O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) usou suas redes sociais para criticar a reprodução de uma ilustração com a imagem da socióloga e ativista política Marielle Franco, no muro da Escola Estadual Vítor Antônio Trindade, conhecida como Industrial, em Araçatuba (SP).
Na postagem, o filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) diz: “O preço da liberdade é a eterna vigilância. Se os pais nada disserem, é isto que vai acontecer na escola de seus filhos: culto a pessoas abortistas, desarmamentistas, pró drogas, socialistas e etc”, escreveu, ao repostar e endossar publicação da vereadora bolsonarista Sonaira Fernandes (Republicanos). Veja abaixo.
A postagem de Eduardo Bolsonaro teve 3,4 mil compartilhamentos, 26 mil reações e 2,1 mil comentários, a maioria contra o mural. No entanto, traz a informação de que a ilustração há havia sido apagada, após protesto dos pais. A arte permanece ainda no muro da escola e uma nova reunião com o Conselho Escolar está marcada para esta semana, para decidir se será mantida ou apagada.
O professor Mateus Lemes, membro da Secretaria de Comunicação do PSOL, partido a que pertencia Marielle Franco, reagiu à postagem de Eduardo Bolsonaro. “Ao pedir do apagamento do mural, Eduardo Bolsonaro segue os caminhos autoritários do pai, desrespeita a liberdade artística e a livre manifestação da comunidade escolar. Podiam usar essa mesma força de vontade para resolver os graves problemas sociais, ambientais e econômicos que o nosso país enfrenta.”
Para Lemes defende que a ativista morta a tiros não representa apenas o PSOL, mas faz parte da história do Brasil. Ele lamentou a decisão do Conselho Escolar e espera que o mural seja mantido. “Em Araçatuba, há homenagens a ditadores, matadores de indígenas e escravotas e nunca protestaram contra isso. A Marielle é símbolo da luta das minorias e deve ser respeitada”, disse.
O mural, concluído no dia 15 de agosto, virou alvo de polêmica. De um lado, um grupo formado por artistas e professores defende que a memória da ativista, que era vereadora no Rio de Janeiro pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) e foi assassinada a tiros em 2018, deve ser preservada, para lembrar a sua luta pelas minorias.
De outro, representantes ligados a partidos de direita, argumenta que trata-se de um manifesto de cunho político-partidário, “com a finalidade de criar uma ideologia revolucionária dentro do colégio”.
A ideia de fazer o mural em homenagem à Marielle Franco partiu da própria comunidade escolar e foi endossada pelo Conselho Escolar. Assinam a ilustração a professora de artes Roberta Baroni e o também artista plástico Mauro Soh. O desenho traz os dizeres: “Quiseram nos enterrar, não sabiam que éramos sementes. Marielle Presente”.
Entretanto, após ataques vindos de pessoas de fora da escola, o Conselho se reuniu na semana passada para deliberar sobre o assunto e decidiu que o mural deveria ser apagado, por 15 votos contrários e 18 favoráveis.
A decisão também provocou reações contrárias e pode ganhar contornos jurídidos, já que um grupo de professores pretende ingressar na Justiça para impedir que o mural seja destruído. Após a repercussão, uma nova reunião do Conselho Escolar foi marcada para esta semana.
“Decisão é discriminatória e ilegal”, diz advogado
Após a decisão do Conselho, o advogado araçatubense Renan Salviano, representante efetivo regional da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB-SP, protocolou um requerimento na Diretoria de Ensino, pedindo a suspensão da decisão do Conselho Escolar da E.E. Prof. Vítor Antônio Trindade.
No documento, Salviano cita que Marielle é reconhecida internacionalmente como ativista política, defensora dos direitos humanos, mulher, preta, periférica e lésbica. Ele considera que a decisão de apagar o mural é discriminatória, arbitrária e ilegal, pois viola dispositivos da Constituição Federal, ao citar o seu artigo 220.
O artigo prevê que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição. Ele prossegue, citando o parágrafo primeiro do artigo 220: “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV”. E cita, ainda, o parágrafo segundo do referido artigo: “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.
O advogado afirma, também, no documento, que há possibilidade de aplicação de penalidades administrativas em representação à Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo, por violação ao previsto na lei estadual 10.948/01. A lei prevê que será punida toda manifestação atentatória ou discriminatória praticada contra cidadão homossexual, bissexual ou transgênero, com penalidades vão desde advertência até multa de 3 mil UFESPs – Unidades Fiscais do Estado de São Paulo, em caso de reincidência.
O PSOL Araçatuba emitiu uma nota a respeito da polêmica:
“NOTA DO PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE – ARAÇATUBA EM DEFESA DA HISTÓRIA, DA LUTA E DO LEGADO DE MARIELLE FRANCO
‘Marielle é do Brasil’
Araçatuba, 20 de agosto de 2021.
O PSOL – Partido Socialismo e Liberdade de Araçatuba, no uso de suas atribuições, manifesta perplexidade diante dos ataques a história, a luta e ao legado de Marielle Franco – defensora dos Direitos Humanos e das minorias, covardemente assinada no dia 14 de março de 2018 após a confecção de um mural em homenagem a nossa eterna vereadora na Escola Estadual Professor Vitor Antônio Trindade realizado com apoio da comunidade escolar.
O PSOL Araçatuba não participou da construção do mural e tomamos ciência da homenagem através das nossas redes sociais, após várias manifestações de apoio da sociedade por conta da ação desenvolvida pela comunidade escolar. Nosso repúdio se faz necessário após diversos ataques vindos de grupos reacionários que insistem em atacar a imagem de Marielle e associam a homenagem há uma suposta politização da escola, defendendo inclusive a censura, através da remoção por meio de uma nova pintura no muro.
Entendemos que Marielle não foi apenas uma vereadora do PSOL, Marielle faz parte da história do Brasil, a luta dela deve servir de inspiração pois as causas que ela defendia ainda estão marcadas em um país extremamente desigual como o Brasil. Marielle defendia a democratização do acesso à educação atuando em cursinho popular pré-universitário, construindo diversos coletivos e movimentos feministas, negros e de favelas, e ao ser tornar mãe de uma menina, integrou-se na luta pelos direitos das mulheres e debater esse tema nas favelas.
Por fim, repudiamos qualquer tentativa de censura manifestada pela tentativa de retirada do mural, entendemos que o ataque ao mural é uma ação de cunho machista, racista e extremamente desconexa da realidade de Araçatuba, pois temos várias ruas da nossa cidade homenageando ditadores, escravocratas, matadores de indígenas e outros diversos opressores que nunca na história de nossa cidade houve qualquer reação a tais homenagens por parte desses grupos. É preciso compreender que Marielle não pertence apenas ao PSOL, Marielle é o Brasil! Que seu legado seja respeitado, defendido e nunca esquecido!
Marielle presente, hoje e sempre!
Partido Socialismo e Liberdade – Araçatuba”
Marielle Franco foi morta dentro de um carro na Rua Joaquim Palhares, no bairro do Estácio, na Região Central do Rio, por volta das 21h30 do dia 14 de março, em 2018.
Além de Marielle, o motorista do veículo, Anderson Pedro Gomes, também foi baleado e morreu. Uma outra passageira foi atingida por estilhaços. Marielle tinha 38 anos e se apresentava como “cria da Maré”. Ela foi a quinta vereadora mais votada do Rio nas eleições de 2016, com 46.502 votos em sua primeira disputa eleitoral.
Socióloga formada pela PUC-Rio e mestra em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense (UFF), teve dissertação de mestrado com o tema “UPP: a redução da favela a três letras”.
Trabalhou em organizações da sociedade civil como a Brasil Foundation e o Centro de Ações Solidárias da Maré (Ceasm). Coordenou a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), ao lado de Marcelo Freixo.
Educador e filósofo Paulo Freire ganhou mural na mesma escola
Na mesma escola, foi pintado um mural em homenagem ao filósofo e educador brasileiro Paulo Freire, autor da “Pedagogia do Oprimido”. A ilustração também foi alvo de críticas e foi assunto da mesma reunião do Conselho que deliberou por apagar o mural de Marielle.
No caso de Paulo Freire, no entanto, a decisão foi pela manutenção da ilustração, que traz ainda duas frases dele: “Educar é impregnar de sentido o que fazemos a cada instante!” e “Se a educação sozinha não pode transformar a sociedade, tampouco sem ela a sociedade muda”.