A idosa Teresa Silvestre Sampaio, 78 anos, sempre foi uma mulher ativa. Fazia faxina, passava roupa de clientes para complementar a aposentadoria de um salário-mínimo, gostava de passar os fins de semana assando pão caseiro e limpando a casa que divide com um dos filhos. Dona Teresa nunca gostou de depender de ninguém, fazia questão de resolver sozinha as pequenas burocracias do dia a dia no Centro da cidade ou na Prefeitura.
É difícil de imaginar, hoje, a figura dinâmica que dona Teresa foi um dia. Deitada sobre uma cama em um quarto humilde de sua residência, no bairro Casa Nova, em Araçatuba, ela passa os dias gemendo de dor e mal consegue se virar em seu leito.
Ela sofreu um acidente em 2013 e, desde então, sua vida se resume a ficar deitada com os pés em cima de um travesseiro rezando para que as autoridades de saúde autorizem a cirurgia de quadril de que precisa para ter um pouco de qualidade de vida. Restou à idosa recorrer às orações, pois até o momento não foi resolvido o seu problema. Nas horas mais críticas, chega a pedir a Deus que a leve para outro mundo, pois este está difícil de suportar.
Apesar de ter conseguido duas decisões judiciais favoráveis, determinando ao município e Estado que autorizem o procedimento, dona Teresa continua na espera angustiante, contando com a ajuda dos filhos para realizar pequenas tarefas, como se alimentar, tomar banho e trocar de roupa. Andar, não consegue mais. Só com a ajuda de uma cadeira de rodas conseguida por meio de uma doação.
ACIDENTE
O drama de dona Teresa teve início em 2013. Ela estava indo à Prefeitura de Araçatuba, quando o ônibus da TUA em que estava se chocou com um carro, na Rua Humaitá. A idosa, que dois anos antes tinha colocado pinos no quadril, após uma queda, viu os objetos de seu corpo se soltarem ao bater contra as ferragens do veículo. A partir daí, sua rotina passou a ser de medicamentos, dores intensas e uma via-sacra sem fim a médicos e hospitais.
Em uma dessas idas a um ortopedista, recebeu o diagnóstico: necessita de uma artroplastia total de quadril para repor o osso que perdeu, procedimento com custo de R$ 90 mil, muito acima de suas posses, humilde que é.
O jeito foi acreditar que a Justiça pudesse garantir a cirurgia, já que a Constituição Federal diz ser a saúde um direito de todos. A idosa não estava de todo errada. Conseguiu uma decisão favorável, determinando que o município e Estado providenciassem o procedimento.
DECISÃO
Dezesseis meses se passaram após a decisão da Vara da Fazenda Pública de Araçatuba, mas até agora, nada mudou. A decisão do pedido de tutela de urgência saiu no dia sete de fevereiro de 2018, concedendo um prazo de 20 dias ao município e Estado para a realização do procedimento, sob pena de multa diária de R$ 400,00. O prazo venceu no dia 20 de maio de 2018.
O município e Estado recorreram da sentença ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), mas não conseguiram cassar a decisão.
JOGO DE EMPURRA
Agora, a alegação, segundo o advogado da idosa, Daniel Abrantkoski Balbino, do escritório Pereira Lima Advocacia, é que a idosa não tem condições de fazer o procedimento.
O argumento, no entanto, difere do que o médico que avaliou a idosa diz. “O médico garante que ela tem condições, sim, de fazer a cirurgia, mas é necessário adquirir os materiais necessários para a intervenção cirúrgica”, afirmou o advogado.
“A impressão que dá é que estão querendo ganhar tempo para não realizarem o procedimento. Eles argumentam que ela não tem condições de fazer a cirurgia e continuam reagendando consultas que levam um ou até dois meses para serem realizadas”, afirma Balbino.
A próxima consulta da idosa está marcada para cinco de julho. A multa estabelecida pela Justiça não vem sendo paga pelo município, pois só é cobrada quando for constatado o descumprimento da decisão. “Como eles alegam que não cumprem por causa do quadro de saúde dela, a situação vai se prolongando e o caso não se soluciona”, diz o advogado.
Enquanto isso, o drama da idosa continua, assim como sua peregrinação em hospitais e clínicas. “Às vezes, acho que é melhor morrer do que passar o que estou vivendo hoje”, diz, em prantos, Teresa, que continua a sua rotina de dor em cima de uma cama.
OUTRO LADO
A Secretaria Municipal de Saúde só afirmou o que já se sabe no caso de dona Teresa. Por meio de nota, a secretaria disse que a idosa passará por avaliação da especialidade Cirurgia Vascular, na Santa Casa de Araçatuba, no dia cinco de julho.
A pasta citou também a hierarquização do Sistema Único de Saúde (SUS) e as atribuições de cada ente federativo para dizer que não tem autonomia para obtenção do procedimento cirúrgico de que dona Teresa precisa e destacou que é responsabilidade do Estado, por meio da Central de Regulação de Oferta de Serviços de Saúde (Cross).
Contudo, a decisão de segunda instância do TJ-SP deixou claro que a responsabilidade entre os entes federativos é solidária, cabendo ao município e Estado em conjunto providenciarem o cumprimento da decisão judicial.
A sentença esclarecera, ainda, que o direito à vida é amplo e explicitamente protegido na Constituição da República, ainda mais em se tratando de interesse de pessoa idosa. A referida decisão de segundo grau foi publicada no dia 21 de março de 2019.
No entanto, na visão do Estado, caberia ao município solicitar a cirurgia, por meio da Central de Regulação. A Secretaria de Estado da Saúde, porém, informou que o município ainda não fez o pedido de cirurgia para a Cross.