Eram por volta de 18h, um final de tarde frio do dia 17 de julho, sábado, quando um carro preto passou pela rua Célia Simão Broza, Jardim Modelo, em Campo Mourão (PR). O coração da ex-boia fria Maria de Fátima de Souza, 61 anos, quase saiu pela boca. Era a filha Angélica Prata Berlote, 42 anos, doada ainda bebê e de quem não mais teve notícia durante mais de quatro décadas, que chegava para um abraço interminável e um choro de alegria que se transformou numa explosão de lágrimas incontidas.
Foram mais de cinco minutos abraçadas e muita emoção, afinal, Angélica fora doada aos seis meses de vida a uma desconhecida, em janeiro de 1980, a uma desconhecida, durante uma viagem de ônibus de Auriflama a Araçatuba.
A distância física e geográfica de quase 500 quilômetros, de Brejo Alegre, onde Angélica reside, até Campo Mourão, só pôde ser ultrapassada após a publicação da história em uma reportagem no Regional Press, no mês passado.
A filha se identificou com as informações passadas pela mãe na matéria e teve a certeza de que era aquele bebê. A maternidade foi confirmada por um exame de DNA, cujo resultado, que ficou pronto no dia 13 de julho, apontou a probabilidade de 99,9999990% de Fátima ser a mãe biológica de Angélica.
Juntas
O encontro de mãe e filha. no último sábado (17), foi possível graças à ajuda da comunidade, que doou recursos que possibilitaram a viagem de Angélica a Campo Mourão. Desde que se reencontraram, as duas não mais se largaram. O sábado se transformou em festa que teve sequência no domingo, com um almoço de confraternização regado a arroz, feijão, macarronada, carne e salada.
Ainda no domingo, mãe e filha seguiram para Brejo Alegre (SP), onde Angélica mora, para que Fátima pudesse paparicar os netos e conhecer o genro. “Agora ninguém mais vai me afastar da minha filha. Estou muito feliz, conversamos muito e ela entendeu tudo o que aconteceu”, afirma a mãe.
Para Angélica, o encontro foi a oportunidade de resgatar o seu passado. “É muita felicidade poder ter a minha mãe por perto, conhecer a sua história e saber que ela fez tudo isso por necessidade”, disse a filha, que disse ter perdoado a mãe.
A História
A história do bebê entregue a uma desconhecida foi contada pela reportagem da Folha da Região no dia 13 de junho. Angélica soube que a mãe estava à procura da filha por meio de sua irmã, a caixa e segurança Adriana Cristina Trindade Prata, que leu a matéria e comentou, em uma postagem no Facebook, que sabia quem era o bebê procurado.
Ao ler o comentário, a reportagem entrou em contato com Adriana e passou o telefone da mãe que procurava pela filha. Na mesma noite, a ajudante geral conversou com Fátima pelo aplicativo Whatsapp e as duas combinaram de fazer o exame de DNA, pois a história das duas era muito parecida.
“Minha mãe adotiva contava que havia me pegado dentro de um ônibus, porque eu estava muito doente e minha mãe biológica ficou com medo que eu morresse no trajeto”, contou Angélica, confirmando o que Fátima havia dito à reportagem. As amostras do sangue das duas foram coletadas no dia 22 de junho. Sua mãe adotiva, Ilena Trindade Prata, faleceu há seis anos.
Janeiro de 1980
A saga de Fátima, que hoje mora em Campo Mourão (PR) e tem 61 anos de idade, começou em janeiro de 1980, quando, aos 19 anos, decidiu se separar do marido e voltar para perto de sua família, no Paraná.
Ela saiu de Auriflama, onde morava, e pegou um ônibus com os filhos Adriana, de três anos, Aracildo, de dois, e a pequena Jaqueline, de seis meses de vida. O destino era Araçatuba, onde tomariam outro ônibus para seguir a viagem até a cidade paranaense.
Durante o trajeto, o bebê, que já estava com problemas de saúde, passou a apresentar diarreia, febre e vômito. Com medo de que a filha não resistisse aos quase 600 quilômetros do trajeto de Auriflama até o Paraná, a mãe decidiu entregá-la a uma mulher que estava no ônibus e que pediu para ficar com a menina.
“Foi um momento de desespero. Para não ver minha filha morrer nos meus braços, preferi dar para salvar da vida dela”, afirma Fátima. “Eu não tinha onde ficar, não tinha com quem contar e o dinheiro que eu tinha só dava para chegar até o Paraná”, completa.
A menina, que foi registrada inicialmente como Jaqueline, nasceu no dia 25 de julho de 1979. “Minha mãe adotiva me contava que meu nome era Jaqueline, mas ao me registrar aqui em Brejo Alegre, eu passei a me chamar Angélica”, conta a ajudante geral. No novo registro, sua data de nascimento passou a ser 9 de março de 1979.
A vida das duas seguiu rumos diferentes. Fátima enfrentava a lida na roça, no Paraná, enquanto Angélica cresceu e passou a trabalhar em uma escola. Hoje, é casada e tem quatro filhos – três meninos, de sete meses, 24 e 25 anos, uma menina de 12.