As infecções por covid-19 vinham em baixa, mas o número de casos voltou a subir. Em meio a esse aumento, algumas escolas de São Paulo suspenderam as aulas ou passaram a exigir o uso de máscaras de maneira obrigatória.
Os dados de outros países também demonstram que a pandemia ainda não acabou: os Estados Unidos foram o primeiro país a superar a marca de 1 milhão de mortos pela doença. O cenário e a possibilidade de uma nova onda de casos têm preocupado especialistas, ainda que o avanço da vacinação tenha se mostrado efetivo para conter a maioria das mortes e quadros graves da covid-19.
Ao Jornal da USP no Ar 1ª Edição, o professor Esper Kallás, do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da USP e infectologista coordenador do Centro de Pesquisas Clínicas do Hospital das Clínicas, faz uma análise do atual momento da pandemia.
Mutações e transmissão
“A gente está vivendo o comportamento do vírus, que mostra sua capacidade de mutação”, afirma. “No começo da pandemia, achava-se que se tratava de um vírus relativamente estável, que não iria trazer surpresas, mas o tempo mostrou que a gente estava errado”, acrescenta. Segundo o professor, o vírus se multiplicou de maneira muito rápida ao redor do planeta, o que favoreceu sua capacidade de modificação genética que resulta em novas variantes.
“Isso fez com que o vírus se adaptasse com um objetivo principal, que era sua transmissibilidade, porque, do ponto de vista evolutivo, o que ele quer é se espalhar”, explica. Isso ocorre devido à seleção natural, ou seja, aqueles com maior capacidade de transmissão sobressaem em relação aos outros. Alguns pesquisadores apontam, inclusive, que o coronavírus atual é o vírus mais transmissível já conhecido.
Em contrapartida a essa alta capacidade de transmissão, as vacinas desenvolvidas trouxeram um grande avanço. “Elas permitiram que a gente começasse a esvaziar as enfermarias. No começo da pandemia, o Instituto Central do Hospital das Clínicas foi fechado só para receber pacientes com covid. Hoje o número de admitidos com a doença no hospital é muito pequeno graças à vacina”, ressalta Kallás.
O pesquisador também comenta que, em alguns casos, essas mutações fazem com que os vírus escapem parcialmente da proteção produzida pela vacina. “É o que a gente viu nessa última onda da variante ômicron”, exemplifica. “Em um mês se espalhou pelo mundo inteiro e chegou aqui driblando uma defesa induzida pela vacina.” Nesse período, muita gente foi reinfectada, “porque se tratava de um vírus que tinha essa característica de modificar sua estrutura para escapar parcialmente do sistema imune”.
O aumento no número de casos foi registrado na população que ainda não recebeu a vacina, especialmente as crianças. Kallás conta que houve uma campanha de desinformação muito intensa, inclusive por parte de autoridades. “Isso fez com que a adesão à vacinação entre crianças tivesse uma hesitação por parte dos pais e responsáveis.” Como consequência, a cobertura vacinal nas crianças foi mais lenta.
Houve então um conjunto de fatores: O vírus chega mais transmissível e encontra justamente as crianças que ainda não tinham sido protegidas. “As crianças acabaram, dessa vez com muito mais clareza, servindo como o principal vetor da disseminação do vírus, isso vem acontecendo no País todo.
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Vacinação e futuro
Kallás faz parte do comitê de enfrentamento à covid-19 da USP e conta que a opção por manter o uso de máscara obrigatório dentro da Universidade, mesmo que as autoridades de saúde já o tivessem liberado, se deu por “achar que ainda era cedo demais”. “Felizmente, a gente não tem tido grandes surtos de transmissão, acredito eu, por causa da adoção da máscara nos ambientes da Universidade.
O professor ressalta que as medidas de segurança devem ser mantidas. Grande parte dos pacientes com casos graves atualmente ainda é constituída por idosos e imunossuprimidos. “Para essa população, a gente precisa de mais doses”, defende. A vacinação das crianças também é essencial. “Se a gente protege as crianças, consequentemente protege também os adultos em seu entorno.” Por isso, a vacinação é fundamental tanto do ponto de vista individual quanto coletivo.
É necessário, ainda, desenvolver novas vacinas que respondam melhor às novas variantes. “Essa é a coisa mais difícil, o investimento de pesquisa no desenvolvimento de vacinas precisa permanecer”, destaca. Na avaliação do professor, o coronavírus vai continuar circulando ainda por muito tempo. “O vírus vem aprendendo a lidar com o ambiente e a gente precisa aprender a lidar com ele”, conclui.