A escritora e jornalista araçatubense Rafaela Tavares Kawasaki, 33 anos, está entre os selecionados em chamada da Editora Urutau. Seu romance “Peixes de aquário” narra a saga de uma família de imigrantes japoneses no noroeste paulista e foi uma das 16 obras escolhidas para serem publicadas entre 250 enviadas para a seleção.
A autora, que há um ano e meio mora em Curitiba, participou de chamada voltada para escritores residentes no Estado do Paraná.
O livro já pode ser adquirido nos formatos e-book e físico por meio de campanha de pré-venda realizada no modelo de crowdfunding. A compra pode ser feita pelo site www.benfeitoria.com.br/peixes após cadastro e a escolha da opção com a qual o leitor deseja contribuir.
“Com a pandemia, a pré-venda por crowdfunding é uma forma de editoras independentes garantirem uma tiragem inicial das obras e de o público apoiar a literatura e escritores contemporâneos”, afirma a autora. A pré-venda terá a duração de dois meses e será seguida pelo lançamento virtual do livro pelo perfil da editora no Instagram (@editoraurutau).
Drama familiar
O romance “Peixes de aquário” é a primeira narrativa longa escrita por Rafaela, autora da coletânea de contos “Enterrando gatos”, publicada em 2019 pela Editora Patuá. O drama familiar conta a história dos Fujikawa, uma família de imigrantes japoneses no Brasil, costurando dois períodos diferentes de suas vidas.
Na década de 1940, a trama protagonizada pelas irmãs Aiko e Kaede mostra como as duas, seu pai e seus outros irmãos convivem com o luto pela morte da mãe, as expectativas de uma realidade que nunca chega e os silenciamentos impostos às pessoas de sua nacionalidade durante a Segunda Guerra Mundial.
A opressão inflama conflitos e reverbera em rancores que persistem até os anos 1990, quando duas gerações da família ficam presas em um sobrado durante uma enchente. Lá, são obrigados a revisitar o passado, desembaraçar assuntos mal resolvidos e enfrentar a natureza para sobreviver.
Imigração e identidade
A autora conta que o romance foi uma oportunidade de falar sobre a realidade dos imigrantes e das dificuldades que as sociedades têm de se relacionar com o diferente. Ela mesma foi o que se chama dekassegui e viveu com os pais e o irmão no Japão, onde trabalharam nas fábricas. “Cresci em outro país e queria falar sobre o que é ser estrangeiro, sem falar de mim.
A ficção histórica permite abordar o assunto, contar um pouco sobre o que pessoas como meus antepassados viveram e sobre seu papel na formação das cidades do noroeste paulista”, conta. A estruturação e escrita da história contou com uma investigação histórica, por meio da consulta a livros, documentos, fotografias e artigos sobre o período.
Na década de 1940, quando o Brasil e Japão se tornaram inimigos na guerra, os japoneses que moravam aqui foram proibidos de falar seu idioma em público, ter rádio em casa, guardar livros ou jornais impressos em japonês, comprar combustíveis, além de ter bens apreendidos e sofrer ofensas. “Vivemos sob o mito da receptividade incondicional do povo brasileiro e de que o racismo não existe. Acredito que precisamos deixar de ignorar essas feridas e falar delas.”
Paralelamente às dificuldades, houve histórias de famílias estrangeiras que se estabeleceram no país, as adaptações que fizeram ao se integrar ao novo ambiente, e as vidas que construíram no Brasil. Essas pessoas – muitos dos quais nosso antepassados – contribuíram para a pluralidade do que é ser brasileiro, destaca a autora.
Para ela, não só a imigração continua um tema atual como contar sobre a realidade dos japoneses no Brasil durante a Segunda Guerra possibilita uma reflexão sobre perda de direitos, construção turbulenta de identidade e a opressão ao outro. “Senti um anseio em falar dessas angústias porque os brasileiros de hoje sofrem com a intolerância, seja étnica, seja política, seja sexual. Essas micros e macros violências ainda fazem parte da nossa vida, embora se manifestem em contextos diferentes”.
Condição humana
De acordo com a autora, embora a imigração e a essência do que é diferente seja um dos temas centrais da história, não é o único. O romance fala sobre a condição humana, o amadurecimento das crianças, o remorso dos adultos, a capacidade de resistência, o amor, a maternidade, e o lado agridoce das relações entre as pessoas.
Rafaela releva que buscou equilibrar o peso de temas como morte, tragédias familiares, culpa e xenofobia com uma linguagem lírica e alternância com momentos bonitos do cotidiano.
A trama se revela pouco a pouco e sob múltiplos pontos de vista – como as impressões de um bebê em gestação, os diários de uma adolescente cheia de impressões sobre o mundo onde amadurece, as sensações de uma jovem que em meio a um cotidiano exaustivo no campo descobre o amor, as hesitações de um rapaz sensível, porém revoltado ao ponto da saturação, os remorsos de uma mulher obcecada pelo medo de perder o controle sobre a própria vida e os pensamentos de uma idosa que não diferencia mais o passado e o presente.
A autora
Rafaela Tavares Kawasaki é escritora e jornalista. Nasceu em Araçatuba, no noroeste paulista, em 1987, e atualmente mora em Curitiba. “Peixes de Aquário” é seu primeiro romance e sua segunda obra publicada. Em 2019, lançou a coletânea de contos “Enterrando Gatos”, pela Editora Patuá. É formada em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo pelo Centro Universitário Toledo de Araçatuba.
Ainda na condição de estudante, foi finalista do “Prêmio Santander Jovem Jornalista”, realizado pelo jornal O Estado de S. Paulo, em 2014. Foi imigrante como os personagens de “Peixes de Aquário”, porém, fez a travessia inversa: cresceu no Japão, onde passou 12 anos e habitou diferentes regiões do arquipélago com a família.