Uma carta endereçada à Santa Casa de Araçatuba, que vazou à imprensa e que chegou ao Ministério Público, traz uma série de denúncias contra o hospital e o atendimento na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) destinada ao tratamento de pacientes com Covid-19. Os relatos, feitos por um funcionário, apontam suposta negligência que teria levado à morte vários pacientes. Em meio às denúncias, houve a saída do provedor, Claudionor Aguiar, e do administrador do hospital, o advogado Mauro Inácio da Silva.
O documento, que teria sido escrito por um funcionário, relata a angústia de colaboradores que estariam sofrendo perseguição e de pacientes com saturação baixa que teriam morrido por falta de intubação. Os relatos incluem, ainda, casos de pacientes que passam semanas em uso de máscaras, com fome, sede e desconforto.
“Pacientes sentem fome e falta de ar, sentem sede, não conseguem tirar a máscara para colocar o alimento na boca e, mesmo diante desse sofrimento, não são intubados. Estão sofrendo, é um descaso com a vida alheia”, afirma o documento, que não tem assinatura.
Denúncia relata mortes de pacientes
Um dos casos relatados é o de um paciente que permaneceu por dias na UTI Covid com saturação de 50%. Exames de gasometria indicavam níveis incompatíveis com a vida e, mesmo em leito de UTI, ele fazia apenas o uso de respirador com máscara. Segundo a denúncia, o paciente, como tantos outros, foi intubado quando já não tinha mais forças para respirar e acabou sofrendo uma parada respiratória, vindo a óbito.
A carta também traz o caso de uma mulher que teria sido intubada por residentes, sem a presença do preceptor (médico supervisor) e que teria morrido porque a cânula atingiu o estômago. Diz, ainda, que a mulher teria falecido em um quarto do quinto andar, mas a morte foi comunicada aos familiares em frente à UTI, como se a morte tivesse acontecido ali.
“Vemos pacientes chorar, pedir pelo amor de Deus para sair daqui de dentro pois não querem morrer. Internar na Santa Casa de Araçatuba está sendo sentença de morte aos munícipes, essa é nossa imagem lá fora, e aqui nada temos a acalentar estes coitados”, diz a carta.
“Aqui dentro vivemos um sistema de tirania, onde a comunicação e discussão clínica não passam de palavras, sem ser levado em conta o mínimo de respeito multiprofissional, sem ao menos um direcionamento com protocolos, o que fazer diante de diversas situações”, continua o documento.
Médico teria dito que paciente obesa “parecia animal”
Outro caso que consta na denúncia é o de um médico que seria residente e estaria ao telefone com um conhecido. Ele teria dito ao interlocutor que ligaria depois, pois precisava “intubar uma paciente imensa, gorda, que mais parecia um animal”.
A denúncia também diz que muitos pacientes imploram para ser intubados de tanta falta de ar e, quando acontece, nada é explicado a eles e nem uma ligação a familiares é oferecida. “Pode ser a última chance de se despedir de alguém, quem não daria tudo para dar um último adeus?”, questiona a carta.
O documento ainda acusa um médico de alterar parâmetros do respirador por conta própria, sem critério. “Alguns funcionários, sabendo disso, realizam a correção quando ele se retira do local”, diz a denúncia. “Estas pessoas estão de olhos atentos e têm conhecimento para regular o aparelho”, continua.
Ministério Público solicitou vistoria ao Cremesp
Ao receber a denúncia, o Ministério Público solicitou uma vistoria ao Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo). O órgão também encaminhou os relatos de possível perseguição a funcionários ao Ministério Público do Trabalho, para adoação de providências que entenderem cabíveis.
Santa Casa afirma que denúncias são improcedentes
Questionada, a Santa Casa encaminhou a seguinte nota:
“As denúncias foram apresentadas anonimamente à diretoria da Santa Casa há aproximadamente 40 dias e foram encaminhadas à Direção Técnica, que determinou apuração à Comissão de Ética, grupo formado por oito médicos de diferentes especialidades. Após apuração junto aos prontuários dos pacientes e depoimentos de profissionais que com eles atuaram, a Comissão concluiu que as denúncias eram improcedentes. O documento será agora encaminhado ao CRM (Conselho Regional de Medicina).”
Sobre a saída do provedor e do diretor, o Conselho de Administração da Santa Casa informou que está em fase de transição e que irá enviar uma nota a respeito.