“Não tenho pressa. Tenho esperança”. Foi assim que Carlos Ulisses Gomes Figueira, de 57 anos, definiu seu sentimento, em abril do ano passado, sobre a possibilidade de conseguir um emprego e uma casa. Esse dia chegou.
O ex-morador de rua trocou o abrigo sob a marquise do prédio da Defensoria Pública do Estado, na Rua Marechal Câmara, no Centro do Rio, por uma quitinete na Lapa.
Esse é seu endereço enquanto não se muda definitivamente para São Paulo, onde há menos de um mês conseguiu emprego de carteira assinada numa empresa localizada em Santo André e, por enquanto, vai e volta.
O aluguel é bancado há seis meses pelo projeto Amor de Rua, que, além de arrumar moradia para essas pessoas, atua na reinserção delas no mercado de trabalho. A próxima etapa será dar palestras e mostrar seu exemplo a outros na mesma situação:
“Foi uma experiência e um aprendizado que não desejo para o pior inimigo. Mas superei e agradeço a Deus que ele me deu condições e forças para aguentar o fardo. Estava muito pesado mas foi ficando leve até que agora saiu das minhas costas. Quero mostrar para eles (ex-companheiros de rua) que da mesma forma que Deus me abençoou, eles também podem ser abençoados”.
Carlos agora quando pode vai às ruas auxiliar pessoas em situação de vulnerabilidade, junto ao grupo de voluntários que o ajudou. Sob as marquises da Defensoria, onde vivia com mais 20 companheiros, o ex-morador de rua se distinguia dos demais por uma característica que o acompanhou até o fim de sua jornada no local: o gosto pela leitura e pelos estudos.
Sempre com um livro nas mãos ou diante de uma mesinha de estudos improvisada com caixotes, chamava a atenção de quem passava pelo local e por funcionários do órgão público, que o inscreveu no projeto. “Acelerando a escolaridade”.
Carlos Ulisses conseguiu no começo do ano uma vaga no Colégio Pedro II. Ele continua matriculado no curso de administração de empresas, cujas aulas assiste com ajuda de um celular e de um tablet, este último doado pela escola.
A oportunidade de trabalho surgiu com ele já na quitinete. Após enviar currículos, em meados de março recebeu ligação confirmando o interesse da localizada. Sem dinheiro para a viagem, recorreu a uma irmã e a amigos, conseguindo arrecadar mil reais. No dia 1º de abril começou a trabalhar como encarregado de caldeiraria industrial, após entrevista, testes e cursos on-line:
“Aqui ninguém sabe que vim das ruas. Não escondo, mas não exponho. Consegui a vaga pelos meus méritos”.