O médico Thiago de Camilo Figueiredo Mattos gravou um áudio que circula nas redes sociais, que ele chamou de “grito de desespero”, para denunciar a morte de pacientes por falta de medicamentos e de capacidade técnica de profissionais que atuam no Pronto-Socorro Municipal Alceu Lott, de Birigui. Ele também relata a precariedade das condições e sobrecarga de trabalho. Nesta quinta-feira (1º), Mattos foi ouvido pela Comissão de Saúde e Saneamento da Câmara de Birigui e confirmou a veracidade da mensagem que viralizou nos grupos de whatsapp.
Mattos relata que a escala de plantão no pronto-socorro nunca está completa e que, por isso, chegou a ficar três dias sozinho para atender os pacientes. “Os médicos dão plantão um dia e não querem mais voltar, porque faltam medicamentos. A situação é deplorável”, afirmou.
Ele também denunciou que há médicos trabalhando no pronto-socorro com, no máximo, 30 dias de formado, o que tem prejudicado o atendimento pela falta de experiência. Como exemplo, ele citou o caso de um paciente que precisava ser intubado e três médicos foram chamados para realizar o procedimento, sem sucesso.
“Gastaram sete tubos em um paciente, que acabou morrendo. E ficou claro que morreu porque não intubaram”, sustentou o médico à Comissão de Saúde e Saneamento da Câmara de Birigui. “Não aguento mais ver gente conhecida morrer e que poderia estar viva”, relata.
Abandono
Ele disse que tem gente jovem morrendo, não porque está muito comprometido ou porque não tem mais jeito. “É porque estão abandonando lá para morrer”, denuncia.
Segundo o médico, o problema é de gestão. Ele também conta que pacientes com sonda nasoenteral estão sem receber alimento. “Não vi nenhuma dieta até agora, é só para fingir e sair na foto, mas estão morrendo de fome”, denunciou.
Ele critica, ainda, a falta de bombas de infusão. “O que adianta pôr o paciente no respirador e sedar, sem bomba de infusão, sem nada. É a mesma coisa que encher uma bexiga. Não alimenta o cara, não hidrata o cara e tá tudo morrendo de insuficiência renal, hiperpotassemia (aumento de potássio no sangue). É o fim”, diz, indignado.
“Pãozinho e refrigerante”
O médico ainda teceu críticas diretas ao prefeito Leandro Maffeis (PSL). “O prefeito fica levando pãozinho, refrigerante, de certo isso vai sarar Covid. Todo mundo com sódio na tampa e dão refrigerante”, disse, ao contar que ele comprou do próprio bolso uma caixa de aminofilina (broncodilatador), porque no PS não tinha.
“O PS de Birigui já foi modelo. Hoje, acho que nem na África deve ser tão ruim como aqui. Pelo menos lá não ficam enganando, né, porque aqui é uma maquiagem pura”, falou. Ele diz que, antes, Birigui chegava a ter 40 pacientes e só dois óbitos e que, entre os dias 30 e 31 de março, 14 pessoas morreram na unidade de urgência e emergência.
Ele contou que houve caso de um paciente que poderia ter tido alta, mas que por falta de antibiótico, teve o quadro agravado e evoluiu para óbito.
Outro caso relatado por ele foi o de um menino de 12 anos que sofreu uma fratura e ficou no PS das 8h às 22h. “Foi i quando chegou material, algodão, o básico para fazer a tala e engessar o paciente”, disse. “Lá, falta anestésico, fio de sutura, coisas simples”, completou.
Condições de escravo
O médico ainda disse que a gestora do PS, Instituto São Miguel Arcanjo, está colocando os profisisonais para trabalhar em condições de escravo, sem material, para dormir no chão, comer com a mão e ainda sem água. “Além de tudo isso, a gente trabalha que nem um desgraçado e o respaldo é zero. E o prefeito vai lá todo dia querer aparecer, ganhar mérito em cima da gente e da enfermagem que está lá se matando”.
O médico diz que só não “abandona o barco” porque trabalha lá há muito tempo, antes mesmo de a atual gestora assumir. “Sou amigo de todo mundo, Eu só vou lá tentar minimizar o sofrimento desse povo, porque morrer vai mesmo”.
“No PS de Birigui, o cara que chegar com sinusite, se bobear, morre. Eles dizem que não estão achando medicamento, é só procurar que acha. Os prefeitos vão e pedem na Justiça pra obrigar o laboratório a vender remédio. Aqui é assim: Morreu, mas tomou um guaraná antes de morrer”, criticando, mais uma vez os gestores.
Ele disse que decidiu gravar o áudio e ser sincero porque “é duro ver gente o dia inteiro morrendo e você louco pra fazer uma medicação pra pelo menos tentar reverter o quadro, mas não tem condições, não tem como fazer nada”.
Câmara
A vereadora e médica Osterlaine Henrique Alves (DEM), que preside a Comissão de Saúde e Saneamento da Câmara, disse que “as supostas irregularidades serão investigadas dentro da legalidade e que alguns vereadores entraram já com representação no Ministério Público, individualmente”.
Já o vereador André Fermino (PSDB) usou suas redes sociais para pedir a rescisão do contrato com o Instituto São Miguel Arcanjo. Ele disse que esteve no pronto-socorro e constatou a falta de quatro médicos plantonistas, além de irregularidades na escala, com um só médico relacionado em cinco plantões ao mesmo tempo, no dia 31. “Vi a folha de ponto, o mês inteiro esse médico estava dobrando plantão. Para onde está indo este dinheiro?”, questionou.
Ele ainda denunciou que os recipientes nas paredes, que deveriam conter álcool em gel, para os funcionários e a população, estavam vazios. “Prefeito, o senhor tem que assumir isso. Esta empresa ofereceu avestruz e entregou urubu”, afirmou, pedindo a abertura de um inquérito contra a empresa. “Deve ter mais gente morrendo lá e vocês maquiando tudo isso”.
Outro lado
A Prefeitura publicou, em seu site, uma nota para se defender das acusações contra o PS:
“A Prefeitura de Birigui esclarece que a situação no Pronto-Socorro Municipal não é diferente da realidade da nossa região e do nosso país, com sistema colapsado por conta da segunda onda da pandemia da covid-19. Hospitais públicos e privados estão sobrecarregados, sem leitos de UTI, com dificuldades para compra de medicamentos e insumos por falta no mercado, conforme noticiado diariamente pela imprensa.
Diante disso, cabe elencar algumas medidas que a gestão municipal vem tomando para melhorar, a cada dia, os atendimentos no Pronto Socorro:
1 – Reestruturação da farmácia, visando não deixar faltar medicamentos e insumos necessários.
2 – Ampliação do sistema de gás de oxigênio, triplicando a capacidade do oxigênio usado pelos pacientes;
3 – Reformulação da equipe médica, diante da saída, por decisão própria, de alguns médicos;
4 – Alimentação equilibrada para pacientes covid fornecida pela Santa Casa;
5 – Compra de 5 respiradores. Agora a unidade possui 8 respiradores;
6 – Compra de bombas de infusão (aguardando entrega do fornecedor);
7 – Implantação dos atendimentos de fisioterapia respiratória com o objetivo de auxiliar na recuperação dos pacientes para que deixem de fazer uso de oxigênio;
8 – Credenciamento junto ao Governo do Estado para abertura de 18 novos leitos de enfermaria no Pronto Socorro;
9 – Em processo de abertura do Pronto Atendimento Básico para atendimentos clínicos, com o objetivo de desafogar o Pronto Socorro que hoje é considerado um mini-hospital para atendimentos covid e emergências;
10 – Implantação de atendimentos com assistente social.
Sobre a saída de alguns médicos do plantão, por decisão própria, cabe esclarecer que eles não faziam parte da equipe que atendiam casos de covid-19. Com a saída deles, a Secretaria Municipal de Saúde precisou fazer uma reestruturação médica por meio da empresa contratada para prestar o serviço. Hoje o Pronto Socorro conta com médicos plantonistas, diretor clínico, responsável técnico e coordenador médico.
Quanto aos atuais médicos plantonistas, a gestão esclarece que são profissionais excelentes, que possuem qualificação adequada e estão preparados para atender os casos clínicos, de covid-19 e emergências. Médicos e equipes de enfermagem estão esgotados, mas trabalhando com dedicação para salvar vidas. A administração municipal reforça ainda que ao contrário do que foi divulgado, os medicamentos para intubação e outros necessários para os atendimentos não estão em falta no momento.
Sobre a alimentação para os pacientes em isolamento na ala Covid, todos recebem refeição equilibrada fornecida pela Santa Casa. Os lanches, refrigerantes e frutas que são doados por voluntários para o projeto Mãos que Cuidam são destinados, exclusivamente, para os pacientes e acompanhantes dos atendimentos clínicos.
Mesmo diante de todas as dificuldades enfrentadas por conta da pandemia, a administração municipal, por meio da Secretaria Municipal de Saúde, não tem medido esforços para oferecer aos pacientes do Pronto Socorro Municipal um atendimento digno, principalmente para aqueles que necessitam de transferência para UTIs e aguardam liberação de leitos por meio da Central de Regulação.
O prefeito Leandro Maffeis tem acompanhando diariamente in loco a situação da unidade, pois o foco da atual administração é a saúde e, diante da situação crítica da pandemia, em salvar vidas.”