Autoridades e órgãos de Araçatuba e região ligados a crianças e adolescentes se unem pela erradicação do trabalho infantil e para alcançar a meta estabelecida na Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU), que prevê acabar com a prática até o ano de 2025. No Brasil, 2,5 milhões de crianças e adolescentes vivem esta condição de trabalho infantil.
Em Araçatuba, apesar de não haver dados estatísticos do trabalho infantil, números do Ministério Público do Trabalho apontam que ele também está entre nós. Entre 2012 e 2018, foram registrados 104 acidentes de trabalho com crianças e adolescentes, média de 14,8 por ano.
Em Birigui, os números não são muito diferentes: foram 99 no mesmo período, média anual de 14,1. Os acidentes ocorrem em todos os segmentos: no trabalho doméstico, comércio, indústria, no campo, entre outros.
“Equipamentos de proteção individual foram feitos para adultos, não para adolescentes. Eles não têm compleição física nem a mesma percepção sensorial que os adultos, por isso, dependendo do trabalho que desenvolvem, facilita para que o adolescente sofra acidentes”, afirma o juiz do Trabalho da Primeira Vara do Trabalho de Araçatuba e coordenador do Juizado Especial da Infância e da Adolescência, Adhemar Prisco da Cunha Neto.
De acordo com a lei brasileira, todo trabalho abaixo de 14 anos é considerado infantil. A partir desta idade, existe um contrato especial de trabalho, denominado de aprendiz, no qual o adolescente precisa frequentar a escola e um curso de formação.
O trabalho, neste caso, vem como um complemento para que o jovem tenha uma experiência prática do que aprende em sala de aula, no curso de formação, que é oferecido por órgãos do Sistema S, como Senac, Sesi e Sest Senat, e órgãos credenciados à Secretaria de Relações do Trabalho.
A partir dos 16 anos, o trabalho é permitido, mas não o noturno, insalubre e o que seja prejudicial à formação moral e psicológica do adolescente, explicou o juiz.
“TRABALHO PRECOCE ALIMENTA CICLO DE POBREZA NAS FAMÍLIAS”, AFIRMA JUIZ
O juiz do Trabalho da Primeira Vara do Trabalho de Araçatuba e coordenador do Juizado Especial da Infância e da Adolescência, Adhemar Prisco da Cunha Neto, afirma que o trabalho infantil faz com que crianças e jovens percam oportunidades na vida adulta e os deixa em desigualdade em relação a quem teve acesso à educação.
“Tem uma crença na sociedade de que é melhor trabalhar do que ficar na rua, e nós estamos atuando para descontruir esta ideia, porque já está comprovado que, quando se trabalha de forma inadequada e precoce, alimenta-se o ciclo de pobreza naquela família, porque essa criança leva para a vida adulta a crença de que é bom trabalhar e estudar não faz diferença”, afirmou.
O juiz também cita que muitas pessoas veem o trabalho infantil acontecendo, mas por falta de consciência ou outras circunstâncias, não denunciam.
“Queremos que a sociedade tenha um olhar mais atento e sempre que souber de uma criança em condições ilegais, que leve esse fato ao conhecimento dos responsáveis pelo cuidado do trabalho infantil na cidade”, disse. As denúncias podem ser feitas pelo Disque 100 (ligação gratuita e não é necessário se identificar), Conselho Tutelar e Secretaria Municipal de Assistência Social.
Ao tomar conhecimento da situação, o juiz da Infância e da Juventude analisa cada caso para avaliar o tamanho do prejuízo causado à criança. A intenção é olhar a questão psicossocial dos pais e da família, e não punir, até porque, a criança acaba trabalhando porque acredita que precisa ajudar seus familiares, lembra o juiz.
CORRIDA, SEMINÁRIO E EXPOSIÇÃO CONTRA O TRABALHO INFANTIL
Para conscientizar a população, órgãos e autoridades organizam eventos e campanhas para mostrar o quanto o trabalho infantil é nocivo para a sociedade. No dia nove deste mês, foi realizada a Primeira Corrida “Chega de Trabalho Infantil”, em Araçatuba.
Nesta quarta-feira (12), Dia Mundial contra o Trabalho Infantil, foi realizado um seminário com a presença de autoridades e a explanação de vários assuntos ligados ao tema. Após o evento, foi redigida a Carta de Araçatuba, com um pacto regional pela erradicação do trabalho infantil (Veja abaixo).
Também nesta quarta, foi lançado o twitaço #BrasilSemTrabalhoInfantil, que chegou a ser a terceira hastag mais tuitada, ontem.
Até a próxima segunda-feira (17), está em cartaz a Exposição Itinerante “Um Mundo Sem Trabalho Infantil”, no shopping Praça Nova. A mostra reúne fotos, textos e painéis sobre o tema.
Ele destaca que estão empenhados nas campanhas de conscientização a Justiça do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho, a Vara da Infância e da Juventude, Ministério Público, Prefeitura e a Fundação Casa.
APRENDIZAGEM
Um dos trabalhos que vem sendo realizados é a introdução de jovens da Fundação Casa no processo de aprendizagem. Na primeira fase, trabalharam com nove adolescentes e, na segunda, com 12.
Os jovens internos fazem um curso teórico na Fundação Educacional Araçatuba (FEA) e são colocados em órgãos públicos, como Procuradoria do Trabalho, Defensoria Pública e rede municipal de ensino, onde trabalham em funções administrativas.
“Nosso objetivo é fazer com que a prática seja reproduzida no Brasil afora. Há vários projetos assemelhados, mas a proposta é levar adiante a ideia para que todos os lugares que tenham centro de internação de jovens possam fazer o mesmo”, disse o juiz.
TRABALHO DOMÉSTICO ESTÁ ENTRE AS 93 PIORES FORMAS DE TRABALHO INFANTIL
O trabalho doméstico está entre as 93 piores formas de trabalho infantil, segundo o juiz do Trabalho da Primeira Vara do Trabalho de Araçatuba e coordenador do Juizado Especial da Infância e da Adolescência, Adhemar Prisco da Cunha Neto.
“O trabalho doméstico expõe, principalmente a menina, a abusos de ordem psicológica e sexual. Mas há mais exemplos, como o trabalho em carvoaria, e outras atividades consideradas insalubres e pesadas”, afirma o juiz.
A relação das piores formas de trabalho infantil está em um painel da exposição “Um Mundo sem Trabalho Infantil”, que segue até a próxima segunda-feira (17), no shopping Praça Nova.
O juiz esclarece que o trabalho doméstico pode ocorrer na casa de terceiros ou mesmo dentro da casa da criança. Ele explica que é caracterizado trabalho infantil quando a criança abdica do estudo ou começa a ser prejudica na escola. Um exemplo é quando a mãe coloca a criança para cuidar dos irmãos enquanto sai para trabalhar.
Ele ressalta, no entanto, que as tarefas domésticas como arrumar uma cama ou o próprio quarto, não caracterizam trabalho infantil, pois têm um caráter educacional.
CARTA DE ARAÇATUBA – PACTO REGIONAL PELA
ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL
Nós, autoridades constituídas e membros da sociedade civil, hoje reunidos na cidade de Araçatuba, estamos cientes do compromisso assumido pelo Brasil perante os países que integram a Organização das Nações Unidas, na intenção de construir um mundo que se desenvolva de modo sustentável.
Sabemos que não há sustentabilidade onde reina a pobreza, a fome e a violência. Manifestamos nossa disposição em caminhar juntos em nossa cidade e região, para efetivar o direito universal à educação de qualidade e à proteção social.
Envidaremos esforços para difundir o conceito de trabalho infantil, bem como os prejuízos que ele causa ao jovem em formação, à família e à sociedade. Contribuiremos para desfazer, dentre outros, os mitos de que “trabalhar não faz mal” e que “é melhor trabalhar a ficar na rua”. O trabalho precoce faz, sim, mal. É melhor estudar e brincar porque “Criança não deve trabalhar. Infância é para sonhar.”.
O trabalho precoce perpetua o ciclo da pobreza. Retira oportunidades na vida adulta, proporcionadas pela qualificação adequada. Induz o jovem a replicar um comportamento que levou os pais à penúria. Pior, incute-lhe uma crença equivocada que condenará seus filhos à mesma prática. Cumpre-nos o papel de romper esse ciclo que, sem um olhar atento da sociedade, se retroalimenta.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), aproximadamente 2,5 milhões de crianças estavam, em 2016, em condições de trabalho infantil. É nosso papel, enquanto cidadãos e autoridades conscientes, não permitir que isso prossiga. Vamos transformar todos os dias em um “Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil”, até que, oxalá, toda criança e adolescente tenha efetivado o direito ao lúdico e à educação.
O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, enquanto anfitrião nesta oportunidade, registra seus agradecimentos a todos os parceiros e entusiastas da causa. Reafirma seu firme propósito em colaborar para a prevenção e a erradicação do trabalho infantil no Brasil.
O Município de Araçatuba, que acolhe e apoia este encontro, salienta a importância das políticas públicas voltadas às crianças e aos adolescentes, e consigna sua expressa intenção em ampliar aquelas voltadas aos jovens com idade entre 15 e 17 anos. Também registra a importância de prevenir e erradicar o trabalho infantil por meio da vigilância sócio assistencial, levada a efeito por sua Secretaria de Assistência Social.
Certos de que seremos exitosos, aclamamos: “Chega de Trabalho Infantil”.
Araçatuba, 12 de junho de 2019