A deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL), 32 anos, afirmou, neste sábado (12), durante visita a Araçatuba, que o presidente Jair Bolsonaro (PL) será derrotado nas urnas pelo ex-presidente Lula (PT), que terá o apoio do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) nas eleições de outubro.
Sâmia veio a Araçatuba com sua “caravana feminista”. Participou de atividades na Praça Rui Barbosa, inclusive com uma homenagem a Marielle Franco, ativista e política do PSOL assassinada em 2018, se reuniu com a militância de seu partido, com estudantes da Unesp e representantes de movimentos sociais da cidade e da região.
A deputada esteve na cidade com os pais e o filho Hugo, de oito meses, a quem ainda está amamentado. Em entrevista exclusiva ao RP10, a deputada fez um balanço de seu mandato, analisou o cenário político das eleições de 2022, do apoio político de seu partido ao ex-presidente Lula e criticou a aliança do PT com o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, que deve migrar para o PSB (Partido Socialista Brasileiro).
A política, que é formada em Letras pela USP (Universidade de São Paulo), onde também é servidora público, discorreu ainda sobre o feminismo e a gordofobia, tema que deve ser alvo de um projeto de lei de sua autoria, no Congresso. Confira a entrevista na íntegra:
Deputada, qual o motivo da sua vinda a Araçatuba?
Nós estamos com a caravana feminista, que é um giro de atividades pelo interior de São Paulo, já fui para Presidente Prudente, Sorocaba, já fui pra Rio Preto e agora em Araçatuba. O objetivo é visitar diferentes regiões do Estado para prestar contas das atividades do nosso mandato, visitar os locais para os quais a gente destinou emenda parlamentar e debater com a militância de esquerda, a militância do PSOL nas cidades a situação do País e também já pensar um pouco em como vai se dar o processo eleitoral, os primeiros passos disso. São muitos desafios, o Brasil está numa situação de crise muito profunda e, como agora a gente retomou definitivamente as atividades presenciais, com o avanço da vacinação, eu fiquei bastante tempo sem poder também circular pelo Estado, depois também fiquei grave, tive licença-maternidade, então agora é um bom momento para aproveitar e conversar bem com a militância.
Para Araçatuba, especificamente, o que o seu mandato fez?
Pois é, nós temos contato agora com o pessoal de Araçatuba. Quando eu me elegi deputada federal, eu tive votos tanto na capital quanto espalhados pelo Estado de São Paulo, e aqui em Araçatuba, é um núcleo muito recente. Então, o nosso contato com a militância que está se estruturando, com o Matheus e outros companheiros. A ideia é que no próximo ano a gente possa fazer destinação parlamentar, seja para a área da saúde, seja para a área da cultura, para a área da educação. É o último ano do nosso mandato desta primeira legislatura, então a gente quer encerrar contemplando regiões e municípios que não puderam ter sido contemplados nos últimos três anos. Hoje, aqui, a gente vai fazer uma atividade em homenagem a Marielle Franco, um debate com os setores da cultura, da educação, da saúde, justamente pra gente ver como a agente pode avançar. Por ora, a gente vai estruturar o cursinho popular, da Rede Emancipa, que envolve jovens, professores da rede, voluntários, e acho que a partir daí, dá pra gente desenvolver melhor um trabalho por aqui também.
Você citou a Marielle Franco, ex-vereadora do Rio pelo PSOL, que foi assassinada covardemente. Em Araçatuba, houve uma polêmica relacionada à pintura da imagem dela no muro de uma escola, que acabou apagada após manifestações contrárias da sociedade. Você acha que isso é um preconceito contra a esquerda e contra a mulher?
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Eu acho muito triste que isso tenha acontecido. A Marielle, infelizmente, porque a gente gostaria que ela estivesse aqui ainda, não tivesse se tornado um símbolo, mas ela, infelizmente, se tornou um símbolo de resistência, de luta, de visibilidade das pautas das mulheres, das negras e dos negros, das LGBTs e dos defensores dos direitos humanos, que são temas que infelizmente incomodam alguns setores da sociedade. Mas ela teve uma trajetória de luta totalmente ilibada, voltada para defender estes interesses, foi assassinada de maneira cruel, covarde. Vão completar quatro anos do seu assassinato sem que a gente saiba quem mandou matar e qual foi a motivação, e é por isso que também a imagem dela acaba sendo presente em vários muros, praças, no mundo inteiro a Marielle é homenageada. Hoje, nós vamos fazer uma nova homenagem pra ela também aqui e ela acaba incomodando setores que por ventura se sentem desconfortáveis com a organização desses setores, das mulheres, das negras e negros, das LGBTs. É uma pena que isso tenha acontecido numa escola, que é justamente um espaço que deve prezar pela boa formação, pela diversidade, pela aceitação e pelo respeito. Mas a impressão que eu tenho é que quanto mais atacam a imagem dela, mais ela se multiplica. As mulheres são eleitas para os espaços legislativos, mais jovens se inspiram também a entrar na política.
A região de Araçatuba é bastante conservadoras, elegeu Bolsonaro com quase 80% dos votos. Como a esquerda tem trabalhado para conquistar mais espaço no interior e também na região?
Pois é, realmente é desafior, no interior de São Paulo, de maneira geral, que tem uma vertente mais conservadora. Eu, originalmente, sou de Presidente Prudente, meus pais são de lá e eu entendo bem o que é crescer numa cidade que, enfim, tem um pensamento mais conservador, um modo de vida. Mas, nestes lugares, também, o pensamento progressista tende a se unificar. As pessoas, geralmente, se conhecem, se identificam, propõem sugestões para a cidade, e isso acaba reverberando de algum modo. E eu penso que nestas eleições, em especial, apesar de parecer um cenário muito difícil, há mais oportunidade e espaço para os pensamentos progressistas, para a organização de esquerda, porque a população brasileira fez a sua experiência com o Bolsonaro. Muitos que votaram nele são bolsonaristas convictos. Quero dizer, pensam à imagem e semelhança do que é o Bolsonaro. Mas há muitos que votaram achando que seria uma oportunidade de mudança, arriscaram, e agora percebem do que se trata o bolsonarismo, que significa miséria, fome, desemprego, genocídio, gasolina que em alguns lugares está chegando a dez reais, é um absurdo completo, então, por que não dá voz, prestar atenção no que diz os principais partidos de oposição que enfrentaram o bolsonaro e a sua política, que são os partidos de esquerda? Vejo como uma oportunidade, mas também uma responsabilidade pra gente de conseguir apresentar as propostas, quais são os nossos objetivos, desmontar os preconceitos e paradigmas que têm em torno da nossa atuação política, mas eu estou otimista, vejo muita aceitação nas ruas, vejo uma disposição ampla em derrotar o Bolsonaro nas urnas. Acho que não foi possível construir um processo de impeachmant porque a gente estava em plena pandemia, claro, além de ter a aceitação do Congresso, que infelizmente, hoje, está todo vendido para o Bolsonaro e também de parte da elite econômica e política do Brasil, é necessário a gente ir para a rua, o que não foi possível por causa da pandemia. Mas, eleitoralmente, eu acredito que vamos conseguir.
Como estão as articulações para as eleições majoritárias, para a presidência e para o Governo de São Paulo? O PSOL terá candidato próprio ou irá apoiar o ex-presidente Lula? E o Boulos, vai mesmo retirar a candidatura para dar apoio ao Haddad?
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O debate que nós fizemos no PSOL durante o congresso, no ano passado, dividiu o partido praticamente no meio. Metade acreditando que era importante ter uma pré-candidatura própria do PSOL, e parte, desde então, já apoiando a pré-candidatura do presidente Lula, acreditando que já era o momento de sinalizar isso para a sociedade. Eu faço parte daqueles que defendiam e ainda defendem uma pré-candidatura própria, porque eu acredito que as eleições são um espaço muito privilegiado para a prestação das nossas ideias. Seja porque tem os debates eleitorais na grande mídia e isso atinge milhões de pessoas, porque você aparece nas pesquisas, você tem um espaço privilegiado programático. E também porque o PSOL tem um desafio muito grande esse ano, que é superar a cláusula de barreira, que é eleger ao menos 11 deputados para o Congresso Nacional. Parece simples, mas não é tão simples, porque é um partido de esquerda, socialista e que se organiza através da sua militância, não com financiamento do grande empresariado, como muitos outros candidatos. Mas, hoje, a tendência quase certa é que o pessoal, de fato, vá apoiar o presidente Lula, porque também tem uma correlação de forças internas. A minha principal preocupação neste cenário é que o PSOL não perca a sua identidade e não se dissolva. O que eu quero dizer com isso? O Lula fechou aliança com o Geraldo Alckmin, que foi governador do Estado de São Paulo, ainda que esteja no PSB, ele é um tucano da plumagem mais relusente que existe entre os tucanos, é inimigo da educação, da saúde, dos servidores, dos movimentos sociais. Precisa haver espaço para que o PSOL apresente o seu programa, porque Bolsonaro vai ser derrotado nas urnas, eu tenho a convicção disso, mas o bolsonarismo, como movimento político, infelizmente vai seguir existindo. Eles vão eleger seus parlamentares, eles organizaram as suas células, inclusive nazistas, como mostraram algumas pesquisas recentes.
Qual seria o nome do PSOL para a presidência?
O deputado Glauber Braga foi o nome aprovado por 44% do partido. Ele é nosso deputado federal pelo Estado do Rio de Janeiro, foi este o nome defendido, mas muito provavelmente vai ser o presidente Lula e agora o nosso desafio é conseguir apresentar as nossas bandeiras nesse movimento democrático que vai vir tem torno do seu nome.
E para o governo de São Paulo?
O partido definiu por unanimidade o nome de Guilherme Boulos como nosso candidato a governador, porque ele foi para o segundo turno nas eleições de 2020.
Mas há uma possibilidade de ele abrir mão da candidatura para apoiar Fernando Haddad…
Sim, e sair a deputado federal. Mas aí existe um novo debate no PSOL. Se não é Guilherme Boulos, se não é lançar uma outra candidatura para que este espaço não fique vago ou se já embarcaria de fato também na candidatura do Haddad. Isso ainda é um debate muito recente, tendo em vista que foi unanimidade o nome do Guilherme Boulos e as pessoas, internamente, ainda estão se preparando para pensar no plano B. Por parte do Boulos, há uma definição já de apoiar o Haddad, mas precisa ter uma construção interna no partido, não é uma definição simplesmente individual, porque foi o congresso que definiu. Eu sei que há outras pessoas que querem ocupar esse espaço, grupos políticos internos, então, daqui até abril vai ser um longo debate no partido.
Quando você assumiu, destacou algumas pautas feministas, mas disse que não se limitaria a elas. Que balanço faz deste seu primeiro mandato?
O eixo de atuação do nosso mandato é a pauta de mulheres, eu sou a parlamentar que mais apresentou projetos, requerimentos e lutas em torno do tema das mulheres, porque é uma obrigação de vida, é a minha vocação, eu sou uma feminista e acho que estou naquele espaço também para isso. Mas a gente também teve uma atuação muito forte na área da educação, que é também de onde venho, me formei como professora, servidora de uma universidade pública estadual, que é a Universidade de São Paulo. Fui muito atuante na estruturação do Fundeb, para a garantia de que houvesse recursos públicos para as escolas públicas, o que foi uma polêmica. Parte dos deputados queria que houvesse parte desses recursos para as escolas privadas e foi fundamental esta nossa conquista. Também toda uma defesa dos interesses dos servidores, das servidoras públicos estaduais, federais e municipais, que foram muito prejudicados também na pandemia com o congelamento salarial e, enfim, foi um enfrentamento que nós fizemos no Congresso. Teve uma política que eu gosto muito e reivindico bastante que é a do edital aberto para as emendas parlamentares, que foi uma das perguntas, inclusive, que você me fez. Ao invés de eu simplesmente definir para onde vai o dinheiro, o que gera uma relação fisiológica com prefeitos e os coronéis do interior, oligarquias, a gente faz uma consulta pública, para que as pessoas definam, destinem. Eu achei isso bem interessante, porque gerou uma participação popular, democrática, grupos que nunca acessam o orçamento público, pela primeira vez, conseguiram. Acho que é um legado importante, uma novidade que o nosso mandato trouxe e eu espero que se expanda para as demais experiências legislativas.
O apresentador Danilo Gentili, do SBT, a chamou de gorda nas redes sociais, em 2019. Você tem alguma pauta sobre gordofobia? Como vê este tema no País?
Pois é, é quase inacreditável que isso aconteça. Mas sabe que isso é um dos tentáculos do machismo na sociedade. Pelo menos na forma como ele se expressou comigo, porque não fosse o elemento da gordofobia, da aparência física, seria algum questionamento da capacidade intelectual. Isso está ligado à misogenia, porque o próprio Danilo Gentili inclusive já operou desta forma com outras figuras públicas, sejam da política ou não. A resposta pra ele, além de uma resposta política, de uma problematização do que isso significa, é uma resposta jurídica. Nossa equipe moveu um processo contra ele, espero que em breve tenha alguma resposta, e não por uma questão de vingança, mas é porque eu acho que é pedagógico, porque quando uma pessoa pública que tem milhões de seguidores, faz essa ofensa a uma mulher, ela estimula e autoriza que outros homens façam o mesmo, porque ele tem milhões de seguidores que se empolgam com aquele tipo de comportamento, então, uma sanção ao Danilo é mostrar para os demais homens que têm consequências os seus atos e que as mulheres merecem e precisam ser respeitadas. Acima de tudo, é respeito. Não estou na política pra ter a minha forma física avaliada, aliás, isso não tem a menor importância, nem pra homens, nem pra mulheres. Mas por que este questionamento recaem sobre as mulheres, sendo que elas estão ali pra legislarem, para defenderem os interesses da população, pra discutir o orçamento, pra, no meu caso, enfrentar o presidente da República, e não pra agradar a este ou aquele padrão estético de um sujeito como o Danilo Gentili, mas muitas mulheres passam por isso em seus locais de trabalho, nas redes sociais, são faces cruéis da misoginia que eu tenho a impressão de que as mulheres estão se organizando mais pra combater e responder à altura.
Politicamente, tem algum projeto relacionado à gordofobia?
Acho que, pela perspectiva da conscientização, da educação política sobre o tema seria algo que eu tenho bastante apreço. Eu aprovei, inclusive, um projeto de lei, que é o Maria da Penha nas escolas, que visa debater o tema do machismo e da violência contra as mulheres no ambiente escolar. Acho que pode ser uma ótima ideia, inclusive a partir do nosso diálogo, que se estenda também para o tema da gordofobia, porque nas escolas isso acontece muito a prática do bulling e é um lugar privilegiado, inclusive, para que isso seja desconstruído.