O Brasil conta com mais de 286 mil agentes comunitários de saúde integrados ao programa nacional de atenção básica à saúde. Os profissionais formam uma estrutura capilarizada, capaz de atender 75% da população – ou a parcela mais carente, que não possui plano de saúde privado e vem sendo mais impactada pela pandemia de COVID-19.
“Já em março, pesquisadores do Imperial College London apontaram o Brasil como forte candidato a dar uma boa resposta à pandemia. De acordo com eles, o enfrentamento com base nas ações, estrutura e na capilaridade dos agentes comunitários poderia servir de exemplo para outros países”, afirma à Agência Fapesp Gabriela Lotta, pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
“Os agentes comunitários só passaram a ser considerados trabalhadores essenciais para o controle da doença em julho. Como nem sequer eram considerados profissionais de saúde, não receberam equipamento de proteção individual, para citar um exemplo”, acrescenta.
Lotta é professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e escreveu com pesquisadores da Fiocruz, Universidade de York e London School of Economics um texto na seção Comment, da The Lancet, alertando para a importância do trabalho dos agentes comunitários de saúde durante a pandemia de COVID-19.
“Esse profissional existe em vários países do mundo, mas a aposta dos pesquisadores ingleses no Brasil se dava pelo fato de termos sido um dos primeiros a adotar os agentes comunitários de saúde como parte integrante de uma equipe dentro de uma unidade básica de saúde, que faz parte da política pública nacional do Sistema Único de Saúde. Na maioria dos países, eles são profissionais desconectados do sistema, ligados a organizações da sociedade civil, por exemplo”, pontua Lotta.
Proteção
Somente com a lei 14.023/2020, sancionada em 21 de julho de 2020, os agentes comunitários de saúde foram chancelados como trabalhadores essenciais durante a pandemia. “Apenas 9% receberam treinamento para controle de infecções e equipamentos de proteção individual (EPIs). Os sindicatos estimam cerca de 100 agentes mortos por COVID-19. Mas é possível que esse número seja, pelo menos, três vezes maior”, diz Lotta.
A pesquisadora ressalta, no entanto, que a lei não resolve automaticamente a questão dos agentes comunitários, nem a sua inserção no combate à pandemia. “Embora contribua muito, não necessariamente vai virar uma política melhor. O município sozinho, mesmo com a lei aprovada, não tem como priorizar os agentes comunitários no combate à pandemia sem a definição de um plano estratégico e a destinação de recursos.”
Entre as atribuições que poderiam ser exercidas pelos agentes durante a pandemia, Lotta destaca funções essenciais como o rastreamento de contato de pessoas infectadas, a disseminação da informação, atuação no combate às fake news e controle do isolamento de casos confirmados.
“Eles já têm um trabalho de educação em saúde, são moradores das comunidades onde atuam e têm certa legitimidade com a população. Portanto, levar informação sobre medidas de higiene, uso de máscara e como fazer o isolamento teria, inclusive, efeito no combate às fake news. Alguns poucos municípios usaram carros de som com agentes comunitários informando a população sobre a necessidade desses cuidados”, diz.
Atuação
Lotta explica que outra possibilidade de atuação seria no rastreamento de contato de pessoas infectadas. “Parte do trabalho deles já era entrar em contato com a população para monitorar a necessidade de atendimento de saúde. Alguns pouquíssimos municípios brasileiros e os vários países que tiveram rastreamento o fizeram por meio de agentes comunitários de saúde”, salienta.
De acordo com a pesquisadora, esses trabalhadores poderiam ainda monitorar, por teleatendimento, doentes em isolamento residencial, desde que a prefeitura oferecesse termômetros e oxímetros, auxiliando assim na avaliação sobre a necessidade e o momento ideal para hospitalizá-los.
Outra atribuição importante para os agentes teria sido atuar nas barreiras sanitárias estabelecidas na entrada das cidades.
“Principalmente em municípios turísticos, a epidemia foi levada por visitantes que estavam infectados e não apresentavam sintomas. Alguns municípios fizeram experiências interessantes que poderiam ser disseminadas ao colocar os agentes comunitários para medir a temperatura das pessoas na entrada das cidades e também informar a esses visitantes sobre a pandemia”, enfatiza.
“Para isso, claro, eles teriam que receber os equipamentos de proteção e apoio das prefeituras. Certamente, essas medidas aparentemente simples – já que temos a estrutura – e tão essenciais teriam impacto positivo na contenção do espalhamento do vírus”, diz.