Por 19 votos a 5, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo aplicou a pena de censura ao juiz José Daniel Dinis Gonçalves, da Vara da Fazenda Pública de Araçatuba, por ter empurrado sua mulher durante uma discussão e por não ter prestado socorro após ela cair no chão e sofrer lesões graves. As informações são do Consultor Jurídico/ Conjur.
De acordo com o processo administrativo disciplinar, houve uma discussão entre o casal e, em determinado momento, o magistrado empurrou a mulher, que bateu em uma mesa e caiu no chão. Ela gritou por socorro, mas Gonçalves não teria ajudado. Uma vizinha ouviu os gritos, foi ao local prestar auxílio e chamou a polícia.
A mulher ficou duas semanas internada e, conforme laudo pericial, sofreu lesões de natureza grave, incluindo um edema na cabeça, fratura de costela e lesões na coluna. Gonçalves disse que agiu em legítima defesa após ter sido agredido pela esposa. Perícia apontou apenas lesões de natureza leve no juiz, como arranhões e pequenos hematomas.
Gonçalves também responde a um processo criminal perante o Órgão Especial, sob relatoria do desembargador James Siano. A instrução já foi concluída e o caso deverá ser julgado em breve. Já o PAD teve como relator sorteado o desembargador Décio Notarangeli, que votou pelo arquivamento dos autos e ficou vencido. O juiz punido com a pena de censura não poderá figurar em lista de promoção por merecimento pelo prazo de um ano, contado da imposição da pena.
Para Notarangeli, embora não se possa afirmar que houve, de fato, legítima defesa, também não é possível dizer que partiu do juiz a iniciativa das agressões. “Não há prova para imputar a ele o início do incidente. Neste cenário, diante da dúvida invencível, proponho a improcedência e o arquivamento dos autos”, afirmou.
Prevaleceu o voto divergente do corregedor-geral de Justiça, desembargador Fernando Torres Garcia, pela aplicação da pena de censura. Segundo ele, no caso do PAD, não importa quem deu início aos atos de violência física e verbal, nem se o juiz agiu, ou não, em legítima defesa. O que importa, afirmou, é que Gonçalves não honrou o comportamento que se espera de um magistrado.
“Os laudos periciais são claros no sentido de que as lesões sofridas pela vítima foram muito maiores que aquelas apresentadas pelo magistrado, o que demonstra a violência e a agressividade com que ele agiu. Sua inércia em prestar socorro também é patente, comprovada pelo depoimento da vizinha que auxiliou a vítima”, disse.
Torres Garcia afirmou que dois elementos justificam a punição do juiz. Primeiro, ainda que se admita na seara criminal que agiu em legítima defesa, Gonçalves contribuiu para que o relacionamento conjugal chegasse ao ponto de agressões físicas recíprocas, o que, segundo o corregedor, não é compatível com a conduta que se espera de um membro do Poder Judiciário.
“Ainda que tenha empurrado para se defender, ele empregou força desproporcional, a revelar descontrole e agressividade, que também são incompatíveis com o decoro que se espera de um juiz. O segundo ponto foi a omissão de socorro, o que não se admite no campo disciplinar, ainda que não se tipifique conduta criminosa”, completou.
O corregedor lembrou que os magistrados devem manter conduta irrepreensível tanto na vida pública quanto privada: “Chegar a um embate físico com a esposa, empurrá-la, mesmo que para se defender, causando lesões graves, e negar socorro não são condutas que se podem reputar éticas e que se esperam de um magistrado.”
Debates no colegiado
O voto do corregedor foi acompanhado por outros 18 integrantes do Órgão Especial. A desembargadora Luciana Bresciani disse que a análise sobre quem deu causa às agressões cabe à esfera criminal. No PAD, disse, deve-se levar em consideração a postura adotada pelo juiz e as “lesões graves e desproporcionais” causadas à esposa.
Na mesma linha, o desembargador Fábio Gouvêa até cogitou pena mais severa ao magistrado, como a remoção compulsória, mas acabou concordando com a solução dada no voto de Torres Garcia. O presidente do tribunal, desembargador Ricardo Anafe, ressaltou a gravidade da conduta do juiz ao deixar a esposa caída ao chão, sem prestar socorro.
“Ainda que tenha dito ‘não me toque’, o que seria perfeitamente normal, ela estava prostrada no chão. Isso demonstra a absoluta falta de ética e de trato que qualquer pessoa deveria ter, em especial um magistrado, ao ver alguém caído ao chão. A questão não diz respeito a quem iniciou as agressões, à gravidade das lesões ou se houve legítima defesa”, disse.
Para o vice-presidente do TJ-SP, desembargador Guilherme Gonçalves Strenger, um homem de caráter, seja juiz ou não, não pode ver uma pessoa caída ao chão e deixar de tomar providências: “Pode ser seu maior inimigo, mas tem obrigação de chamar socorro. Uma pessoa que age dessa forma não tem ética e caráter.”
Em sentido contrário, o desembargador Damião Cogan votou pela improcedência do PAD. Ele destacou que o casal tinha um relacionamento conturbado e que o juiz alegou ter sido agredido anteriormente pela esposa. Neste cenário, Cogan não considerou razoável aplicar uma pena para macular a vida funcional do magistrado.
“Foi algo que aconteceu a quatro paredes. Todos os casais têm seus desgastes. Às vezes, alguém não consegue frear seus ânimos e parte para algo além do que se espera. Em briga de marido e mulher, aprendemos que há três versões: a dele, a dela e a verdade. Usar a palavra só de um lado e supervalorizar pode até criar uma situação de injustiça”, disse.
Para embasar seu posicionamento, Cogan citou laudo pericial que apontou uma lesão no antebraço do magistrado, perto de uma fístula arteriovenosa para hemodiálise que Gonçalves realiza três vezes por semana: “Levar em consideração só a consequência que a mulher sofreu me parece ser algo nebuloso.”
O desembargador James Siano, relator da ação penal contra Gonçalvez, contou que já colheu depoimentos de todos os envolvidos no episódio. Além disso, chegou a decretar medidas assecuratórias para que Gonçalves não se aproximasse da esposa. Siano destacou a gravidade das lesões e sequelas da vítima, “que mexem conosco”, mas, na esfera administrativa disciplinar, também votou pela improcedência.