O servidor público Rodrigo Bardon sente dores neuropáticas e espasmos frequentes desde 2005, quando aos 21 anos de idade ficou tetraplégico em um acidente na piscina. Durante muito tempo fez uso de fortes medicações, tanto para o alívio das dores constantes, como para conseguir dormir. Foi quando, em 2013, descobriu os efeitos terapêuticos da cannabis: “eu percebi que o uso da maconha conseguiu suspender meus espasmos. Coisa assim de 80% de alivio dos espasmos, e, na dor, ela conseguiu dar uma modulada melhor. Eu sentia a dor, mas ficava mais anestesiado”.
Bardon, hoje com 38 anos, conta ainda que sua qualidade de sua vida melhorou significativamente: “o Rodrigo de antes e o Rodrigo de agora continuam sendo o mesmo, só que agora conseguindo dormir. A pessoa fica menos ansiosa, mais feliz, agora consigo dormir, porque antes os espasmos me incomodavam”.
Mas Rodrigo não é o único a lista os benefícios medicinais na erva. A terapeuta holística Amanda Maia chegou a ser presa por cultivar a planta em casa para tentar dar sequência ao tratamento da filha África Luna, de seis anos, diagnosticada aos três meses de vida com fibrose cística, doença genética degenerativa que afeta pulmões, pâncreas e o sistema reprodutivo.
“A fibrose cística é uma condição genética que tem sim um tratamento envolvendo uma equipe multidisciplinar no SUS. São remédios de alto custo que são fornecidos. Porém, não estava sendo suficiente, minha filha estava tendo constantes crises respiratórias, muitas internações, distensão abdominal, enfim, não havia uma mínima estabilidade”, explica a mãe, que também é a fisioterapeuta holística.
Foi quando ela também descobriu os efeitos do óleo da cannabis no tratamento de África Luna: “no primeiro mês do uso do óleo já veio a grande novidade na nossa vida, que foi ela ter o primeiro mês de vida dela sem uma crise de tosse”. Amanda conta que hoje a filha respira melhor e que a função gastrointestinal da menina melhorou.
“Como é uma doença degenerativa, a cannabis também consegue diminuir a velocidade dessa degeneração, por ser extremamente antioxidante, e por conta de outras propriedades. Então proporcionou essa melhora e foi um divisor de águas, hoje ela consegue ter uma rotina melhor”, revela.
Atualmente, Amanda faz parte da lista de 24 pessoas no Ceará que possuem um Habeas Corpus para o cultivo da maconha. Segundo informações do Conselho Estadual de Saúde (Cesau), que é ligado a Secretaria de Saúde do Governo do Ceará, outros 400 usuários também fazem uso da cannabis medicinal no estado.
No Brasil o uso da maconha medicinal é regulamentado pela Anvisa, porém o alto custo para importação não permite o acesso democrático ao insumo. Para se ter uma ideia, um vidro com cerca de 30 ml custa em média R$ 2 mil. No mês passado, em decisão histórica, o Cesau aprovou uma recomendação para que o Ceará adote o uso da cannabis medicinal pela rede pública de saúde, o que deve ser um divisor de águas para quem necessita do medicamento.
É o que aponta o advogado Ítalo Coelho, integrante do Conselheiro Estadual de Políticas sobre Drogas (Cepod), ligado a Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS): “nós criamos esse Projeto de Lei [discutido na recomendação do Cesau] que tem 4 pontos, o primeiro é capacitar e dar treinamento aos trabalhadores da saúde, para que possam acolher os pacientes e acompanhar aqueles pacientes que fazem uso. A segunda coisa é que os produtos de cannabis possam ser fornecidos pelo SUS, já existe isso em outros estados, essa política. O terceiro ponto é o apoio e o incentivo às associações de pacientes, por que são elas que estão bancando essa terapia da forma mais democrática possível, diante das dificuldades que existem hoje no acesso ao tratamento com cannabis. E o quarto ponto é o incentivo à pesquisa nas universidades públicas e privadas’’.
Um projeto de lei com essas recomendações será enviado em breve para Assembleia Legislativa do Ceará. “É importante porque, se ela for aprovada do jeito que está, a gente vai fazer com que o usuário tenha acesso a cannabis medicinal de forma desburocratizada, sem o fluxo que ocorre hoje. Porque a maioria das pessoas para ter acesso hoje só consegue de forma judicial”, afirma o também advogado Hugo Victor, Conselheiro de Saúde do Cesau.
A procura pelas propriedades medicinais desses medicamentos tem crescido no país e no Ceará não é diferente. Em 2019, 36 pacientes haviam solicitado a importação de remédios derivados da maconha. Em 2020 esse número saltou para 153, e até abril do ano passado, 181 pedidos foram oficializados.
Para Hugo Victor, a aprovação, além de avanço nas discussões, significa ainda a garantia dos direitos e da segurança dos usuários: “quando eu preciso do medicamento, que eu vou acabar recorrendo a um traficante ou alguma coisa do tipo, eu estou financiando um malefício a sociedade. Mas quando de repente eu tenho uma universidade pesquisando aquela planta, pesquisando esse medicamento e o meu Sistema Único de Saúde garantindo esse medicamento para que eu tenha uma paz de espírito, um tranquilidade, ou seja, eu possa ser curado – ou mesmo que não seja curado, minimize os efeitos daquela dor, os efeitos daquele doença, eu estou garantindo uma paz social, eu estou garantindo qualidade de vida, eu estou garantindo os princípios do SUS”, finaliza.