Adhemar Prisco da Cunha Neto, 45 anos, já se deparou com diversas situações que considera “tocantes” na coordenação do Juizado Especial da Infância e Adolescência (Jeia) de Araçatuba. Foi muito gratificante para ele observar, por exemplo, um participante do programa “Aprendiz Cidadão” evitar o despejo da mãe com o salário conquistado por meio do contrato de aprendizagem. Como também saber que um menino optou por permanecer interno na Fundação Casa para poder participar do projeto até o final e, já na companhia dos pais, no evento realizado para celebrar a “formatura” e o final do contrato de aprendizagem, vê-lo com perspectivas de trilhar um novo caminho.
“Esse resgate faz valer a pena toda a dedicação empenhada”, afirma o magistrado. Juiz do Trabalho titular da 1ª Vara do Trabalho de Araçatuba e Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP, Adhemar Prisco é natural de São José dos Campos, atua no Judiciário há 27 anos, 20 dos quais como juiz do trabalho. Casado e pai de uma adolescente de 14 anos, está em Araçatuba há pouco mais de oito anos e à frente do Jeia desde a criação do órgão, em abril de 2016. Nesta entrevista, expõe as suas ideias e experiência em relação ao delicado tema do trabalho infantil e de adolescentes. Segue a íntegra:
Por que a criança não pode trabalhar?
Ao longo da história da humanidade, a criança foi vista como um adulto em miniatura. A evolução da ciência mostrou que, apesar das semelhanças físicas, as crianças ainda são seres em formação, física e psicológica. Uma criança não tem a mesma percepção sensorial de um adulto, por exemplo, o que a expõe a riscos maiores de acidente. Também são mais facilmente cooptadas, enganadas. Em suma, ainda não estão preparadas para a vida adulta. A formação da criança se faz com educação, formal e familiar, e experiências lúdicas. O trabalho precoce faz com que etapas sejam queimadas, sonegando o direito ao crescimento saudável.
E no caso do adolescente, é diferente?
Na adolescência, o jovem começa a ter contato com o mundo do adulto, mas ainda não está plenamente capacitado para assumir toda sorte de obrigações. A educação ainda é a melhor alternativa, mas o acesso ao mercado de trabalho começa a se tornar uma possibilidade, embora com regras e limites muito específicos.
Qual é a missão do Jeia?
O Juizado Especial da Infância e da Adolescência (Jeia) foi criado como parte de um contexto maior, que é o Comitê de Erradicação do Trabalho Infantil, mantido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Esses juizados estão dispostos em todo o território sob jurisdição do tribunal (Estado de São Paulo, exceto capital, respectiva região metropolitana e Baixada Santista) e se propõem a atuar de duas maneiras principais: no âmbito especificamente jurisdicional, processando e julgando demandas que envolvam questões relacionadas a trabalho infantil; integrando o judiciário trabalhista à rede de proteção, como ator de ações que promovam, protejam e defendam os direitos das crianças e dos adolescentes (artigo 70-A, II, do ECA).
Qual a área abrangida pela sua atuação?
O Jeia Araçatuba atua no eixo compreendido entre as jurisdições das Varas do Trabalho de Lins e de Andradina. Compreende, além destas, as Varas de Penápolis, Birigui e Araçatuba. No total, são 49 municípios atendidos. O Jeia não é um órgão autônomo na estrutura do Tribunal Regional do Trabalho. Como tal, a atuação é feita de forma cumulada com as atividades jurisdicionais habituais.
Qual a cidade com maior demanda?
Naturalmente, pelo fato de ser sede da circunscrição e também porque, atualmente, a função é cumulada com a titularidade da 1ª Vara do Trabalho de Araçatuba, é natural que Araçatuba represente a maior demanda. No entanto, a atuação jurisdicional já se fez necessária em todas as varas citadas. E ações de promoção e defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes estão sendo estendidas a outros municípios. Caso, por exemplo, da parceria em desenvolvimento com o IFSP de Birigui.
Como está organizado fisicamente o Jeia de Araçatuba?
Quando há demanda no município de Araçatuba, serve-se de espaço físico e pessoal da 1ª Vara do Trabalho local. Em sendo o caso de demandas em áreas de jurisdição de outras varas da circunscrição, o juiz se desloca até o local e se serve de espaço e pessoal correspondente. Atualmente, os processos em curso na Justiça do Trabalho são todos eletrônicos, o que permite acesso e deliberações a distância. Isso facilita a comunicação e a prática de atos necessários para levar a efeito a ação do JEIA.
Poderia fazer um balanço de sua atuação no JEIA?
A atividade jurisdicional compreende, principalmente, casos específicos de jovens que, embora muitas vezes em condição proibida, trabalharam e reclamam direitos trabalhistas que entendem descumpridos. Nessas hipóteses, o juizado atua em conjunto com o Ministério Público do Trabalho, cuja atuação se dá na qualidade de fiscal da lei. Também são julgados pelo JEIA ações civis públicas que tenham questões relacionadas ao trabalho infantil como tema. Estas são ações peculiares, propostas, via de regra, pelo Ministério Público do Trabalho, atuando como parte. São demandas que nascem de fiscalizações e procedimentos administrativos que detectam situações que possivelmente contemplam descumprimento de direitos de crianças e adolescentes. A via judicial é utilizada quando não se consegue corrigir a situação administrativamente. Casos recentes têm sido propostos para discutir, principalmente, cumprimento de cotas de aprendizagem. Paralelamente, o JEIA já promoveu ou participou de ações das mais diversas, sejam voltadas a campanhas educativas como a divulgação do Disque 100 em shows, exposição “Um Mundo sem Trabalho Infantil” no Shopping Praça Nova, corrida “#Chega de Trabalho Infantil” e concurso de redação “Todos Juntos contra o Trabalho Infantil”. O JEIA também é parte integrante de uma rede de atores que promove o projeto “Aprendiz Cidadão”, que proporciona às empresas o cumprimento de cotas de aprendizagem e a jovens em extrema vulnerabilidade social uma experiência de formação profissional.
O que é permitido e não é permitido em cada faixa etária?
O trabalho é expressamente proibido antes dos 14 anos, conforme artigo 7º, XXXIII, da Constituição Federal de 1988. Há uma discussão sobre o trabalho artístico e, por ora, tem sido excepcionalmente autorizada essa forma de trabalho. Entre os 14 e os 16 anos, o trabalho somente é possível por meio de contratos de aprendizagem. Estes integram modalidade contratual especial, a prazo determinado, que associa experiência prática a formação teórica. Como regra, podem ser aprendizes jovens até os 24 anos. Preferencialmente, a parte teórica é proporcionada pelo chamado “Sistema S” (Senac, Senai, Senar, Senat e Sescoop), embora outras entidades, devidamente habilitadas perante o Ministério da Economia, também possam funcionar como entidade formadora. A partir dos 16 anos, o trabalho é permitido, mas ainda com restrições. Antes dos 18 anos não é autorizado o trabalho em condições que ofereçam riscos à saúde, à integridade e ao desenvolvimento moral do adolescente. Casos, por exemplo, de trabalhos insalubres, perigosos ou noturnos.
O que caracteriza o trabalho infantil e de adolescentes?
Considera-se trabalho infantil toda forma de trabalho que se incompatibilize com as regras. A propósito, vale a pena acrescentar que o Brasil ratificou a Convenção 182, da Organização Internacional do Trabalho. Como fruto desse compromisso internacional, o Decreto 6.481/2008 elenca um rol de atividades consideradas “piores formas de trabalho infantil”. É a chamada “Lista TIP”. São atividades expressamente proibidas antes dos 18 anos inseridas em setores da agricultura, pecuária, silvicultura, exploração florestal, pesca, indústria extrativa, indústria de transformação, produção e distribuição de eletricidade, gás e água, construção, comércio, transporte e armazenagem, saúde e serviços sociais, serviços coletivos e serviço doméstico.
A atuação do Jeia é mais fiscalizatória ou preventiva?
Como o Jeia é uma função integrante do Poder Judiciário, não é correto falar, propriamente, em “atuação fiscalizatória”. Essa tarefa, de cunho administrativo, compete a auditores fiscais do trabalho e, de certo modo, ao Ministério Público do Trabalho. Portanto, há uma atuação jurisdicional, o que pressupõe prévia provocação por uma parte interessada, seja o trabalhador, o responsável legal ou o próprio Ministério Público do Trabalho. Isto não impede que, institucionalmente, o JEIA participe de ações que promovam e garantam os direitos de crianças e adolescentes. Não se trata de uma tarefa típica do órgão jurisdicional, mas é atribuição indireta do Poder Judiciário. O trabalho infantil é uma forma de exploração da criança e do adolescente. E o Estatuto da Criança e do Adolescente disciplina que o Poder Judiciário, ao qual a Justiça do Trabalho pertence, trabalhará de forma articulada com os demais atores que integram a rede de proteção. Nessa medida, não há uma espécie de atuação que se sobreponha. Em termos de tempo dedicado, seguramente as ações institucionais, com vistas à prevenção e à conscientização, demandam mais que a atividade jurisdicional.
O Jeia conta com apoios de outros órgãos?
O TRT15 possui um acordo de cooperação interinstitucional firmado com o Ministério Público do Trabalho, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o Ministério Público do Estado de São Paulo, o Município de Araçatuba, a Secretaria de Trabalho do Ministério da Economia, a Fundação Casa e o Senac, com o propósito de firmar compromissos que viabilizem o projeto “Aprendiz Cidadão”. À medida em que surgem demandas e necessidades, são convidados a participar todos os que promovem ou estão dispostos a promover ações correlatas, independentemente se são entes públicos ou privados. O JEIA Araçatuba encontrou, por exemplo, na FAC-FEA um parceiro de primeira grandeza, que se transformou em entidade formadora de aprendizes. Empresários locais também aderiram a propostas que lhes foram apresentadas, traduzindo em contratação de aprendizes ou eventos para conscientização da sociedade. Organizações sem fins lucrativos também são chamadas a participar, caso do Amor Exigente, que realiza um valoroso trabalho ligado à drogadição.
O que são os pedidos de autorização de trabalho infantil, por que são negados, e quais são as solicitações mais comuns?
A autorização de trabalho infantil é um ato atípico do juiz, por não ter características jurisdicionais. Tradicionalmente, o pedido era dirigido ao juiz da infância e da juventude. Como a Constituição Federal de 1988 disciplina que questões relacionadas a trabalho são da competência da Justiça do Trabalho, o TRT15, juntamente com o TRT2, editou um ato conjunto com o TJSP, firmando entendimento uniforme de que esses pedidos deveriam ser dirigidos às Varas do Trabalho. No caso do TRT15, aos JEIA. A negativa, via de regra, ocorre em razão da expressa proibição legal. Em Araçatuba, a maioria dos pedidos são veiculados por famílias que vislumbram no trabalho uma “oportunidade” para seus filhos. Esta é uma cultura muito arraigada no imaginário popular: a de que é melhor trabalhar, a ficar na rua. Em verdade, a fuga para o trabalho ocorre em razão da falta de consciência de que o caminho para um futuro com mais perspectivas é encontrado na educação. A autorização para o trabalho não é a solução para as múltiplas carências enfrentadas principalmente por quem habita regiões onde o Estado não chega com eficiência. Ao contrário, a autorização para o trabalho precoce alimenta o cruel ciclo da pobreza, fazendo com que o jovem que hoje começa a trabalhar sem o preparo adequado amanhã se acomode em subempregos e reproduza a mesma prática com seus filhos. Portanto, é necessário começar a mudar o discurso. O Estado precisa chegar com eficiência a todos os rincões. Isso se aplica desde a concepção de um novo bairro. Os aparelhos de saúde, educação, lazer e esportes devem chegar antes que os moradores. Os espaços públicos devem ser ocupados pelos cidadãos. A segurança pública não pode permitir o surgimento de vácuos de poder estatal. Dizer que não se deve trabalhar, quando existem locais em que falta o básico, pode soar absurdo. Mas se não criarmos essa consciência coletiva, a tendência é que esse processo que gera pobreza se eternize.
Quais são os casos mais comuns de trabalho infantil e de adolescentes em Araçatuba e na região?
Salvo peculiaridades locais, a realidade não muda muito na região. Há uma dificuldade grande em classificar tal ou qual atividade como ocorrência “mais comum” de trabalho infantil porque os casos são subnotificados e as pesquisas de amostragem nem sempre possuem metodologias adequadas. No entanto, do que chega ao Poder Judiciário, os casos mais comuns se aplicam a estabelecimentos comerciais. Muitas vezes, por iniciativa dos pais, a oportunidade de trabalho é solicitada ao parente, amigo ou conhecido que possui um pequeno comércio ou oficina. De todo modo, há tipos de exploração do trabalho infantil que, embora ocorram à vista das pessoas ou sejam bem conhecidos, acabam tolerados ou mal avaliados. Refiro-me, por exemplo, à criança ou ao adolescente que circula pela noite, em bares e restaurantes, vendendo doces e flores a clientes dos estabelecimentos. Trata-se de uma exploração, muitas vezes praticada pelos próprios pais, sujeitando o jovem a abordagens impróprias e aliciamentos. As pessoas, com boas intenções e sem se dar conta dos malefícios que essa prática causa ao desenvolvimento da criança, acabam alimentando essa exploração, a pretexto de “ajudar”. Outra situação que exige reflexão diz respeito ao uso de crianças e adolescentes para o tráfico de drogas. Por razões diversas, essa faixa etária é alvo de aliciamento. A falta de família estruturada, o desejo de consumir e a ausência de políticas públicas preventivas eficientes tornam essa exploração muito comum, retroalimentada pelo vício do próprio jovem. Essa é uma das piores formas de exploração do trabalho infantil. Algo que precisa ser debatido para além das páginas policiais.
A atuação do Jeia visa a proteção e crianças e adolescente exclusivamente em situação de vulnerabilidade e risco?
O Jeia foi criado para tratar de questões relativas ao trabalho infantil, indistintamente. No entanto, a realidade impõe um direcionamento especial ao jovem em situação de vulnerabilidade. Crianças e adolescentes inseridos precocemente no mercado de trabalho geralmente vêm de extratos menos favorecidos da sociedade. Aqueles que estão em famílias estruturadas, com acesso à melhor educação, que não passam privações seguem um padrão de formação que naturalmente os afasta do trabalho precoce. A verdade é que a desigualdade social faz com que jovens vulneráveis troquem o estudo pelo trabalho com mais facilidade.
É recorrente entre adultos se referir ao seu passado e dizer que o trabalho precoce o ajudou a “vencer na vida”. Há também os que dizem que é melhor a criança ou adolescente estar vinculado a uma atividade remunerada do que perambular pelas ruas. Como o senhor vê essa questão?
O trabalho precoce não é sinônimo de condenação a uma vida adulta de insucessos. Mas esta é a realidade da maioria dos adultos que trabalharam quando criança. Com certeza, existem aqueles que começaram cedo e se tornaram financeiramente bem sucedidos, mas o que poucos explicitam são as marcas deixadas pela infância perdida. Isso quando o que se perde não se restringe ao psicológico. Acidentes do trabalho e doenças ocupacionais são reais e vitimam crianças que trabalham. Dessa forma, a mudança cultural é fundamental para garantir que todas as crianças e adolescentes tenham o direito de serem tratados como tal. Há momento para tudo na vida e se o trabalho se apresenta como efetiva alternativa, dada a realidade que se impõe no caso concreto, que seja introduzido de forma metódica, através de um contrato de aprendizagem, a partir dos 14 anos.
Outros dizem, também com base em sua experiência própria, que é possível uma criança/adolescente de 12 ou 13 anos frequentar a escola e ter uma atividade de ajuda à família em paralelo. Como o senhor avalia isso?
Em primeiro lugar, é preciso que cada pessoa assuma seu papel. Transferir responsabilidades não é saudável. A lógica é que pai e mãe provejam sustento e valores aos filhos e não o contrário. Onde faltam as figuras paterna e materna, é papel do Estado assegurar o direito das crianças e dos adolescentes. Estabelecida essa premissa, é muito bonita a atitude de um filho em se dispor a ajudar a família. Mas que isso seja feito de forma a não prejudicar a sua formação. Se a idade é tenra e ainda não permite nenhuma forma de trabalho, que a ajuda seja dada de outra forma, contemplando responsabilidades compatíveis com a idade, sem prejuízo com o desempenho escolar. Ajudar a lavar a louça e arrumar a cama, por exemplo, são ajudas salutares e que ensinarão valores. Um olhar atento de professores, em sala de aula, pode revelar casos de exploração do trabalho infantil. Não raras vezes, uma criança dispersa e sonolenta se apresenta assim porque desempenhou tarefas superiores à sua condição. Isso não é admissível a pretexto de ajudar a família.
O senhor e todos os envolvidos nessa questão enfrentam resistência dos pais e da sociedade?
A proibição ao trabalho infantil precisa ser trabalhada de maneira educativa e não repressiva. A não ser casos graves, que demandem intervenções severas. Ninguém se satisfaz em ser simplesmente proibido de fazer algo. Todos querem entender os motivos que levam a essa proibição. Com essa consciência, sempre que é preciso negar uma autorização para trabalho, os pais são esclarecidos sobre as razões. A hipótese da aprendizagem é apresentada, pois muitos desconhecem essa alternativa. Inclusive, quando possível, é feito o encaminhamento para alguma entidade formadora, de modo a encaminhar a questão para uma solução alternativa. Quanto à sociedade, as ações educativas têm sido bem recebidas. Naturalmente, este é um processo lento. Leva tempo desfazer mitos e construir novas realidades. Mas dar um passo de cada vez é melhor que ficar parado.
O senhor acredita que as ações da Justiça do Trabalho nessa área ampliou a conscientização da sociedade sobre o tema de modo geral?
Aos poucos sim. O dia 12 de junho é reconhecido internacionalmente como data de combate ao trabalho infantil. Araçatuba teve uma agenda intensa de eventos alusivos ao tema. Depois disso, surgiram denúncias de casos de trabalho infantil, permitindo uma abordagem da criança e dos responsáveis, em vistas a coletar dados úteis para entender a gênese do problema. Esse é um trabalho que não pode cessar. E, importante, que deve ser dirigido às novas gerações, para que cresçam desprovidas de crenças que, se valeram no passado, atualmente estão superadas.
Como se situa estatisticamente Araçatuba e região no contexto estadual e nacional?
Dados do observatório do Ministério Público do Trabalho indicam, apenas em Araçatuba, 104 casos de acidente do trabalho envolvendo jovens com idade inferior a 18 anos entre 2012 e 2018. Outra amostragem pode ser extraída de questionário aplicado a estudantes que realizaram a Prova Brasil em 2017. Aos alunos de 5º e 9º ano do ensino fundamental foi realizada a seguinte pergunta: “Atualmente você trabalha fora de casa (recebendo ou não salário)?”. Aos alunos de 5º ano de Araçatuba, foram aplicados 1.810 questionários, dos quais 1.545 foram respondidos e 1.510 tiveram resposta válida. Um total de 96 estudantes, 6% do total de respostas válidas, responderam que sim. Para alunos de 9º ano, dos 1.425 questionários válidos, 170 estudantes responderam afirmativamente, 12% do total. Ou seja, embora faltem mais elementos, os dados revelam necessidade de ações efetivas, pois o trabalho infantil é uma realidade em Araçatuba.
Há alguma campanha de conscientização em andamento ou em planejamento?
Neste momento, estão em gestação as turmas do projeto “Aprendiz Cidadão” para 2020. Houve uma reunião com todos os atores envolvidos para avaliar de acertos e erros do projeto ao longo de 2019. Nela ocorreram algumas deliberações que estão sendo compiladas para serem implementadas na sequência. Quanto a ações de conscientização, acabamos de realizar evento para premiação das melhores redações, por faixa etária, do concurso “Todos Juntos contra o Trabalho Infantil”, alusivo aos Dias das Crianças e dos Professores. A premiação encerrou um ciclo. Agora é momento de planejamento para reproduzir o que foi sucesso, como, por exemplo, a corrida “#Chega de Trabalho Infantil” e o seminário “Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil”, bem como para trazer outras experiências para a cidade. Enquanto isso, o espaço proporcionado pela imprensa é decisivo para levar adiante o trabalho de conscientização e esclarecimento da sociedade.
O senhor acha que está próximo o dia em que esse problema será eliminado ao ponto de prescindir da atuação do JEIA? Qual o cenário futuro, ou qual a tendência?
A Organização das Nações Unidas possui uma agenda que contempla objetivos mundiais de desenvolvimento sustentável. O trabalho e o crescimento econômico compõem um desses objetivos, o de número 8. O objetivo é desdobrado em metas e a de número 8.7 contempla a erradicação do trabalho infantil, em todas as suas formas, até 2025. O Brasil é signatário dessa meta ousada, da qual, infelizmente, ainda estamos distantes. Mas as dificuldades não nos impedem de contribuir para que isso aconteça. Se não em 2025, o mais próximo possível. O JEIA terá cumprido seu papel no dia em que sua atuação não for mais necessária. É isso que almejamos.
No caso do adolescente, a saída é jovem aprendiz? Qual é a idade mínima, e como a questão está regulamentada em Araçatuba?
A educação é sempre a primeira alternativa. Mas, pelas razões já citadas, se há o propósito de ingressar no mercado de trabalho, a aprendizagem, a partir dos 14 anos, é o caminho. Principalmente porque comunga experiência prática com formação teórica, de uma forma metódica. Em termos gerais, os estabelecimentos são obrigados a manter de 5% a 15% de aprendizes em seu corpo de funcionários. A base de cálculo é extraída, com algumas exceções, da consulta à Classificação Brasileira de Ocupações – CBO dos empregados do estabelecimento. Essa classificação, feita pela Secretaria de Trabalho do Ministério da Fazenda, indica quais cargos exigem ou não formação profissional. Como regra, a experiência prática é proporcionada no ambiente do próprio empregador. No entanto, em algumas circunstâncias, em razão do tipo de atividade desenvolvida, isso se torna inconveniente. Por isso, existem meios alternativos para o cumprimento da cota legal. Em Araçatuba, com base no banco de dados disponibilizados pela fiscalização, o Ministério Público do Trabalho tem atuado para sanar as irregularidades encontradas, seja para cumprimento de cota pelo meio tradicional, seja pela via alternativa. A chamada “cota social” é parte essencial para possibilitar o oferecimento de oportunidades a jovens em condições de extrema vulnerabilidade, objeto de trabalho do projeto “Aprendiz Cidadão”.
As empresas investem no acolhimento desses aprendizes ou o fazem por obrigatoriedade da lei ou circunstâncias do mercado de trabalho?
Naturalmente, há quem, mesmo já cumprindo a obrigação mínima, se disponibiliza a investir em projetos e em ações de conscientização. Do mesmo modo, há os que o fazem por obrigação. Por outro lado, também existem aqueles que relutam e preferem o litígio. A cada situação é dado o direcionamento adequado. Ações espontâneas de empresários reforçam a imagem de responsabilidade social de suas marcas, algo muito valorizado atualmente. Essa é a reflexão importante, pois depende de todos a criação da almejada consciência coletiva.
O termo menor é inadequado, por que?
O termo “menor”, dada sua conotação pejorativa, tem sido cada vez menos utilizado. Crianças e adolescentes são sujeitos de direito e assim deve ser enxergados pela sociedade. Se queremos mudar a cultura, é importante trabalhar as questões que nos prendem às noções equivocadas.
Os juízes da área são escolhidos com base em que requisitos e perfil?
A escolha dos juízes que integrarão o Jeia é feita pelo Comitê de Erradicação do Trabalho Infantil, com o aval da presidência do TRT15. A análise é feita com base na experiência adquirida a partir da atuação profissional do magistrado, considerando tratar-se de uma tarefa específica.
O senhores trocam informações, se reúnem para troca de experiências e treinamentos?
O avanço tecnológico facilitou muito a troca de informações e experiências. As conversas são diárias, seja para compartilhar decisões relevantes, seja para discutir idéias e iniciativas que podem ser replicadas ou adaptadas para outras regiões. Em havendo necessidade, são agendados encontros na sede, em Campinas.
Em caso de constatar um caso de trabalho infantil, o que o cidadão pode fazer?
É importante que a notícia chegue ao conhecimento das autoridades competentes, em especial do Ministério Público do Trabalho. Mas as violações de direito também podem ser comunicadas à Promotoria da Infância e da Juventude, ao Conselho Tutelar e ao próprio JEIA, na 1ª Vara do Trabalho de Araçatuba. O cidadão tem, ainda, à disposição o Disque 100 e o próprio site do Ministério Público do Trabalho para fazer a denúncia.