Em meio às discussões sobre a liberação do cigarro eletrônico, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) está recebendo, desde 11 de abril, dados sobre a segurança do uso dos dispositivos. Até o momento, os chamados Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEF) são proibidos no Brasil.
No entanto, na segunda-feira, 9 de maio, cerca de 46 entidades médicas pediram para que a Anvisa se atente para os riscos do cigarro eletrônico. Eles defendem que a proibição dos produtos seja mantida. Através de um documento debatido em evento online, é pontuado que: “Os cigarros eletrônicos não podem reverter décadas de esforços da política de controle do tabaco no Brasil”.
Desde 2009, os cigarros eletrônicos são proibidos no Brasil pela Resolução de Diretoria Colegiada nº 46 da Anvisa. Contudo, em 2019 o órgão iniciou um processo regulatório que pode levar a uma aprovação dos dispositivos ou continuar mantendo a sua proibição no país.
Desafios
Atualmente, cerca de 10% da população brasileira acima de 18 anos é tabagista, segundo o Instituto Nacional de Câncer (IBGE). O número representa um avanço em relação há 20 anos, quando esse percentual era o dobro, mas o vício ainda atinge mais de 20 milhões de brasileiros. E conforme as políticas públicas de prevenção avançam, novos desafios também se apresentam. O cigarro eletrônico é um dos principais deles.
Segundo o Ibope Inteligência, o número de pessoas que usam cigarro eletrônico no Brasil, em apenas um ano, dobrou, saltando de 0,3% da população para 0,6%. São cerca de 600 mil usuários brasileiros da tecnologia que, dizem os especialistas, é capaz de causar tanto dano físico e psicológico quanto o cigarro tradicional.
“Como não há regulação em relação ao cigarro eletrônico no país, não sabemos o que as pessoas estão aspirando. Outro importante ponto é que esse tipo de vício tem atraído principalmente os adolescentes, pelo formato, pela novidade e pela falta de informação também sobre o impacto nocivo deles. Os produtores investem em um design moderno, com cara de aparelho eletrônico, para atrair essa geração que, até então, já tinha quase que abandonado o cigarro”, explica Clarissa Mathias, oncologista do Grupo Oncoclínicas.
Nas redes sociais, os e-cigs, vapes, ou pods, outras denominações para o cigarro eletrônico, têm sido cada vez mais difundidos. Diversos jovens estão compartilhando suas experiências de uso, ou ainda mostrando formas caseiras de montar o próprio produto. De maneira clandestina, é até mesmo possível encontrar os dispositivos em tabacarias e bancas de jornal.
Consequências
As consequências da pandemia da Covid-19 também estão no radar dos especialistas quando o assunto é combate ao fumo. Ansiedade, solidão provocada pelo isolamento social e o medo da doença levaram ao crescimento no consumo de cigarros, diante dos sentimentos de incerteza gerados pela crise mundial na saúde.
Segundo pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), os tabagistas aumentaram o número de cigarros consumidos diariamente em até 40%. E isso também pode estar acontecendo com os consumidores de cigarro eletrônico, acreditam especialistas.
“Não temos como saber quais serão as consequências do consumo desse tipo de cigarro a médio e longo prazos. Teremos que esperar talvez 20 anos para medir isso, o que pode ter consequências para toda uma geração, já muito afetada por um evento de grande proporção, que foi a pandemia, que deixou muita gente mais ansiosa e mais angustiada e que pode buscar esse hábito como válvula de escape”, ressalta Clarissa.
O dispositivo vaporiza um líquido que contém uma grande quantidade de nicotina e, embora não existam ainda estudos definitivos que indiquem o impacto no desenvolvimento de cânceres, os dispositivos eletrônicos possuem sim elementos que podem ser altamente prejudiciais, mesmo não contendo tabaco em sua composição. O crescimento desse consumo pode representar um retrocesso para o Brasil, que é reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um exemplo no combate ao tabagismo.
“A nicotina pode ser consumida com combustão e produção de fumaça – caso de cigarros, charuto, narguilé – ou sem combustão e produção de fumaça, como acontece em situações de uso de rapé e cigarros eletrônicos sem tabaco ou com tabaco modificado para ser aquecido. Por isso devemos estar atentos ao estímulo da conscientização dos riscos de todo e qualquer tipo de fumo”, comenta o oncologista Carlos Gil Ferreira, líder de tumores torácicos do Grupo Oncoclínicas e Presidente do Instituto Oncoclínicas.
Tabagismo ainda é a principal causa de câncer
O tabagismo continua sendo o maior responsável pelo câncer de pulmão em todo o mundo. Aliás, não apenas deste tipo de tumor: em 2017, conforme dados do INCA, 73.500 pessoas foram diagnosticadas com algum tipo de câncer provocado pelo tabagismo no país e 428 pessoas morrem diariamente no país por conta dele. A entidade aponta ainda que mais de 156 mil mortes poderiam ser evitadas anualmente se o tabaco fosse evitado.
Em 79% dos casos de câncer de pulmão, por exemplo, os pacientes eram fumantes, ou ex-fumantes. Apenas 21% nunca tiveram contato com o tabaco.
“Todo ano, cerca de dois milhões de pessoas são diagnosticadas com câncer de pulmão ao redor do globo. E quem fuma tem de 20 a 30 vezes mais chances de desenvolver esse tipo de tumor. Isso porque as substâncias químicas presentes no cigarro danificam e provocam mutações no DNA das células pulmonares, fazendo com que deixem de ser saudáveis e se transformem em células malignas”, diz Carlos Gil Ferreira.
O hábito de fumar também contribui para o aumento no risco de ocorrência de ao menos outros 12 tipos de câncer: bexiga, pâncreas, fígado, do colo do útero, esôfago, rim e ureter, laringe (cordas vocais), na cavidade oral (boca), faringe (pescoço), estômago e cólon, leucemia mielóide aguda. Adicionalmente, o tabagismo é um dos hábitos relacionados a formas mais graves de infecção pelo novo coronavírus.
Novos hábitos
“Parar de fumar não é um ato isolado na vida. A sensação de perda é muito grande, e o fumante deve encarar a cessação como uma oportunidade de fazer um balanço e modificar seus hábitos e estilo de vida. Para vencer a dependência psíquica, a dependência física e os condicionamentos é preciso ter muita força de vontade e contar com o apoio de profissionais de saúde, amigos e familiares. A partir desta mobilização, temos o objetivo de incentivar esse movimento em prol da saúde e da vida”, finaliza Clarissa Mathias.