O mural em homenagem à ativista política Marielle Franco, na Escola Estadual Vitor Antônio Trindade, em Araçatuba, foi apagado e coberto com tinta verde, na noite dessa quinta-feira (26), após o Conselho Escolar ter decicido pelo apagamento da arte, em reunião realizada na quarta-feira (25).
O Conselho, composto de 18 pessoas, entre pais, alunos, professores e funcionários, deliberou pelo apagamento do mural por 15 votos favoráveis e 3 contrários. Ainda não se sabe quem fez a cobertura da arte com tinta, se ela foi apagada com autorização da escola ou se foi um ato isolado de terceiros.
Uma professora da escola ouvida pela reportagem relatou que, ao sair da aula, na noite de ontem (26), se deparou com o mural coberto de tinta verde. “Me deu uma sensação de tristeza, de frustração, ver um trabalho tão bonito, com uma representatividade tão importante, ser destruído desse jeito”, afirmou, pedindo para não ter a identidade revelada.
Além da imagem de Marielle Franco, o mural trazia os dizeres: ““Quiseram nos enterrar, não sabiam que éramos sementes. Marielle Presente”. Pela decisão do Conselho, na quarta-feira (25), os artistas responsáveis pelo mural seriam notificados e teriam cinco dias para providenciar o apagamento.
A professora de artes Roberta Baroni, que fez o mural junto com o artista plástico Mauro Soh, foi procurada pela reportagem, mas não respondeu aos questionamentos. Soh não foi localizado até o fechamento desta matéria. A próxima imagem que vai ilustrar o muro da escola será escolhida em cinco dias pelo Conselho Escolar.
Entenda o Caso
O painel foi finalizado no dia 15 de agosto no muro da escola, após um consenso entre a comunidade escolar que foi referendado pelo próprio Conselho Escolar. Porém, cinco dias depois, o mesmo Conselho se reuniu e decidiu que a arte deveria ser apagada, após críticas de pessoas ligadas à partidos de direita.
O argumento foi que a arte tinha cunho político-partidário por retratar uma ex-vereadora do PSOL. Eleita com mais de 46 mil votos para a Câmara Municipal do Rio de Janeiro, Marielle foi morta a tiros no dia 14 de março de 2018, junto com seu motorista, Anderson Gomes.
A ilustração também foi criticada pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). O filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) alegou que o painel era um culto “a pessoas pró-drogas, abortistas, desarmamentistas e socialistas”. Outra manifestação contrário foi da vereadora bolsonarista Sonaira Fernandes (Republicanos), de São Paulo.
Para grupo, apagamento é censura e afronta à liberdade de expressão
De outro lado, professores, artistas, jornalistas e representantes de movimentos populares se manifestaram contrários ao apagamento, alegando censura e afronta à liberdade de expressão.
Para eles, o legado de Marielle, que se tornou um ícone na defesa das minorias e dos Direitos Humanos, deveria ser respeitado, pois a ativista não representa apenas o PSOL, mas faz parte da história do Brasil, portanto, não representa a partidarização da instituição de ensino.
Na quarta-feira (25), um abaixo-assinado com 436 assinaturas chegou a ser protocolado na Diretoria de Ensino de Araçatuba pela Rede Emancipa Araçatuba, movimento que atua na educação escolar, pedindo que a decisão de apagar o mural fosse revista.
Outro documento, um requerimento assinado pelo advogado Renan Salviano, também pedia ao órgão a manutenção da manifestação artística, sob o argumento de que a decisão pelo apagamento é discriminatória e ilegal.
Com a polêmica instalada, o Conselho Escolar da Vitor Antônio Trindade decidiu se reunir novamente para deliberar sobre o assunto e acabou confirmando a decisão anterior pelo apagamento da ilustração, na noite dessa quarta-feira.
Após a deliberação pela destruição da arte, um grupo formado por professores, advogados e representantes de movimentos populares prometiam ir à Justiça para reverter a decisão.
Quem foi Marielle Franco
Marielle Franco foi uma socióloga, política e ativista defensora dos Direitos Humanos e das minorias. Foi eleita com mais de 46,5 mil votos para a Câmara do Rio de Janeiro e assassinada a tiros em 14 de março de 2018, junto com o seu motorista, Anderson Gomes.
A ativista participou da criação de cursinhos nas favelas, por meio de projetos em defesa da educação popular. Trabalhou em organizações da sociedade civil como a Brasil Foundation e o Centro de Ações Solidárias da Maré (Ceasm). Coordenou a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) e construía diversos coletivos e movimentos feministas, negros e de favelas.
Após sua morte, sua família criou o Instituto Marielle Franco, com a missão de manter viva a memória da ativista e seguir com ações voltadas a jovens, mulheres negras, LGBTQIA+ e periféricas.
Acusados do assassinato devem ir a júri popular no fim de 2021
Um ano após o crime, o policial reformado Ronnie Lessa e o ex-PM Elcio Queiroz foram presos, em março de 2019. Eles foram denunciados pelo Ministério Público como autores dos assassinatos de Marielle e de seu motorista. As investigações em torno de um possível mandante ainda não foram concluídas.
Segundo as investigações do Ministério Público e da Polícia Civil, Lessa efetuou os disparos que tiraram a vida da vereadora e de seu motorista, enquanto Élcio de Queiroz era o motorista do carro usado no duplo homicídio. Os dois devem ir a júri popular até o final deste ano.