Um mural de Marielle Franco em escola de Araçatuba está causando polêmica. A reprodução de uma ilustração com a imagem da socióloga e ativista política, no muro da Escola Estadual Vítor Antônio Trindade, conhecida como Industrial, é alvo de polêmica em Araçatuba (SP), gerando embates nas redes sociais e na comunidade.
O mural, concluído no dia 15 de agosto, ou seja, há cinco dias, poderá ser apagado, após uma decisão do mesmo Conselho Escolar que havia autorizado a sua confecção. O imbróglio, no entanto, deve ganhar contornos jurídicos nas próximas horas, já que um grupo de professores pretende ingressar na Justiça para impedir que a arte seja destruída.
Embates dentro e fora da escola
De um lado, um grupo formado por artistas e professores defende que a memória da ativista, que era vereadora no Rio de Janeiro pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) e foi assassinada a tiros em 2018, deve ser preservada, para lembrar a sua luta pelas minorias. De outro, representantes ligados a partidos de direita, argumenta que trata-se de um manifesto de cunho político-partidário, “com a finalidade de criar uma ideologia revolucionária dentro do colégio”.
A ideia de fazer o mural em homenagem à Marielle Franco partiu da própria comunidade escolar. A professora de artes Roberta Baroni assina a ilustração com o também artista plástico Mauro Soh. A iniciativa teve o apoio da comunidade escolar e foi endossada pelo Conselho Escolar. A ilustração traz também os dizeres: “Quiseram nos enterrar, não sabiam que éramos sementes. Marielle Presente”.
Entretanto, após ataques vindos de pessoas de fora da escola, o Conselho se reuniu novamente para deliberar sobre o assunto e decidiu que o mural deveria ser apagado, por 15 votos contrários e 18 favoráveis.
“Decisão é discriminatória e ilegal”, diz advogado
Após a decisão do Conselho, o advogado araçatubense Renan Salviano, representante efetivo regional da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB-SP, protocolou um requerimento na Diretoria de Ensino, pedindo a suspensão da decisão do Conselho Escolar da E.E. Prof. Vítor Antônio Trindade.
No documento, Salviano cita que Marielle é reconhecida internacionalmente como ativista política, defensora dos direitos humanos, mulher, preta, periférica e lésbica. Ele considera que a decisão de apagar o mural é discriminatória, arbitrária e ilegal, pois viola dispositivos da Constituição Federal, ao citar o seu artigo 220.
O artigo prevê que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição. Ele prossegue, citando o parágrafo primeiro do artigo 220: “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV”. E cita, ainda, o parágrafo segundo do referido artigo: “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.
O advogado afirma, também, no documento, que há possibilidade de aplicação de penalidades administrativas em representação à Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo, por violação ao previsto na lei estadual 10.948/01. A lei prevê que será punida toda manifestação atentatória ou discriminatória praticada contra cidadão homossexual, bissexual ou transgênero, com penalidades vão desde advertência até multa de 3 mil UFESPs – Unidades Fiscais do Estado de São Paulo, em caso de reincidência.
Para o professor Mateus Lemes, membro da Secretaria de Comunicação do PSOL, partido a que pertencia Marielle Franco, a ativista morta a tiros não representa apenas o PSOL, mas faz parte da história do Brasil. Ele lamentou a decisão e citou que em Araçatuba há homenagens a ditadores, matadores de indígenas e escravotas.
O PSOL Araçatuba emitiu uma nota a respeito da polêmica:
“NOTA DO PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE – ARAÇATUBA EM DEFESA DA HISTÓRIA, DA LUTA E DO LEGADO DE MARIELLE FRANCO
‘Marielle é do Brasil’
Araçatuba, 20 de agosto de 2021.
O PSOL – Partido Socialismo e Liberdade de Araçatuba, no uso de suas atribuições, manifesta perplexidade diante dos ataques a história, a luta e ao legado de Marielle Franco – defensora dos Direitos Humanos e das minorias, covardemente assinada no dia 14 de março de 2018 após a confecção de um mural em homenagem a nossa eterna vereadora na Escola Estadual Professor Vitor Antônio Trindade realizado com apoio da comunidade escolar.
O PSOL Araçatuba não participou da construção do mural e tomamos ciência da homenagem através das nossas redes sociais, após várias manifestações de apoio da sociedade por conta da ação desenvolvida pela comunidade escolar. Nosso repúdio se faz necessário após diversos ataques vindos de grupos reacionários que insistem em atacar a imagem de Marielle e associam a homenagem há uma suposta politização da escola, defendendo inclusive a censura, através da remoção por meio de uma nova pintura no muro.
Entendemos que Marielle não foi apenas uma vereadora do PSOL, Marielle faz parte da história do Brasil, a luta dela deve servir de inspiração pois as causas que ela defendia ainda estão marcadas em um país extremamente desigual como o Brasil. Marielle defendia a democratização do acesso à educação atuando em cursinho popular pré-universitário, construindo diversos coletivos e movimentos feministas, negros e de favelas, e ao ser tornar mãe de uma menina, integrou-se na luta pelos direitos das mulheres e debater esse tema nas favelas.
Por fim, repudiamos qualquer tentativa de censura manifestada pela tentativa de retirada do mural, entendemos que o ataque ao mural é uma ação de cunho machista, racista e extremamente desconexa da realidade de Araçatuba, pois temos várias ruas da nossa cidade homenageando ditadores, escravocratas, matadores de indígenas e outros diversos opressores que nunca na história de nossa cidade houve qualquer reação a tais homenagens por parte desses grupos. É preciso compreender que Marielle não pertence apenas ao PSOL, Marielle é o Brasil! Que seu legado seja respeitado, defendido e nunca esquecido!
Marielle presente, hoje e sempre!
Partido Socialismo e Liberdade – Araçatuba”
Educador e filósofo Paulo Freire ganhou mural na mesma escola
Na mesma escola, foi pintado um mural em homenagem ao filósofo e educador brasileiro Paulo Freire, autor da “Pedagogia do Oprimido”. A ilustração também foi alvo de críticas e foi assunto da mesma reunião do Conselho que deliberou por apagar o mural de Marielle.
No caso de Paulo Freire, no entanto, a decisão foi pela manutenção da ilustração, que traz ainda duas frases dele: “Educar é impregnar de sentido o que fazemos a cada instante!” e “Se a educação sozinha não pode transformar a sociedade, tampouco sem ela a sociedade muda”.
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