Depois de perderem o pai em um acidente de trânsito, os trigêmeos Pedro, Paulo e Felipe viram a avó, a mãe e a tia morrerem por complicações provocadas pelo novo coronavírus em um intervalo de apenas oito dias.
Órfãos aos 5 anos, os três meninos foram acolhidos e estão sob cuidados do tio, o representante comercial Douglas Junior Faria Amaral, que mora com a esposa Luana Amaral, em Votuporanga (SP).
Ainda tentando lidar com a dor de perder três integrantes da família para a Covid-19, Douglas, de 26 anos, conta que a irmã, Karina Angélica Faria, de 33 anos, morreu no dia 13 de março.
Três dias depois, a outra irmã e mãe dos trigêmeos, Ana Paula Faria, de 37 anos, também não resistiu. A última a vir a óbito da família foi a mãe Valentina Peres Machado, de 66 anos.
“Fiquei sem chão. Não conseguia acreditar que estava passando por aquilo. Foi terrível enterrar minhas duas irmãs e minha mãe uma atrás da outra, sem poder vê-las pela última vez. Pegaram os corpos, colocaram em um caixão e enterraram”, diz Douglas, que também é pai de uma menina de 1 ano e 7 meses.
Ana Paula, Karina e Valentina moravam e foram sepultadas em Parisi, cidade onde o pai dos trigêmeos, Renato Santos, sofreu o acidente há cinco meses.
‘Sem chão’
Depois de as três mulheres começarem a apresentar os sintomas associados à Covid-19, a primeira da família que precisou ser internada foi Valentina. Até então, Ana Paula e Karina permaneciam na casa onde moravam, sem apresentar sintomas graves da doença e recebendo acompanhamento médico.
Porém, Douglas diz que as duas irmãs pioraram e também precisaram procurar ajuda no posto de saúde de Parisi, cidade que conta com apoio de hospitais da região para atender pacientes com quadros avançados da doença.
“Meu outro sobrinho, de 18 anos, também testou positivo. Os três foram juntos para o posto de saúde. A Ana Paula era quem estava pior dos três. Meu sobrinho recebeu alta, mas minhas irmãs permaneceram internadas porque não tinha vaga disponível em outros hospitais. Está tudo lotado”, diz.
Enquanto aguardava por um leito, Karina piorou repentinamente, sendo necessário que os profissionais de saúde acionassem uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para atendê-la às pressas
“Quatro horas da manhã meu pai, que trabalha na área da saúde, ligou para dar a notícia da morte da Karina. Meu tormento começou nesse momento. Minha vida virou de ponta cabeça e começou a ficar escura”, afirma.
No mesmo dia em que o representante comercial enterrou Karina, Ana Paula conseguiu ser transferida para a Santa Casa de Votuporanga, município a cerca de 16 quilômetros de distância de Parisi.
“Passei a noite inteira no hospital, querendo saber notícia da Ana Paula, mas ninguém me dava. No domingo, um amigo, que trabalha dentro do hospital, ligou e perguntou se minha irmã tomava algum remédio controlado, porque ela estava sedada, mas muito agitada. Fui buscar o remédio e o entreguei para a assistente social”, relembra Douglas.Douglas relata que a irmã foi intubada, mas não reagia aos medicamentos e, em seguida, sofreu uma parada cardíaca. Assim como aconteceu com Karina, ele recebeu a notícia do óbito de Ana Paula de madrugada.
“A Ana Paula não soube da morte da Karina. Ela estava consciente quando a Karina morreu, mas a gente preferiu não contar, por conta do estado dela. Enterramos a Ana Paula na mesma situação que a Karina. Horrível demais”, conta.
Diferentemente das filhas, Valentina estava internada no Hospital de Base de São José do Rio Preto (SP), unidade referência para mais de 100 cidades da região noroeste paulista.
A idosa também precisou ser intubada e chegou a apresentar uma leve melhora. O representante comercial relembra que os médicos começaram a diminuir os sedativos da mãe, mas a mulher não reagia.
“Os médicos também disseram que ela estava com febre e poderia ser uma infecção, mas que estavam tentando descobrir o motivo. Depois fiquei sabendo que a infecção tinha tomado todo o corpo dela e que a qualquer momento algum órgão poderia parar. E foi o que aconteceu. Recebi a notícia da morte dela também de madrugada”, lamenta.
‘Nossos filhos’
Com a morte precoce de Ana Paula, Douglas conta que decidiu acolher e cuidar dos trigêmeos Pedro, Paulo e Felipe, que, além de perderam a mãe recentemente para Covid-19, já tinham visto o pai morrer em um acidente.
“Minha vida sempre foi muito organizada e planejada. Eu não tinha planos de ter mais filhos. De repente minha vida virou de ponta cabeça. Por isso, gelei, sabe? É uma responsabilidade gigante, mas minha esposa me olhou, disse que eram meus sobrinhos e decidimos que iríamos tratá-los como filhos. Hoje vejo que, realmente, os três tinham que ser nossos”, diz.
Apesar de estarem somente no quinto ano de vida, Pedro, Paulo e Felipe sabem que perderam o pai e a mãe. O representante comercial afirma que os três foram seu alicerce para não entrar em depressão com a morte da mãe e das irmãs.
“Eu vi motivo neles para não deitar e ficar chorando. Eles me sustentaram. Nossa vida mudou, mas vamos adaptá-la. Eu e minha esposa éramos pai de uma criança, hoje somos de quatro, e assim será daqui para frente”, diz.
Com mais três crianças dentro de casa, os gastos e a rotina de Douglas e Luana mudaram bastante. Moradores e amigos estão organizando uma rede de solidariedade para ajudar o casal.
“Comida nós temos. Mas queríamos fazer um quarto para os três, além de um carro simples, mas de sete lugares, para caber todos. Outra coisa que gostaríamos muito, era uma bolsa de estudo. Eles passaram por tudo isso e estão em pé. Acho que o mínimo que posso fazer pelos três é dar estudo, condições e plano de saúde. Coisas simples, mas que acabam custando muito”, conta Douglas. (Por Renato Pavarino, G1 Rio Preto e Araçatuba)