Uma notícia-crime protocolada no Ministério Público contra a AHBB Gestão em Saúde, responsável pelo gerenciamento dos leitos de enfermaria e de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Covid do Hospital Estadual de Mirandópolis, pede a apuração de possíveis crimes de homicídio, lesão corporal grave, negligência, omissão de socorro e até exercício ilegal da profissão de médico que teriam sido cometidos por profissionais que atuam ou atuaram naquela unidade de saúde.
A denúncia, protocolada na quarta-feira (23), anexou gravações de dois ex-funcionários da AHBB que narraram fatos que teriam ocorrido no hospital, e é assinada pelos vereadores Emerson Carvalho de Souza e Magali Maziero Rodrigues, ambos do PSL, e pelo advogado Riberto Veronez, que é autor de outra denúncia protocolada contra o ex-diretor do hospital, o médico Nivaldo Francisco Alves Filho, por acúmulo ilegal de cargos, dentre outras irregularidades.
A reportagem ouviu as duas testemunhas que atuaram no corpo clínico do hospital com o compromisso de manter em sigilo suas identidades. Dentre as denúncias relatadas por elas está a falta de experiência de médicos para fazer intubação em pacientes com Covid-19.
“A maioria que é intubada vai a óbito, além de não saberem intubar, os profissionais não têm conhecimento para aplicar sedativos. Sem contar que falta medicação para deixar os pacientes sedados”, afirmaram os ex-funcionários da AHBB. Eles contam, inclusive, que houve um caso em que o paciente estava no leito à espera de intubação enquanto o médico falava ao celular, sobre a compra de uma caminhonete.
Sem CRM
Uma das testemunhas também relata que um médico de nome Leonardo fez plantão no pronto-socorro respiratório mesmo ser ter registro no Conselho Regional de Medicina (CRM) e um paciente acabou perdendo a vida porque o profissional usou uma superdosagem de sedativos para induzi-lo ao coma, o que causou duas paradas cardíacas. E ao introduzir um catéter para aumentar a pressão do paciente, perfurou o seu pulmão.
“Este médico estava usando CRM de outro profissional, mas nunca mais se soube dele”, consta um dos trechos da gravação encaminhada ao Ministério Público.
Outra denúncia envolve os procedimentos de diálise, que segundo as testemunhas, são feitos por duas técnicas de enfermagem, sem a supervisão de um médico nefrologista. “Todos os pacientes submetidos à diálise no Hospital Estadual de Mirandópolis foram a óbito”, afirmam. A diálise é comum em doentes com Covid e faz o papel do rim, de filtrar todo o sangue do organismo.
Há, ainda, denúncia de uso de medicação do Estado pela AHBB e de “fura-fila” da Central de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde (Cross).
“A empresa é responsável pela mão de obra e pelos medicamentos usados na UTI 1, mas pega remédios do SUS e não devolve depois”, afirmam as testemunhas.
Sobre o “fura-fila”, a denúncia aponta que os gestores do hospital eram coniventes e encaminhavam pacientes sem respeitar a Cross, que faz a regulação de vagas de acordo com a gravidade do paciente e oferta de leitos.
Outro ponto da denúncia relata que o nome de uma médica que se desligou da AHBB no dia sete de junho constou nos plantões dos dias 11 e 12 do mesmo mês, quando já não mais trabalhava no hospital. O caso foi levado ao Ministério Público pela profissional.
As testemunhas contam, ainda, que os médicos omitiam dos familiares dos pacientes Covid o real estado clínico deles. “Os profissionais eram orientados a falar que o doente estava bem, mas hora depois, o paciente morria”, contaram.
Testemunhas relatam amputação de braço por erro médico e sexo no hospital
As testemunhas da notícia-crime protocolada no Ministério Público com denúncias de possíveis crimes cometidos no Hospital Estadual de Mirandópolis apontam um erro médico que levou à amputação do braço de uma paciente de Pereira Barreto e também um caso de sexo dentro da unidade de saúde.
Conforme os ex-funcionários da AHBB que figuram como testemunhas da notícia-crime, a paciente de Covid perdeu o braço porque recebeu drogas chamadas de vasoativas em veias superficiais; com isso, o medicamento acabou indo para o tecido do braço, que necrosou. Este tipo de medicamento deve ser aplicado em veias profundas, por meio de um catéter, explicaram os ex-funcionários.
Outro relato é a de que um médico que deveria estar de plantão teria feito sexo com uma profissional de saúde dentro do hospital, enquanto um outro médico tocava a UTI 1 e a enfermaria sozinho, ocasião em que quatro pacientes morreram.
“O médico plantonista chegou para descansar e ouviu a conversa íntima entre o casal. No dia seguinte, a faxineira ainda achou camisinha no lixo no lugar que é destinado ao descanso dos médicos”, relatam os ex-funcionários da AHBB que figuram como testemunhas da denúncia ao MP.
AHBB afirma desconhecer e repudiar prática de crimes
A AHBB Rede Santa Casa enviou a seguinte nota a respeito das denúncias:
“A AHBB|Rede Santa Casa vem por intermédio desta nota, esclarecer fatos sobre a denúncia-crime apresentada contra a instituição e sua gestão no Hospital Estadual de Mirandópolis/SP “Dr. Osvaldo Brandi Faria”.
A instituição tomou conhecimento acerca da denúncia e sobre as intercorrências citadas no documento na data de hoje, e está buscando acesso aos documentos e áudios mencionados, mas, desde já afirma desconhecer e repudiar quaisquer fatores que correspondam à prática de crime ou a fatos desabonadores de gestão e atuação.
Todos os profissionais e colaboradores vinculados aos serviços geridos pela AHBB|Rede Santa Casa possuem as qualificações e registros profissionais necessários à contratação, e são periodicamente avaliados.
As equipes passam mensalmente por treinamentos para aprimoramento laborativo e assistencial, registrados em relatórios técnicos e assistenciais mensais, formalizado pelos coordenadores e responsáveis técnicos que atuam na unidade. Todas as metas técnicas e assistenciais são atendidas e toda a prestação de serviços é aprimorada diuturnamente.
A instituição, assim que intimada pela denúncia protocolada, apresentará toda a documentação necessária e pertinente aos fatos, e atenderá a todas as requisições do Ministério Público Estadual, uma vez que se mantém hígida à prestação de serviços na unidade e em todos os convênios onde atua, com compromissos firmados pela ética, atendimento humanizado e a crescente otimização dos serviços em saúde.
Reiteramos que o comprometimento da AHBB|Rede Santa Casa para com o município de Mirandópolis e seus cidadãos, visa sempre a otimização continua dos processos de trabalho, desenvolvendo constantemente ações para melhoria da saúde na cidade, repudiando profundamente tais atos citados no documento, e dessa forma, nos colocamos sempre à disposição para qualquer novo esclarecimento.”
Já a Secretaria de Estado da Saúde informou que determinou abertura de apuração preliminar com relação à denúncia citada pela reportagem e tomará as medidas cabíveis se constatadas irregularidades.