Vou dormir lá pelas 1h30/ 2h da manhã. Aí faço só fechar os olhos, amanhece e tenho a rotina de novo”, conta.
Mas os afazeres domésticos nem sempre estão na lista de trabalhos reconhecidos, mesmo quando estamos falando do trabalho doméstico formal. A categoria luta para conseguir conquistar seus direitos, mas, mesmo aqueles que já são garantidos pela lei, nem sempre são respeitados.
A professora de Direito do Trabalho, Beatriz Xavier, explica as raízes do problema. “A consolidação das Leis de Trabalho de 1943 nunca se aplicou ao trabalhador doméstico, a trabalhadora doméstica. Ela excluía já oficialmente, lá no seu texto, a incidência sobre estes trabalhadores. E a gente sabe por que não havia uma legislação em 1943 destinada a esse tipo de trabalhadores. É porque a gente tinha, e ainda tem, uma herança muito forte do período da escravidão no Brasil”.
“A primeira legislação que previu os direitos para trabalhadores e trabalhadoras domésticas é de 1972 ou 73, e ainda assim essa legislação fazia uma diferenciação de direitos. Quer dizer, os trabalhadores domésticos tinham muito menos direitos assegurados do que os trabalhadores urbanos regulares. Então provavelmente é por essa razão a demora tão grande na regulamentação dos direitos dessa categoria de trabalhadores”, complementa Beatriz.
Há cinco anos Lucivânia de Lima Vieira está como trabalhadora doméstica e fala sobre as dificuldades de ter seus direitos reconhecidos nesta profissão. “Eu acho que o empregado doméstico deveria ter mais valor, né? Igual aos outros funcionários de empresas por aí. A gente não é muito valorizado, não. É o descanso que a gente não tem, as horas extras que não são pagas”, enfatiza.
No apartamento em que trabalha hoje, Lucivânia está como babá, mas acaba acumulando outras funções. “Quando a outra empregada não está aí eu dou uma organizada no apartamento: varro, passo o pano, lavo banheiro. Eu acho meio ruim, mas tenho obrigação de fazer”, conta.
Apartamentos amplos, arejados, mas na hora de pensar o local de descanso dessas trabalhadoras, a própria arquitetura do espaço demonstra o tratamento dispensado a elas. Com 50 andares, um edifício de luxo ainda em construção na capital cearense vai contar com vaga de garagem dentro do próprio apartamento. Na planta, é possível identificar que espaço para o carro será maior do que o dedicado ao quarto de serviço. Hoje a Isabel não dorme mais no trabalho, mas sabe bem o espaço que é dedicado para quem cuida dos serviços da chamada casa de família: “Eles constroem os apartamentos muito pequeno, principalmente o quarto das empregadas domésticas. Aqui não cabe cama, não cabe rede, é uma coisa muito desorganizada e muito mal feita”, protesta.
“Eu não durmo no emprego, eu vou para casa todos os dias, mas a minha colega de trabalho dorme, e o quarto dela é bem quente, pequeno, acho que um banheiro perde, não é muito confortável pra ela não, viu?”, lamenta também Lucivânia.
Para a professora de Direito do Trabalho, a dinâmica de dormir no emprego pode ainda favorecer o exercício abusivo por parte do trabalhador. “Porque assim, já que ela está lá deixa eu pedir uma coisinha. Meu filho chegou às 11h da noite com fome, deixa eu pedir pra ela fazer uma comida pro meu filho. Ah, dei uma festa e tem uma sujeira aqui, vou pedir pra ela limpar tal hora. Ou então, eu acordo 6h da manhã, mas eu quero que 5h30 meu café da manhã esteja pronto. O que a legislação garante é que cumprida a jornada de trabalho, vamos supor às oito horas do dia, respeitado o intervalo para repouso e alimentação, a trabalhadora fique lá nesse ambiente que foi destinado a ela e o empregador não pode solicitar a prestação de trabalho dela. O empregador precisa garantir a essa trabalhadora doméstica um local que confira a ela um mínimo de dignidade”, defende.