Constrangido, inconformado e buscando forças para recomeçar a vida. É assim que se sente o publicitário ARF – para não se expor ainda mais, ele prefere utilizar apenas as iniciais do nome –, de 38 anos, preso em março deste ano e solto em agosto, acusado de pornografia infantil, no que ele classifica como uma atuação no mínimo questionável da Polícia Civil. Na casa dos pais, em Bilac (SP), onde voltou a morar depois que saiu da cadeia, passa os dias refletindo sobre o que fazer para provar a sua inocência.
“Nunca imaginei passar por uma situação dessas. Quem me conhece sabe que eu abomino a pornografia infantil e jamais me envolveria com algo nesse sentido. Meus verdadeiros amigos acreditaram em mim e as dezenas de cartas que eles me mandaram me deram muita força. A minha família ficou completamente atordoada e fez tudo o que pôde para me amparar. Isso fez toda a diferença para que eu passasse por todo esse processo. Agradeço a ela e a Deus por hoje estar aqui lutando pelos meus direitos”, comenta.
Após cinco meses de detenção, de ele perder o emprego, assim como trabalhos eventuais que fazia como modelo, e ter o seu nome associado a um delito relacionado a um transtorno mental, o juiz da 1ª Vara Criminal de Araçatuba o absolveu da acusação de pornografia infantil, seguindo manifestação favorável do Ministério Público.
Com a sentença em mãos e também os depoimentos que prestou à Polícia Civil, ARF rebate tudo o que foi dito sobre a associação de sua prisão e pornografia infantil.
“A Justiça e o MP concluíram que não havia qualquer prova contra mim. O meu computador não estava ligado, portanto não havia qualquer transferência de arquivos no momento do ‘flagrante’. Não foram localizados vídeos que permitissem essa insinuação de compartilhamento. E, ao contrário do que foi dito, em momento algum eu admiti gostar de ‘coisas bizarras’. Está tudo devidamente documentado para quem quiser ver”, esclarece o publicitário.
Entenda o caso
No dia 28 de março, policiais do GOE (Grupo de Operações Especiais) da Polícia Civil chegaram à casa onde ARF morava, no bairro Bandeiras, em Araçatuba (SP), e o prenderam em flagrante sob a acusação de compartilhar pornografia infantil pela internet. Era a 4ª etapa da Operação Luz da Infância, desencadeada em todos os estados brasileiros.
A notícia foi rapidamente publicada pela imprensa, que reproduziu informações fornecidas pela Polícia Civil, dentre elas que o profissional estaria, no momento da prisão, baixando vídeos com conteúdo pornográfico infantil e que ele teria confessado gostar de “coisas bizarras”.
Na ocasião, foram apreendidos um computador, um celular, um sapatinho de bebê, munições, além de uma espingarda de pressão e uma pistola de air soft (esporte interativo em que há simulação de batalhas militares e policiais de forma realista, com equipamentos de proteção, as armas apropriadas e seus projéteis de plástico).
Acusado de crimes contra o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e de posse de munição de uso restrito, o publicitário ficou cinco meses preso até a sua segunda audiência, ocasião em que a prisão preventiva foi revogada, no dia 5 agosto.
Após o laudo realizado pela Polícia Civil, foi constatado que ARF não havia realizado nenhum tipo de busca nem armazenamento ou compartilhamento (no computador, celular ou pendrives) de qualquer tipo de arquivo relacionado à pornografia infantil.
O material encontrado pelos policiais do GOE estava em uma lista de um software chamado eMule, junto a outros arquivos que ainda não haviam sido baixados, fazendo parte de um pacote de vídeos pesquisado por uma palavra chave comum. AFR desenha como hobbie e utiliza o programa para fazer buscas de imagens de referência.
A perícia comprovou que só depois de instalado o programa, que efetua o download automático de arquivos de outros internautas, apareceram tais materiais, mas não houve indício de pesquisas nem de armazenamento por arquivos específicos de pedofilia nos dispositivos examinados. Isso comprovou a ausência de dolo (intenção de cometer o delito), já que AFR não tinha conhecimento que o material infantil poderia estar junto com os outros arquivos.
Embora extremamente incomodado com a situação, o publicitário afirma que concorda com operações relativas à pornografia infantil, mas faz uma comparação para ressalvar a forma de atuação da Polícia Civil no caso dele. “Eu sou favorável à operação, mas acredito que operações desse tipo devem ser conduzidas em sigilo, até a conclusão, daí sim serem expostas para a mídia. Grosso modo, no meu caso, o modus operandi da polícia foi como alguém comemorando o emprego logo após a entrevista seletiva, antes de ter conquistado de fato a vaga”.
Sapatinho, “armas” e munições
Sobre o sapatinho de bebê apreendido em sua casa, AFR esclarece que foi uma lembrança do aniversário de um ano de um afilhado seu. Inclusive, a mãe da criança foi sua testemunha de defesa no processo. Por não serem objetos ilícitos, a pistola de air soft e a espingarda de pressão não fizeram parte da acusação.
Quanto às munições, ARF foi condenado a três anos e seis meses de reclusão, em regime aberto, com cumprimento de serviços comunitários, bem como ao pagamento de multa. O publicitário vai recorrer contra a sentença, já que, de acordo com a perícia, parte delas não estava apta a serem disparadas e estavam desacompanhadas de armas de fogo, inexistindo assim potencialidade lesiva.
ARF agora estuda a possibilidade de entrar com um pedido de indenização por danos morais e materiais contra o Estado. “Não desejo o que passei a quem quer que seja. É desesperador você ser acusado, detido e ficar preso por algo que não cometeu. Só eu sei tudo o que eu e a minha família sofremos, com a minha honra sendo atingida de forma tão violenta. Posso até não ganhar a ação, mas preciso agir para que não fique o dito pelo não dito”, finaliza ARF.