Ananda Soares Rosa*
Na quinta-feira passada (22), estava a caminho da faculdade para mais uma de minhas aulas e enquanto dirigia mantinha os ouvidos atentos à entrevista da atual vice-prefeita e também candidata Edna Flor (Cidadania) ao programa “Fala Tudo”, da Band FM. Quando muito apropriadamente questionada pela jornalista e apresentadora Alessandra Nogueira sobre sua posição acerca da demolição da Estação Ferroviária e do descaso da atual administração com o patrimônio histórico e arquitetônico, Edna respondeu não ter uma opinião formada sobre o assunto e equivocadamente respondeu que “o prédio tem um valor afetivo para todos nós [de fato] (…), mas ele não é um prédio arquitetonicamente histórico e cultural”.
Visto ser docente de disciplinas como ‘Patrimônio Histórico e Cultural’ e ‘Técnicas Retrospectivas’, além de estudiosa do assunto “Patrimônio Ferroviário” e de ser mestra na temática das formações urbanas, escrevo na tentativa de ajudar a candidata e vice-prefeita na sua formação de opinião sobre a inescrupulosa derrubada da Estação Ferroviária.
Diversas foram as razões pelas quais ocorreu o surgimento das cidades do Estado de São Paulo. Algumas se desenvolveram a partir de aldeias fundadas pelos padres Jesuítas; outras surgiram por causa das Monções no Rio Tietê; outras, ainda, foram criadas com cunho estratégico para defesa de fronteiras, como as colônias militares; algumas se formaram a partir da doação de pedaços de terras que eram desmembrados de grandes latifúndios para a formação de Patrimônios Religiosos em honrarias a santos padroeiros; havia aquelas erguidas em virtude de patrimônios laicos ou loteamentos privados; outras tantas ergueram-se alicerçadas na produção cafeeira que as ferrovias “cata café” tanto almejavam etc..
A Companhia Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (CEFNOB), criada em 1904 com fundo estratégico de povoação, tinha o intuito de dirigir-se ao interior do País para promover o povoamento das terras onde hoje pisamos. Diferentemente das outras companhias as quais avançavam na “cata ao café”, partindo de Bauru, em 1905, a CEFNOB (ou NOB para os que por ela têm afeto), ia avançando rumo ao Oeste do País e implantando Estações Ferroviárias por onde traçava seus trilhos. No primeiro momento, tais “estações-povoado” eram a base de ocupação rural daquele espaço e serviam, além de proteção contra os ataques indígenas, como signo representativo do que era visto, naquele momento, como “tempos civilizados”.
Assim, distando poucos quilômetros umas das outras, foram implantadas as Estações de Jacutinga (que se tornou a cidade de Avaí), de Presidente Alves (sendo a origem de Presidente Alves), Presidente Penna (Cafelândia), Albuquerque Lins (Lins), a Estação de Hector Legru (Promissão), Miguel Calmon (Avanhandava), Pennápolis (origem da cidade de Penápolis), General Glycério (Glicério) e finalmente fora estabelecida, no dia 2 de Dezembro de 1908, a Estação denominada Araçatuba, no quilômetro 281 da Companhia Estrada de Ferro Noroeste do Brasil.
Birigui, por sua vez, desenvolveu-se a partir de uma chave (estranhamente, diga-se de passagem, mas isso já é assunto para próximas explicações e formações de opiniões).
Dessa maneira, marco zero da atual cidade de Araçatuba, a Estação Ferroviária, a princípio efêmera, fora a gênese urbana desta terra: com efeito, tal urbanidade surgira em razão da implantação de uma edificação a qual é a representação da técnica e do homem. Substituída, posteriormente, por uma construção de alvenaria, porém ainda de arquitetura singela, todo o principiar urbano araçatubense ocorreu a partir desse elemento. O traçado viário da cidade fora desenhado tentando adequar à Estação uma praça que, em ângulo certeiro, conseguisse enquadrar ao seu eixo de perspectiva a paisagem ferroviária.
Desse modo, com grande influência da tradição urbanística francesa baseada na Paris das reformas urbanas do Barão de Haussmann, Araçatuba teve o desenho de suas vias traçado claramente a partir da Estação Ferroviária e da esplanada da CEFNOB, numa composição regular, com uma praça central de onde partiam vias radiais. O desenhista arruador, ao mesmo tempo que engrandecia a ingerência da ferrovia para o encetar urbano, valorizava a edificação da Estação em si pela imposição da atual Rua Joaquim Nabuco ao eixo de visão da Praça, posteriormente chamada de Rui Barbosa. Nesse contexto, compunham, ainda, a paisagem ferroviária do espaço os galpões das oficinas de reparos dos trens, fixados, da mesma maneira, na grande esplanada atualmente recalcitrada pela impertinente presença da loja Havan.
No decorrer dos anos 1950, diante da pujança econômica a que o Brasil estava submetido e pelo ensejo generalizado pelos automotores, a antiga Estação foi demolida e substituída por uma nova em 1963. De caráter eminentemente representativo da arquitetura modernista, a “Nova” Estação Ferroviária, esta que nos prestigia com a sua presença, compõe-se por um prédio alongado cuja plataforma de embarque e desembarque é munida de uma marquise esbelta em concreto armado e com traços modernos.
Após a retirada dos trilhos do centro da cidade, a “Nova” Estação Ferroviária de Araçatuba e mais algumas poucas edificações, tais quais a casa do Chefe da Estação, as casas dos antigos ferroviários e os galpões das oficinas de manutenção das locomotivas, estes em estado deplorável de abandono, são os únicos resquícios remanescentes do processo de alvorecer urbano da cidade de Araçatuba, relegados ao esquecimento, ao desaparecimento e também ao descaso que a atual administração municipal impõe sobre eles.
Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa escreveu em um de seus poemas:
“O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia”
Assim, a “Nova” Estação Ferroviária de Araçatuba, abrilhantando a atual Avenida dos Araçás, cujo nome não poderia ser mais alusivo a este chão, é o “rio que corre pela ‘nossa’ aldeia”, é a representação da gênese deste povo: É sim, candidata, um patrimônio histórico e arquitetônico! Aquele que podemos chamar de “nosso” e que não deve ser transgredido.
* Ananda Soares Rosa, docente, Arquiteta e Urbanista e Mestra em Arquitetura e Urbanismo.