Por Hélio Negri
Sob osimpactos do tempo, senhor de todas as coisas, me pergunto: de que vale a beleza física sem que o coração se revele, se multiplique e na simbiose da vida se instale definitivamente no coração de quem amamos? Creio que esta troca só ocorra entre as pessoas que se aproximam através das afinidades, pelos gostos comuns pela cultura e pela arte, gente disposta ao aprender-e-ensinar com valores familiares que se coadunam espontaneamente.
Para a médica e ativista da cultura do cuidado, Ana Cláudia Quintana Arantes, autora do livro A Morte é um dia que vale a pena viver, “o que deveria nos assustar não é a morte em si, mas a possibilidade de chegarmos ao fim da vida sem aproveitá-la, de não usarmos nosso tempo da maneira que gostaríamos”. Geriatra, com especialização em Oxford, afirma que a dor da perda é uma dor muito grande, insuportável, mas também é transitória, é uma dor que irá passar. Ensinamentos que indicam caminhos.
A ausência física, a perda inesperada de alguém que amamos, pode ser um desafio para as mais variadas interpretações. Pode ser entendida como parte de um processo natural do desenvolvimento humano presente em nosso cotidiano, ou ser vista de outras maneiras, sobretudo por profissionais da área da saúde que são inevitável e tecnicamente inseridos no exercício de suas atividades profissionais e lidam com o evitar a morte e/ou morrer, simplesmente pelo fato de estarem envolvidos diariamente nesse universo.
Casamo-nos em janeiro de 1975. Choveu. Fomos felizes.
Após 75 dias de uma luta intensa, Maria da Penha nos deixou. Esteve sob cuidados de excelentes profissionais desde o início da intervenção na Santa Casa, pelas mãos do diretor técnico Carlos Mori Frade Gomes, até sua hospitalização na UTI da Unimed. Só posso e devo agradecer pelo acolhimento, pelo trabalho incansável e pelo imenso carinho de toda a equipe de profissionais, aqui representada pelos médicos Dirceu Leite de Carvalho, Guilherme Homsi Pimenta, Mariane Venturoli Ferreira Benavente e Vinícius Nakad Orsatti. Mostraram-se plenamente engajados aos conceitos da medicina humanizada que visualiza o paciente como um ser humano global de cuja história pessoal não se deve prescindir.
Uma dor realmente insuportável. Que seja, de fato, transitória e que passe.
A ausência física representa mesmo um duro golpe. Esposa dedicada e mãe exemplar, avó maravilhosa e uma amiga fiel para quem teve o privilégio de conhecê-la. Além dessas qualidades, era a guerreira e guardiã de todos nossos sentimentos maiores. Acima de tudo, um ser humano de gestos grandiosos e de generosidade infinita. Foi um privilégio ser marido, um parceiro, amigo e confidente de uma mulher extraordinária em todos os sentidos. A nossa eterna Miss, como dizia a saudosa Odette Costa. Há 55 anos, ela foi aos estúdios da Rádio Luz com amigas “Bandeirantes” (um braço feminino dos Escoteiros). Virei-me para o grupo e dirigindo-me a ela, perguntei seu nome: Penha. Simplesmente Penha, respondeu-me timidamente. Bastou-nos aquele instante.
Deixa-nos a sua impecável história de vida, coerente com todos os princípios basilares herdados dos pais, Jandira e Ary Bocuhy, educadores como ela, profissão que escolheu e a qual se dedicou com afinco. Professora de Inglês, lecionou muitos anos no IE Manoel Bento da Cruz, onde se aposentou. Continuou atuando sabendo da importância de uma segunda língua nos dias atuais.
Adorava viajar. Em muitas ocasiões, foi conhecer o que considerava essencial conhecer acompanhando amigas, de forma prazerosa, disposta e sempre com um grande sorriso, com quem adorava compartilhar histórias.
Foi uma guerreira, mulher de fibra, lutou contra o imponderável. Talvez para mostrar que viver sempre vale a pena. O tempo cura feridas, me lembrou um grande amigo.
Que ela descanse em paz.
[* Escrevo em meu nome, dos filhos Cynthia, José Augusto, Luís Otávio, da nossa única neta, Manuela, e da Nina a Shih-tzu que
me olha profundamente parecendo perguntar quando a mamãe vai voltar. Saudade imensa.]
Por Hélio Negri