Uma figura folclórica mexeu com o imaginário do Brasil no fim dos anos 90. Há 20 anos, o aparecimento de animais mortos e praticamente sem sangue no interior de São Paulo não deixava dúvidas aos moradores de áreas rurais: tratava-se do misterioso chupa-cabra.
A figura vampiresca causou temor, mobilizou investigações policiais e atraiu a atenção de ufólogos. Segundo os estudiosos que se aprofundaram no caso, a lenda ganhou o mundo com supostas aparições com registros de mortes parecidas na América do Norte, América Central, no Brasil e também na Rússia.
O Grupo de Estudos e Pesquisas Ufológicas de Sorocaba (GEPUS) é formado por algumas das pessoas que viveram o ápice de uma época de reportagens com trilhas sonoras e com depoimentos de donos de animais supostamente dilacerados pelo chupa-cabra.
De acordo com o estudo, feito em conjunto com ufólogos de Curitiba, as cidades em São Paulo que sofreram possíveis ataques do bicho foram São Roque, Araçoiaba da Serra, Ribeirão Branco, Sorocaba e Pereiras.
Relatos sobre os ‘monstros’
O G1 recuperou parte do material exibido em reportagens de TV entre 1998 e 1999. Segundo os relatos, os “monstros” agiam no período noturno e em áreas rurais.
A teoria mais plausível para os donos de propriedades rurais usada para explicar a mortandade dos animais era a existência do suposto “chupa-cabra”, conforme as reportagens da época.
As cenas eram praticamente as mesmas: galinhas, cabras, cavalos e bois mortos. No entanto, todos estavam praticamente sem sangue.
“Escureceu, tem que fechar as portas. Única coisa que vimos foram os frangos estraçalhados lá pelo fundo, com barriga cortada e sem os pés”, contou o dono de 30 galinhas mutiladas em Araçoiaba da Serra, em uma reportagem da época.
Em outro ponto da mesma cidade, o chupa-cabra virou caso de polícia. Apenas um morador afirmou tê-lo visto em uma estrada de terra. O ajudante de pedreiro alegou que o animal correu pelo mato até pular em cima do capô do carro. O rapaz descreveu a figura com altura média de 1,60m e corpo peludo.
Em outra fazenda na mesma cidade, o caseiro encontrou uma vaca morta e também sem sangue. O homem disse, na ocasião, que morava perto do local e não ouviu nenhum barulho durante a madrugada.
Em São Roque, cidade da região de Sorocaba, um grupo de jovens encontrou pegadas em trilhas e acreditaram se tratar do famigerado “vampiro do interior”. Eles chegaram a montar armadilhas e fazer uma caça ao chupa-cabra afim de capturá-lo, sem sucesso.
Já em Ribeirão Branco, 23 cabras mortas foram encontradas com furos nos pescoços.
“Está esquisito. Está atacando só na base da orelha, uma ou duas vezes. Mais estranho que são só as fêmeas”, explicou um fazendeiro.
Em outra propriedade na região, 11 ovelhas foram atacadas e uma morreu com um furo no pescoço. O animal foi analisado por um veterinário e os resultados dos exames apontaram que o ataque teria sido feito por um cão. Mas o dono da propriedade questionou o laudo porque toda a área era cercada por tela. E mais uma vez não havia grande quantidade de sangue.
Uma veterinária contou à reportagem que acreditava que uma pessoa matava os animais e drenava o sangue para cultos. Religiosos negaram a autoria à reportagem do Fantástico.
Investigação e euforia
Duas décadas depois de investigar os casos em Araçoiaba da Serra, o delegado aposentado Raul Francisco de Souza lembrou ao G1 o trabalho da Polícia Civil. Todos os inquéritos policiais sobre o assunto foram arquivados sem autoria.
“Todo mundo ficou eufórico com essa história e decidimos apurar quando foram feitos os boletins de ocorrência. Fomos batendo de porta em porta e coletando depoimentos. Por incrível que pareça, os casos pararam de repente. Então, concluímos que os autores ficaram com medo de serem presos e não o fizeram mais.”
O ufólogo Marco Leal, do GEPUS, trabalhou no caso com o pesquisador Carlos Alberto Machado. Os especialistas questionam a teoria de que os ataques atribuídos ao chupa-cabra foram de animais silvestres.
“Se eram animais selvagens, por que pararam de atacar? Só entre 1999 e 2000 que atacariam? É para se pensar. Os veterinários que me ajudavam não identificavam sangue e os bichos estavam secos. Isso que assustava”, diz Carlos.
Mesmo 20 anos depois da lenda que se espalhou pelo país, o ufólogo ainda não tem uma opinião definitiva sobre o que causou a mortandade dos animais. “Algumas fotos eu vejo e já tem uma poça de sangue e claramente não é o mesmo modo de ataque. Porém, nos últimos anos há registros de situações parecidas com as que ocorreram aqui, só que no Chile.”
A pesquisa sobre o “monstro” virou até livro. As investigações dos ufólogos continuam até hoje. Carlos Alberto afirma que ainda recebe imagens de supostos ataques. Contudo, em quantidade muito menor do que antigamente.