A 3ª Vara da Justiça Federal do Rio de Janeiro proibiu, no último sábado (15), a União e, inclusive, o presidente Jair Bolsonaro (PL) de utilizar o termo “lepra”. Em caso de descumprimento da decisão, a multa é de R$ 50 mil por dia. O termo, considerado de cunho pejorativo, se refere à doença de hanseníase.
A decisão da Justiça Federal partiu de uma ação movida pelo Movimento de Reintegração das Pessoas com Hanseníase (Morhan). Seu representante, o advogado Carlos Nicodemos, utilizou a Lei 9.010, de 1995, para embasar o peticionamento. A legislação determina que o termo “lepra” e “seus derivados” não podem “ser utilizados na linguagem empregada nos documentos oficiais da Administração centralizada e descentralizada da União e dos Estados-membros”.
De acordo com o movimento, o termo tem teor discriminatório e estigmatiza os pacientes de hanseníase, que, antigamente, eram submetidos a isolamento e internação compulsórios.
Em dezembro de 2021, o presidente afirmou que “quem já leu ou viu filmes daquela época, quando Cristo nasceu, o grande mal daquele momento era a lepra. O leproso era isolado, distância dele. Hoje em dia, temos lepra também, continua, mas o mundo não acabou naquele momento”. O discurso foi veiculado na TV Brasil, o que, para o juiz federal Fabio Tenenblat, não deixa dúvidas de que houve desrespeito à legislação.
O que é a hanseníase?
Denominada como “lepra” até a década de 1990, a hanseníase, identificada primeira vez em 1873 pelo cientista Armauer Hansen, é uma doença infectocontagiosa causada pela bactéria Mycobacterium leprae ou bacilo de Hansen. Conforme dados da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), a hanseníase atinge cerca de 30 mil brasileiros por ano, e seu período de incubação – o tempo entre a contaminação e a manifestação dos sintomas – varia de seis meses a cinco anos.
Nos casos mais leves, os sintomas são manchas mais claras, vermelhas ou mais escuras, pouco visíveis e com limites imprecisos, além da alteração da sensibilidade no local, perda de pelos e ausência de transpiração.
Nos casos moderados, quando algum nervo é afetado, os sintomas podem variar entre dormência, perda de tônus muscular e até mesmo retração dos dedos, por exemplo, gerando incapacidades físicas.
Já nos mais agudos, podem surgir caroços e inchaços nas partes mais frias do corpo, como pés, mãos, orelhas e cotovelos.
Mitos sobre a hanseníase
Segundo Araci Pontes Aires, assessora do Departamento de Hanseníase da SBD, o principal mito relacionado à hanseníase é o suposto contágio pelo contato. “A transmissão se dá unicamente pelas vias aéreas”, explica.
Outro mito é que a doença causa a amputação de membros do corpo. O que ocorre na realidade é que com a falta extrema de sensibilidade o paciente pode se ferir e aquele ferimento se infeccionar. Sem o tratamento adequado, a infecção pode necrosar a área ferida, sendo necessária a amputação. Mas a doença, por isso só, não causa isso.
“A principal manifestação da doença são as manchas na pele com alteração de sensibilidade, a mancha dormente, em que a pessoa, quando encontra alguma coisa quente, pode até se queimar, porque não tem o mecanismo de defesa da dor”, afirma Aires.
Tratamento da hanseníase
Até a década de 1990, não havia cura para a lepra, sendo os pacientes isolados pela vida toda em hospitais conhecidos na época como “leprosários”. Com a evolução da ciência e da medicina, que descobriu um tratamento, e para combater o estigma em relação à lepra, convencionou-se chamá-la de hanseníase.
“A lepra era uma doença contagiosa que não tinha cura. Já a hanseníase é uma doença que tem tratamento e que tem cura. Daí a mudança da denominação da doença também”, afirma Aires.
Hoje o tratamento é feito totalmente em casa. O paciente deve ir a uma unidade de saúde somente para receber mais medicação. Depois de seis meses a um ano, a depender do grau da doença de cada um, o paciente recebe alta e está curado. Mas é bom lembrar que quanto mais precoce o tratamento, menor são as chances de ter sequelas.
Para isso, o paciente deve procurar o Sistema Único de Saúde (SUS) logo que começar a sentir os primeiros sintomas. A doença é diagnosticada, na maioria das vezes, apenas com o exame clínico de sensibilidade ou da presença de caroços.
“O profissional vai pegar um ‘tubinho’ com água morna e encostar na pele para ver se a pessoa está sentindo ou não que aquela água está quente. Tem que ser feito por um profissional de saúde, não é para fazer em casa pegando fósforo e encostando na pele porque vai se queimar”, alerta Aires. Todos os exames e o tratamento são gratuitos e estão disponíveis no SUS.