Novo estudo publicado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) aponta que a região teve 56,6% de aumento no desmatamento do seu território nos últimos três anos (2019-2021) em relação ao período anterior (2016-2018), com destaque para territórios indígenas, que alcançam 153% de aumento na média de derrubada.
Ao programa Central Entrevista, Ane Alencar, diretora de Ciência do Ipam, que participou da elaboração do estudo, explica que mais da metade do desmatamento da floresta ocorreu em terras públicas, ou seja, é desmatamento ilegal e deveria ter sido impedido e passível de punição pelo poder público.
“Fica claro que pelo menos mais da metade da floresta que foi derrubada na região, nos últimos três anos, ocorreu em terras públicas. Uma parte são áreas protegidas, entre territórios indígenas e unidades de conservação; e outra parte ocorreu nas terras públicas que ainda não foram destinadas. Isso indica que pelo menos metade do desmatamento é ilegal”, aponta.
A cada ano, a situação tem se agravado de maneira alarmante, ao ponto de os estudiosos considerarem que foi alcançado um “novo patamar de desmatamento”. Esse fenômeno acontece em razão do aumento da média anual do índice, que antes girava em torno de 6 mil a 7 mil quilômetros quadrados desmatados, mas agora alcança a média de 10 mil quilômetros.
Desmatamento para extração ilegal
Ane avalia que o novo patamar de desmatamento brasileiro é ditado pelos próprios invasores, que desmatam as terras públicas para que possam estabelecer no local atividades como a extração ilegal de madeira, minério e monoculturas do agronegócio.
“Essa dinâmica tem sido ditada por agentes que querem, basicamente, ocupar terras públicas tendo diversos tipos de comportamento, desde extração ilegal de madeira até a ocupação de terras públicas, mineração ilegal, invasão de terras indígenas. Esses são os tipos de atores que temos visto no protagonismo do desmatamento da Amazônia hoje em dia”, explica.
Risco à vida de povos indígenas
No estudo do Ipam, chama a atenção o aumento de 153% no desmatamento da Amazônia concentrado nos territórios indígenas, incluindo áreas não homologadas e aquelas onde vivem povos indígenas até então isolados.
Em entrevista, a pesquisadora do Ipam destaca como exemplo o caso da terra indígena (TI) Ituna-Itatá, que abriga povos isolados e, localizada na área de influência da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, ocupa hoje um dos maiores índices de desmatamento em terras indígenas do país.
Desmatamento alarmante durante governo Bolsonaro
Em estudo inédito lançado em 28 de janeiro, o Relatório Técnico sobre Desmatamento e Invasões na Terra Indígena Ituna-Itatá, produzido pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e pela Organização dos Povos Isolados (OPI), aponta que o desmatamento nas terras indígenas com registros de grupos isolados cresceu alarmantes 1.493% durante o governo Bolsonaro.
Com o desmonte da estrutura pública de fiscalização ambiental e flexibilização das leis de conservação e do uso das terras, sejam elas públicas ou privadas, grileiros fazendeiros, garimpeiros e madeireiros avançam livremente sobre a Amazônia dia e noite.
Levantamento divulgado em 2019 pelo Greenpeace aponta que 93% da Ituna-Itatá está comprometida por fazendeiros que garantem possuir propriedades dentro da área, inclusive, sob o Cadastro Ambiental Rural (CAR), um dos principais instrumentos do Código Florestal Brasileiro.
A pesquisadora Ane Alencar avalia que a terra indígena está loteada, e a fragilidade de proteção fundiária aos territórios indígenas favorece as invasões e, consequentemente, o desmatamento da área.
“Já pensou uma terra indígena que já está loteada, pelo menos no CAR? E essa é uma das terras indígenas que ocupa uma das mais altas posições no ranking de desmatamento. Então, as pessoas sabem que essa terra indígena tem uma fragilidade fundiária, e a invasão tem corrido solta”.
Cercado por fronteiras agrícolas, Parque Nacional do Xingu é considerado o “milagre da preservação” / Leonardo Prado/PGR
Preservação da mata e da vida
Segundo o Ipam, as áreas mais conservadas da floresta são as terras indígenas, onde ocorreu apenas 1,6% da perda de florestas e da vegetação nativa do Brasil, ao longo de 35 anos (1985-2020).
Isso acontece porque os povos indígenas têm um modo de vida integralmente ligado à conservação, proteção e uso sustentável da natureza, de maneira que a consideram mãe e fonte de vida.
Dessa maneira, desmatar as florestas é também dizimar a vida dos povos indígenas, especialmente dos povos isolados que até hoje se mantêm totalmente dependentes dos recursos da natureza, como explica Ane.
“Os povos indígenas tem a vida, de uma certa forma, dependente da saúde das florestas, da saúde dos rios. O desmatamento tira a floresta, impacta os recursos hídricos. Então, aquele modo de vida não consegue se reproduzir. [O desmatamento] é um perigo muito grande, principalmente para os povos que ainda não foram contactados, os povos isolados”.
Ane aponta que os povos indígenas desempenham um papel fundamental na conservação da Amazônia, destacando-se o Parque Indígena do Xingu, no estado do Mato Grosso. Primeira grande área indígena reconhecida pelo governo brasileiro, o parque é habitado por 16 povos indígenas de diferentes idiomas.
“Quando olhamos para as cabeceiras do rio Xingu, no Mato Grosso, fora o Parque Indígena do Xingu, as cabeceiras estão muito desmatadas, então demonstram o papel que esses indígenas têm na conservação. Elas estão daquela forma porque o modo de vida dos indígenas atua de forma harmônica com a presença da floresta”, avalia.