Rios transbordando por cima das pontes, cidades alagadas até o telhado de suas casas, carros flutuando pelas ruas. As fortes chuvas durante o mês de dezembro no sul da Bahia deixaram até o momento 20 mortos e 36 mil pessoas sem suas casas.
A explicação para as tempestades atípicas que fizeram com que o governo baiano decretasse situação de emergência em 72 cidades está em uma conjunção de fatores que não estão necessariamente relacionados com as mudanças climáticas em escala global, segundo especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato.
O primeiro desses fatores é uma faixa de nuvens que se desloca, num corredor de umidade, da Amazônia até o sul do Atlântico. A chamada Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) é típica dessa época do ano e normalmente se posiciona sobre a região sudeste do Brasil.
Foi esse fenômeno que provocou alagamentos em dezenas de cidades mineiras no início de 2021. E também que, há 10 anos, causou as chuvas torrenciais que mataram 918 pessoas na região serrana do Rio de Janeiro em 2011.
E o segundo fator acontecendo no momento está relacionado à temperatura dos oceanos. Foi o que fez com que essa faixa de nuvens se concentrasse, dessa vez, nessa região da Bahia.
Trata-se do fenômeno La Niña, que esfria as águas do Pacífico equatorial, causando um aumento de chuvas no centro-norte do Brasil, reforçado pelo El Niño, que aquece o Atlântico, levando calor e umidade ao nordeste.
“Em resumo, tanto o oceano Atlântico como o Pacífico estão trabalhando juntos para termos chuvas acima da média na região nordeste”, explica o metereologista Marcelo Seluchi, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
Wagner Ribeiro, professor do departamento de Geografia da USP (Universidade de São Paulo), aponta que isso gera uma área de baixa pressão no oceano, perto da região costeira do Brasil. “A baixa pressão suga essa energia que vem da Amazônia. Assim, ao invés da Zona de Convergência se deslocar, como seria previsto, vemos esse efeito que é incomum”.
Segundo os especialistas, esses fenômenos não são necessariamente consequência das mudanças climáticas causadas pelo aquecimento global.
“O que se especula hoje é em que medida o La Niña e o El Niño estão mais frequentes em função do aumento da temperatura do planeta. Essa pergunta não tem resposta, mas a associação que se faz com o aquecimento global é plausível”, expõe Ribeiro.
Eventos climáticos extremos e as dívidas sociais brasileiras
Na visão de Marcelo Seluchi, o planejamento e a antecipação das fortes chuvas que estão caindo na Bahia evitaram que o número de mortes fosse maior. Conforme conta, o Cemaden previu as tempestades e suas consequências com cinco dias de antecedência.
“Conseguimos falar com a Defesa Civil Nacional, houve preparação, carros de som anunciando em cidades pequenas, evacuação das pessoas”, relata Seluchi.
Para Ribeiro, “o Brasil tem, por meio das mudanças climáticas, uma oportunidade rara de pagar as dívidas sociais criando maior resiliência a elas”.
“Temos um quadro de vulnerabilidade social bastante agudo, que se traduz por moradias muitas vezes situadas em áreas de risco a desmoronamentos e alagamentos. É preciso olhar para essa população e oferecer alternativas de moradias adequadas”, defende.
“Mas veja, quando chove 136mm num dia, foram pontes que foram transportadas”, pondera. “A água, quando está com esse volume, tem uma energia enorme que faz com que ela de fato cause problemas seríssimos. Evidente que quando esse volume de água cai numa área de vulnerabilidade, as consequências são dramáticas”.
Marcos Bernardes é professor da UFSB (Universidade Federal do Sul da Bahia) e presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica dos rios Frades, Buranhém e Santo Antônio. “Neste momento de crise aguda a prioridade deve ser mesmo o atendimento de necessidades básicas das populações atingidas”, diz.
“Na sequência”, defende Bernardes, “precisamos tirar lições dessa tragédia e agir para reduzir os riscos de futuros eventos como esses, que tendem a ser mais intensos e frequentes”.