(Vasconcelo Quadros) – Agora um presidenciável filiado ao Podemos, o ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, colocou-se no evento desta quarta-feira (10.11), em Brasília, como a opção de terceira via destinada a tentar romper a polarização entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro. Mas o efeito mais visível da nova trajetória do ex-juiz da Lava Jato é a consolidação de um racha na direita com a adesão do grupo de militares mais influentes nas Forças Armadas ao seu projeto de poder.
“O novo nesse cenário é que agora há dois candidatos com apelo militar, algo inédito na história do país. A direita está dividida”, diz o cientista político João Roberto Martins Filho, especialista em Forças Armadas e organizador do livro “Os Militares e a Crise Brasileira”, que trata justamente das raízes e do significado do militarismo que, com o arrefecimento da cultura golpista, vem ingressando fortemente na política. Ele não tem dúvidas de que Moro é um nome bem aceito pela caserna, com potencial para conquistar mais apoio entre os oficiais da reserva que exercem papel de liderança política na tropa, mas estavam neutros ou em silêncio diante da forte presença militar no governo Bolsonaro.
Martins Filho acha que a divisão pela direita, com Moro e Bolsonaro disputando apoios da ativa e da reserva, colocará em confronto os generais que desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff entraram para a política, seja através de partidos ou ocupando cargos no governo. De um lado, segundo ele, está o grupo palaciano no qual se alinham Walter Braga Neto, ministro da Defesa, Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência, Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército e assessor especial do GSI, que devem manter o apoio a Bolsonaro até o fim do mandato por lealdade.
No outro lado da contenda estão os militares que formam o chamado “grupo da cavalaria”, que gravitam em torno do general Sérgio Etchegoyen, ex-chefe do GSI do governo Michel Temer, um discreto articulador de uma terceira via com coloração verde-oliva. Junto com ele estão nomes como os generais Carlos Alberto Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria Geral, Paulo Chagas, ex-candidato ao governo do Distrito Federal, Fernando Azevedo e Silva, ex-ministro da Defesa, Maynard Santa Rosa que, no comando da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), chegou a elaborar um amplo estudo sobre o Brasil do futuro, sobre o qual não há notícias de que Bolsonaro sequer tenha lido.
No rastro de Moro, oficiais como Santos Cruz e Chagas também vão se filiar ao Podemos, abrindo caminho para uma disputa que possa garantir candidaturas militares aos governos estaduais, Congresso e, o mais importante, na formação de uma chapa híbrida com o ex-juiz na cabeça e um oficial como vice. O sonho de consumo desse grupo é convencer o vice-presidente Hamilton Mourão, hoje filiado ao PRTB, a se colocar na disputa. “Há um entusiasmo nas hostes militares com uma possível Chapa Momo, que na minha opinião é disparada a melhor opção”, disse à Agência Pública o general Paulo Chagas que, junto com Santos Cruz, participou do evento de filiação de Moro ao Podemos.
Políticos e militares ouvidos pela Pública acham, no entanto, que embora seja cedo para avaliar o desempenho de Moro ou a formação de coligações, os abalos no centro-direita e mesmo entre os militares que estão no governo serão inevitáveis. “A interferência militar na política vai dividir as Forças Armadas. As baixas patentes, que foram prejudicadas com a reforma da Previdência, podem até votar no PT”, prevê o professor João Roberto Martins Filho, da Universidade Federal de São Carlos.
O cientista político diz que o ex-capitão do Exército Jair Bolsonaro foi uma alternativa problemática para os militares em 2018 porque, uma vez eleito, os generais não conseguiram controlá-lo. Os dissidentes, como Paulo Chagas e Santos Cruz, representam o maior perigo para o bolsonarismo, segundo Martins Filho, por seu poder de destruição, já que o conhecem por dentro e são, de certa forma, vítimas de seus métodos. Paulo Chagas, o primeiro a romper com Bolsonaro por causa da influência do astrólogo e filósofo Olavo de Carvalho no governo, diz que seu colega Santos Cruz foi vítima de uma falsa denúncia armada pelo vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente, com apoio do blogueiro Alan dos Santos. O general foi demitido com base num print em que teria chamado o presidente de imbecil e seu filho de desequilibrado, versão apontada como falsa pela Polícia Federal. “Não tenho dúvidas que o Bolsonaro sabia que era armação. Acho que o Santos Cruz errou ao deixar o governo em silêncio”, afirmou Chagas.
Embora também tenha sido alvo do gabinete do ódio e de críticas explícitas de Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão trilhou caminho independente no governo. Preside o Conselho Nacional da Amazônia e, em alguns momentos, atuou como diplomata para apagar conflitos gerados pelas declarações do presidente contra outros países, como a China. Como não é demissível, Mourão não se deixa abalar com as críticas da família presidencial. Acabou se impondo como um contraponto ao presidente e o nome mais forte entre os militares para eventual aliança entre o PRTB e Podemos. O problema é que, embora assediado, o vice não alimenta esperanças depositadas nele por seus colegas de farda. Diz que a eleição está muito longe ainda e que seu plano original é disputar uma vaga ao Senado pelo Rio Grande do Sul.
O general Santos Cruz também é visto como uma opção do grupo. Ele desconversa. “O meu caso é individual, não tem nada a ver com o Exército. Eu acho que a polarização que nós temos aí é de dois populistas que estão destruindo a democracia da mesma forma, através de mensalão, de orçamento secreto. Eu acho que a população tem que escolher uma outra opção. O Sergio Moro é uma excelente opção, então o meu apoio vai para ele”, disse o ex-ministro de Bolsonaro.
Terceiro colocado nas pesquisas eleitorais, Moro, com o evento da filiação ao Podemos, tenta se apresentar como a opção mais viável para encabeçar uma coligação contra Lula e Bolsonaro. “Gostei do discurso dele. Mas ainda é cedo para se falar em apoio. Tem outros nomes disputando a terceira via”, disse à Pública o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, presidenciável do DEM que participou do evento e posou para fotos ao lado do ex-juiz. O senador Alessandro Vieira (ES), apontado como opção do Cidadania, também participou do evento e deu declarações na mesma linha. Congestionada, a terceira via tem ainda outros nomes, como Ciro Gomes (PDT), os governadores João Dória e Eduardo Leite (PSDB), e os senadores Rodrigo Pacheco, presidente do Senado (PSD) e Simone Tebet (MDB). As próximas pesquisas eleitorais serão cruciais para determinar se Moro consolida (ou não) a dianteira na terceira via.
Com pose e discurso de candidato, o ex-juiz parece ter esquecido que o evento desta quarta-feira era uma cerimônia de filiação e anunciou os principais eixos de seu programa de governo: combate a corrupção, reformas, erradicação da pobreza, controle da inflação, responsabilidade fiscal, emprego, desenvolvimento sustentável, melhoria dos serviços de saúde, educação e segurança, proteção da família, cultivo às liberdades e respeito “ao próximo e com o diferente”, tudo de acordo, naturalmente, com a linha de centro direita do partido que escolheu.
O tom messiânico, seguindo a postura que assumiu quando ainda era o juiz da Lava Jato, foi realçado quando justificou seu ingresso à política partidária depois de um ano nos Estados Unidos como consultor da empresa americana Alvarez & Marsal: “A gota d’água para mim foi encontrar um estudante brasileiro no exterior que me perguntou ‘Moro, é verdade que você abandonou o Brasil?’ Aquilo foi como um tiro no meu coração. Eu não poderia e nunca vou abandonar o Brasil. Se necessário, eu lutaria sozinho pelo Brasil e pela Justiça. Seria Davi contra Golias”, disse o candidato. Moro justificou seu ingresso na política pelo Podemos, argumentando que é “um partido que apoia as pautas da Lava Jato”. Conservador e de centro-direita, o partido tem, no entanto, dirigentes investigados por suspeitas de desvios. A presidente do Podemos, deputada Renata Abreu, é alvo de inquérito no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por ter supostamente incentivado candidaturas femininas laranjas em 2018. Outro que já teve problemas com a justiça é o secretário-geral, Luiz Claudio de Souza França, apanhado numa gravação de vídeo recebendo R$ 38 mil do ex-secretário de Relações Institucionais do Distrito Federal, Durval Barbosa, alvo da Operação Caixa de Pandora, que derrubou o ex-governador José Roberto Arruda, em 2010.
Apesar dos colegas de partido, no longo discurso de 442 linhas e 25 mil caracteres, o candidato continuou centrando o foco no discurso anticorrupção. Sem citar Bolsonaro, afirmou que o combate à corrupção perdeu força com medidas que dificultam o trabalho da polícia, de juízes e procuradores. “É um engano dizer que acabou a corrupção quando, na verdade, enfraqueceram as ferramentas para combatê-la”, alfinetou, depois de citar a modalidade de desvio mais cara ao presidente da República: “chega de corrupção, chega de mensalão, chega de petrolão, chega de rachadinha”, disse. Ele prometeu criar uma corte nacional anticorrupção e defendeu a volta das prisões em segunda instância, sua principal derrota como ministro de Bolsonaro.
O ex-juiz também defendeu a independência do Ministério Público e a autonomia da polícia nas investigações contra a corrupção – ele saiu do governo acusando Bolsonaro de tentar interferir na Polícia Federal. Na semana passada, ouvido em sigilo pela PF, Bolsonaro negou a interferência. No depoimento, acusou Moro de ter condicionado a demissão do ex-diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, à sua indicação para o Supremo Tribunal Federal, e disse não ter cedido à pressão.
A estreia de Moro na política foi acompanhada por cerca de 500 pessoas reunidas num centro de convenções em Brasília. Pelo que apontam as pesquisas eleitorais, ele agora irá disputar com Bolsonaro a preferência do eleitorado de centro-direita para decidir que irá com Lula para o segundo turno das eleições no ano que vem.